O Universo primordial é como uma ilha de tesouros para astrônomos. Na imensidão misteriosa da infância do Cosmos, pode estar a resposta para uma pergunta que, provavelmente, acompanha a humanidade desde o início: qual é a origem de tudo? Nessa região extremamente antiga, formada cerca de um bilhão de anos depois do big bang, um grupo de cientistas conseguiu comprovar a existência de um buraco negro massivo. Esse corpo celeste misterioso, que engole qualquer coisa que passa por ele ; inclusive a luz ;, existe no coração de todas as galáxias. Por isso, detectá-lo nos primeiros grupos de estrelas formados depois da grande explosão fornece boas pistas sobre a cosmologia.
Até então, limitações técnicas impediam o feito. Mas liderados pelo astrofísico Ezequiel Treister, da Universidade do Havaí, os cientistas utilizaram uma nova metodologia chamada stacking (empilhamento) para descobrir o mais antigo buraco negro massivo já detectado. Eles observaram um grupo de galáxias bastante afastadas com redshift v maior do que seis. Também chamado ;desvio para o vermelho;, redshift é um termo associado à distância e à velocidade de expansão das galáxias. De forma simplificada, quanto mais longe elas estão do observador ; um telescópio, por exemplo ;, maior o comprimento de sua onda em relação ao objeto, e maior é seu desvio para o vermelho. Corpos celestes a uma distância maior que v6 estão a mais ou menos 12 bilhões de anos-luz de distância. Como a idade do Universo é estimada entre 13 e 14 bilhões de anos, dá para imaginar como o grupo de estrelas estudado é antigo.
O problema é que nem os mais avançados telescópios conseguem capturar, a essa distância, os raios X emitidos pelo gás que se transforma em energia quando um objeto é sugado pelo buraco negro. E a única maneira de se encontrar um buraco negro é essa, já que ele, como o próprio nome diz, não emite luz. Mesmo o telescópio de raios X Chandra só consegue sinais muito fracos.
;É aí que está a brilhante ideia dos cientistas. Eles fizeram uma correlação cruzada de imagens dessas galáxias;, diz o astrofísico João Steiner, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). Ao ;empilhar; as imagens captadas pelo Chandra, os cientistas conseguiram multiplicar os sinais de raios X. ;Eles detectaram estatisticamente as galáxias. E se emitem raios X, elas possuem um quasar e, portanto, já tinham um buraco negro supermassivo;, explica. Quasares (;quase estrelas;) são os objetos mais brilhantes do Universo e acredita-se que sua energia vem da captura de gás pelos buracos negros massivos.
Estágio precoce
;Nossos resultados fornecem a primeira evidência conclusiva de que uma grande fração, superior a 30%, das galáxias do Universo primitivo, formadas um bilhão de anos após o big bang, contêm um número crescente de buracos negros supermassivos;, diz ao Correio o astrônomo Ezequiel Treister. ;Já se encontraram outros buracos negros em distâncias semelhantes, mas os que detectamos estão em estágio muito precoce, e são os progenitores dos buracos negros supermassivos que vemos na maioria das galáxias próximas;, afirma.
De acordo com ele, a tecnologia de empilhamento poderá ser útil para encontrar novos buracos negros em outras galáxias. ;Planejamos usar o método em um futuro próximo para entender a conexão entre os buracos negros e a evolução das galáxias;, conta. O astrofísico João Steiner lembra que a teoria da coevolução desses objetos e dos grupos estrelares não é novidade. ;O artigo é compatível com essa ideia;, diz.
Mas o que Treister quer é investigar a fundo o mecanismo que permitiu essa evolução conjunta. ;Acho que estamos perto disso, e certamente nosso resultado recente é um passo muito importante nessa direção. Mas, obviamente, não é a resposta final.
Realmente queremos entender como os buracos negros se formaram e qual é sua conexão com a evolução das galáxias. Com futuras observações no futuro próximo, espero que possamos responder pelo menos à primeira questão em menos de cinco anos;, conta.