O mundo é como a sala de espelhos de um parque de diversões. Tudo parece extremamente real, mas, na verdade, não passa de ilusões ; nesse caso, criadas pelo cérebro. De memórias da infância a imagens registradas no dia a dia, o que as pessoas veem e sentem quase nunca é o que parece. Poucos sabem, por exemplo, que quatro horas do dia útil são passadas em total cegueira. Mas os neurônios dão um jeito de resolver, levando luz à escuridão. O que pensar, então, daquela lembrança tão vívida dos primeiros anos da vida que, se descobre mais tarde, jamais aconteceu?
Pode parecer assustador, mas a realidade é um jogo da mente. Pesquisas neurológicas têm demonstrado a capacidade do cérebro de ;enganar; as pessoas, tornando a percepção do mundo uma experiência bastante individual. A distância, por exemplo, pode ser medida com precisão por equipamentos, mas quem define o que é 1cm, 1m ou 1km são os neurônios de cada um. A explicação oficial para a percepção do que é grande ou pequeno, perto ou longe está na forma como o cérebro processa as informações capturadas pela retina em um determinado campo visual. Isso é verdade. Mas a altura do próprio corpo também é determinante, de acordo com um estudo recém-publicado na revista especializada PloS One.
Cientistas do Instituto Karolinska, da Suécia, provaram que, quanto mais alta é uma pessoa, menor lhe parece a distância. Se dois indivíduos, um de 1,80m e outro de 1,60m, partem da linha de largada em uma pista de corrida de 100m, o primeiro vai achar que percorreu um caminho mais curto. Porém, os 100m são iguais para ambos. Embora alguns pesquisadores acreditassem que isso ocorria, só agora foi possível provar o fato.
Há tempos, a equipe do cientista Henrik Ehrsson faz pesquisas sobre o poder da ilusão. Em fevereiro, o neurocientista mostrou que é possível passar pela estranha sensação de ter duas cabeças ou mais de dois braços e pernas. Também na PloS One, ele descreveu como duas pessoas perfeitamente saudáveis ;sentiram;, no laboratório de experimentos, os membros extras. Em uma mesa, os cientistas colocaram um braço protético muito parecido com um de verdade, localizado perto do braço direito do voluntário. Para produzir na pessoa o sentimento de ser dona dos três membros, os pesquisadores tocavam rapidamente a mão do voluntário e, em seguida, a do braço falso, no mesmo local.
;Então, o cérebro da pessoa começava a se preocupar, tentando identificar quais dos braços eram os verdadeiros. O que esperávamos era que o voluntário só sentisse o toque feito na sua própria mão;, disse ao Correio Arvid Guterstam, pesquisador que participou do estudo. ;Mas o que descobrimos, surpreendentemente, foi que o cérebro resolveu o conflito aceitando ambas as mãos, a falsa e a verdadeira, como se fossem parte do corpo. Ou seja, o indivíduo experimentou a sensação de possuir um terceiro braço.;
Se o cérebro consegue sentir um tapinha em um braço de manequim, não é estranho imaginar que também influencie muitas outras formas de percepção. No estudo recente, a equipe de Henrik Ehrsson utilizou conceitos desenvolvidos pela pesquisa anterior para verificar a questão da distância e dos tamanhos. Os voluntários passaram pelas sensações de serem um boneco estilo Barbie ou um gigante de 13m. Da mesma maneira que os cientistas fizeram com que os participantes achassem que tinham três braços, eles utilizaram a técnica de tocar o corpo do voluntário e posteriormente de um boneco até que o cérebro ;achasse; que tinha o tamanho do objeto.
Com essa percepção de tamanho na cabeça, os participantes, usando óculos especiais, ;caminhavam; por uma plataforma visual, repleta de blocos. ;Nossos resultados provaram que o tamanho do corpo influencia diretamente a percepção do tamanho de todo o mundo externo;, conta Ehrsson ao Correio. Depois do experimento, os voluntários respondiam a questionários, já livres do corpo falso. A tendência foi super ou subestimar tamanhos e distâncias, dependendo de as perguntas serem feitas depois de eles passarem pela sensação de serem Barbies ou gigantes.
Seleção de detalhes
Mais estranho ainda é saber que, fisiologicamente, os olhos enxergam bem menos do que se imagina. O psicólogo Daniel Simons, da Universidade de Harvard, autor da teoria do ;gorila invisível;, pede para pensar na seguinte situação: ;Você está andando em um câmpus universitário, quando um estranho lhe pede direções. Enquanto está falando com ele, dois homens passam entre vocês carregando uma porta de madeira. Eles seguem em frente e você continua descrevendo o caminho. Quando termina, o estranho informa que você acabou de participar de um experimento de psicologia;.
