Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Brasil ensina o mundo a plantar e preservar

Um estudo divulgado ontem, em Bonn, na Alemanha, durante a última etapa de negociações preparatórias para a Conferência das Partes das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a COP17, cita o Brasil como exemplo de sucesso na produção de alimentos, por mostrar que é possível ter uma agricultura que não impacte as florestas e ajude na redução de emissões de gases de efeito estufa. A análise, realizada pelo Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar (CCAFS, na sigla em inglês), revela que o país pode oferecer modelos para impulsionar a produção agrícola e diminuir o desmatamento. Tal modelo é baseado no uso de metodologias e tecnologias desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde a década de 1970.

A pesquisa, coordenada por Gabrielle Kissinger, diretora da Lexema Consultoria Ambiental, do Canadá, analisou as propostas de ações para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD ) de 20 países em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina. Apesar de o Brasil não fazer parte da análise, foi citado como caso de sucesso por ter aumentado sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, ter reduzido o desmatamento no período de 2009 e 2010.

No estudo, foram observados mecanismos e políticas que garantam a redução das emissões derivadas de desmatamento e degradação das florestas, aumento das reservas florestais de carbono, gestão sustentável das florestas e sua conservação ; ações do REDD . O exemplo do Brasil, mais especificamente do estado do Acre, se destaca pela adoção de políticas públicas que motivam a preservação e a sustentabilidade do meio ambiente e novas práticas agrícolas (veja quadro) que podem contribuir para uma mudança de paradigma nos setores da produção de alimentos.

Segundo a autora do estudo, o que torna o sistema agrícola brasileiro tão singular é que ele oferece técnicas para aumentar a produtividade ao mesmo tempo em que cria áreas de conservação nacional e faz o monitoramento do desmatamento. ;Essa é uma combinação única. Acredito que outros países podem implementar abordagens semelhantes, adaptadas às suas circunstâncias nacionais, podendo combinar esses elementos;, disse Gabrielle ao Correio.

No sistema agrícola destacado pelo estudo estão o plantio direto com acúmulo de resíduos vegetais no solo e, consequentemente, com estoque de carbono e nitrogênio; o cultivo de espécies que fixam nitrogênio; a integração lavoura-pecuária; e os sistemas agrossilvispastoris (agricultura, floresta e pecuária). Todas são práticas que promovem a redução das emissões dos gases de efeito estufa e que, segundo a especialista, deverão ser disseminadas nos próximos anos.

Para ter uma ideia, a recuperação de pastagens degradadas e a intergração lavoura-pecuária (ILP) podem juntas responder por 12% do compromisso do governo de reduzir as emissões até 2020. Com um hectare recuperado e trabalhado com essa prática, pode-se liberar até oito hectares, que podem servir, por exemplo, para o reflorestamento. Já o plantio direto ; prática bastante consolidada, abrangendo 70% da área agrícola do país ; é responsável por reduzir a emissão de carbono para a atmosfera. ;Sob o plantio direto, retêm-se em torno de 63t de carbono no solo, por hectare, enquanto, no sistema convencional, essa medida chega a apenas 50t;, calcula Marco Aurélio Carolino, pesquisador da Embrapa Cerrados. Além disso, a prática promove a redução do uso de máquinas agrícolas, o que contribui para minimizar ainda mais a emissão de CO2.

Soja
O cultivo de soja também foi destaque do estudo da CCAFS, devido ao desenvolvimento de um tipo de planta resistente ao clima brasileiro. ;A soja é originária da China, uma planta que não sobrevive em climas tropicais;, explica Sebastião Pedro da Silva Neto, engenheiro agrônomo e coordenador do Programa de Melhoramento Genético de Soja da Embrapa Cerrados. Porém, o problema foi contornado com técnicas de melhoramento genético que permitiram o cultivo dos grãos em todo o território nacional. Dessa forma, o país se tornou o segundo maior produtor do grão no mundo.

A busca agora é selecionar plantas que produzam mais na mesma área e em menos tempo, o que vai ao encontro do uso racional do solo. Isso quer dizer que, dentro do mesmo ano agrícola, pode-se produzir outras culturas, como milho, trigo, feijão, pastagens, sorgo e até florestas. ;É isso que dá a condição do Brasil crescer;, avalia Neto.

Para Derli Dossa, coordenador da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, os elogios ao Brasil têm três razões básicas. A primeira é a competência do país em desenvolver boa tecnologia tropical. A segunda está relacionada ao fato de o país ter investido em tecnologia própria. ;Com isso, os produtores obtiveram mais competência na produção com sustentabilidade, tanto técnica, econômica e ambientalmente;, esclarece. Por fim, o outro fator que colaborou, segundo Dossa, foi a disponibilidade do governo em formular políticas públicas fornecendo aos produtores financiamento conforme a realidade de cada um, por produto e região. ;São todos esforços que devemos tributar a vários governos que apoiaram a nossa agricultura;, aponta.