Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Encontro mundial sobre Aids termina com relatório para erradicar a doença

Eliminar a Aids. Essa é a missão ; ambiciosa, hoje ainda quase impensável ; assumida por mais de 130 países que participaram da Reunião de Alto Nível sobre HIV/Aids, encerrada ontem, em Nova York (EUA). De acordo com a declaração final do encontro, até 2015 deve ser erradicada a transmissão vertical do vírus (de mãe para filho) durante a gravidez, o parto e a amamentação, além de quase triplicar o acesso ao tratamento com o uso de medicamento antirretrovirais, que deverá chegar a cerca de 15 milhões de doentes.

Com essas medidas, a ideia é conseguir barrar a transmissão da doença, em um programa que está sendo chamado de ;Contagem regressiva para zero;. Polêmicas posições defendidas pelo Brasil em relação à quebra de patentes de medicamentos anti-Aids e políticas específicas para populações de risco foram aprovadas.

Para atingir a meta de zerar os novos casos, as autoridades pretendem utilizar o tratamento preventivo como estratégia para impedir novas infecções. Recentes estudos mostraram que pacientes que recebem os medicamentos antirretrovirais têm 96% a menos de chance de transmitir a doença, em caso de sexo sem proteção.

;Nossa política de promover o tratamento em bases universais e gratuitas está agora ganhando dimensões internacionais;, avaliou o ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota, em entrevista coletiva. A tendência é de que mais países adotem programas de tratamento gratuito semelhantes ao que existe atualmente no Brasil.

Para botar em prática a ambiciosa meta será preciso destinar mais recursos para os programas anti-Aids. O programa das Nações Unidas para a Aids (Unaids) estima que sejam necessários até US$ 24 bilhões de dólares por ano para popularizar o tratamento. Em 2009, o valor investido no controle do HIV foi de US$ 10 bilhões, o suficiente para prover tratamento para apenas 5,25 milhões de pessoas. ;O mundo reafirmou que a prevenção do HIV deve ser a pedra angular da resposta à Aids;, disse Paul De Lay, diretor executivo da Unaids. ;Ao implementar o tratamento como forma de prevenção, o mundo está prestes a colher os benefícios dessa opção. Vamos virar o jogo.;

Outra forma de crescimento da doença que vem preocupando as autoridades é a proveniente do compartilhamento de agulhas entre usuários de drogas injetáveis. Ela seria responsável pelo recente crescimento do HIV em países da Ásia Central e do Leste Europeu. Pelo documento assinado ontem, as nações se comprometem a reduzir pela metade a quantidade de contágios por essa via até 2015, ano em que também devem ser reduzidas em 50% as mortes por tuberculose, uma das principais causas de óbito de pacientes soropositivos.

Controvérsias
A reunião, que, segundo De Lay, tinha ;a intenção de promover o início do fim da Aids;, permaneceu com questões polêmicas até a última reunião. Um dos pontos defendidos pelo grupo de países latinos e africanos, liderado pelo Brasil, era a inclusão no texto da declaração de artigos presentes no acordo Trip;s (Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual, na sigla em inglês), assinado em 2001, durante a rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMS) em Doha, no Catar.

Pelo acordo, que completou 10 anos, em casos de emergências de saúde os governos podem quebrar patentes de medicamentos. ;É muito importante que se consolide o entendimento de que nada na legislação comercial internacional impede os países de tomarem medidas ambiciosas quando se trata de proteger a saúde pública;, defendeu o chanceler brasileiro. ;E também não há impedimento para acordos que levem ao acesso a medicamentos mais baratos;, completou.

O outro ponto de tensão era a menção explícita aos chamados grupos vulneráveis ; homossexuais, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo ; , atitude que era criticada por países com regimes religiosos conservadores. ;Defendemos que os grupos estigmatizados sejam tratados com a dignidade que merecem e que haja um foco diferenciado nessas populações, que têm um maior risco de infecção;, defendeu Patriota.

Nos dois casos, a posição defendida pelo Brasil foi aprovada. Pelo relatório, ;as estratégias nacionais de prevenção do HIV não têm efeito satisfatório em grupos onde há evidência epidemiológica de que o risco é maior, como os homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo;, afirma um trecho do texto, aprovado por volta das 17h de ontem (horário de Brasília).

Sobre a questão econômica, os representantes dos países se comprometeram com a ;utilização, ao máximo, das flexibilidades previstas no acordo Trip;s, especificamente voltadas para a promoção, acesso e comércio de medicamentos;, assinala o documento.