;A pessoa;, continua Simons, ;pergunta então se você reparou algo estranho depois de os homens passarem com a porta. ;Não;, você responde, inquieto. Ele explica que o homem que primeiramente abordou você foi embora atrás da porta e que ele assumiu seu lugar. Isso mesmo, a pessoa que está conversando com você naquele momento é diferente da que lhe fez a pergunta. Então você pode olhar para os dois lado a lado e percebe que têm alturas diferentes, cortes de cabelo diferentes e vozes diferentes;. Parece impossível confundir os dois, mas a pesquisa de Simon com o colega Daniel Levin, da Universidade de Ken State, mostrou que 50% das pessoas que involuntariamente participaram do experimento não notaram a mudança de interlocutor. Elas passaram por algo conhecido como ;cegueira de mudança;.
Segundo o pesquisador, em vez de registrar todos os detalhes de uma cena, o cérebro é altamente seletivo. ;Nossa impressão de que podemos ver tudo é apenas isso: uma impressão;, afirma. Isso não é anormal. Pelo contrário. O cérebro é muito inteligente e sabe que não é necessário registrar todas as imagens visualizadas no dia a dia: isso seria um desperdício de atenção. Na realidade, mesmo que quisesse enxergar tudo, um indivíduo não conseguiria. No centro da retina, existe um tecido chamado fóvea central, onde se concentra a visão. Mas a acuidade visual permitida por essas pequenas células fotorreceptoras é de apenas 20%. Fora desse campo, por exemplo, nas extremidades do olho, a capacidade de enxergar bem despenca ; e as cores somem.
Ainda assim, uma pessoa pode afirmar com certeza absoluta que ela enxerga perfeitamente bem pelo ;cantinho do olho;. Não deixa de ser verdade. Para que o indivíduo consiga ver mais do que a fóvea permite, o cérebro recorre ao mecanismo de sacada: movimentos rapidíssimos executados pelos olhos, de forma a captar detalhes periféricos e formar uma imagem final. Isso acontece de uma forma tão veloz que a impressão é a de que se enxerga o todo, quando, na verdade, é como se o olho tivesse, como uma câmera, tirado várias tomadas que, depois de rodadas, parecem uma única cena.
;Os olhos humanos movem-se entre duas e três vezes por segundo sem que possamos perceber isso. Esse processo melhora a sensibilidade dos neurônios visuais em várias áreas do cérebro;, explica Bart Krekelberg, pesquisador da Universidade de Newark. Cada sacada é um rápido piscar de olhos. Nas contas do psicólogo Ron Rensink, da Universidade de British Columbia, no Canadá, durante o dia útil, os olhos executam 150 mil sacadas. Com isso, no total, todo mundo passa quatro horas desse tempo completamente no escuro.
Lembrança inexistente
Se isso parece desconcertante, o que dizer do fato de que algumas memórias nunca existiram? Por motivos ainda pouco esclarecidos, um adulto pode ;lembrar-se; de algo que, na verdade, não aconteceu, com base em histórias que foram contadas ou coisas que viu durante a primeira infância. O psicólogo infantil Jean Piaget contava que tinha a memória de ter sido vítima de tentativa de rapto aos 2 anos. Podia contar com detalhes a cena: onde estava, como foi a luta da babá contra o bandido e do policial perseguindo o algoz. Acontece que isso era uma mentira contada pela babá que, 13 anos depois, admitiu, em uma carta, que havia inventado tudo. Mas, como a história era contada e recontada pelos pais de Piaget, que acreditaram na tentativa do rapto, seu cérebro criou a falsa memória.
O mesmo aconteceu com voluntários que se submeteram a um estudo desenvolvido pela Universidade de Colônia, na Alemanha. Os participantes realizavam ações simples, como manipular objetos, e depois assistiam a vídeos mostrando outras pessoas fazendo tarefas diversas. Duas semanas depois, eles tinham de indicar quais as ações que tinham executado. Os cientistas ficaram surpresos: ;Os voluntários eram mais inclinados a dizer que tinham realizado tarefas que, na verdade, tinham sido feitas por outras pessoas;, escreveram, em um artigo publicado na revista especializada Psychological Science.
A explicação pode estar na ativação dos neurônios-espelhos, células cerebrais ativadas quando um animal vê outro desempenhando uma determinada ação. Os macacos, por exemplo, são famosos por imitar seus pares. Nos seres humanos, isso não acontece com a mesma frequência. Mas é um fenômeno essencial para, por exemplo, o aprendizado de coisas que precisam ser memorizadas pela repetição, como a linguagem.