Um novo estudo sobre a Aids ; o HPTN 052 ; concluiu que a terapia antirretroviral antecipada reduz a transmissão do HIV em 96% em casais em que um dos parceiros é soropositivo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a comunidade científica internacional saudaram a pesquisa, feita com 1,7 mil casais de 13 países, incluindo o Brasil, como ;uma descoberta que impulsionará a revolução da prevenção com medicamentos;, nas palavras de Michel Sidibé, da Unaids, programa internacional de combate à doença da Organização das Unidas (ONU).
Os resultados clínicos das investigações comandadas por Myron Coehn, no Instituto de Saúde Global e Doenças Infecciosas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, vão certamente fortalecer novas orientações que a OMS pretende colocar em prática em julho deste ano, com o propósito de ajudar pessoas contaminadas e proteger seus parceiros do vírus. ;Esse é um avanço crucial, porque sabemos que a transmissão sexual é responsável por cerca de 80% de todas as novas infecções;, festejou a diretora-geral da OMS, Margaret Chan. No Brasil, o professor de imunologia da Universidade de São Paulo (USP) Ésper Kallás explica que o estudo amplia a capacidade de tratar as pessoas no início e comprova os resultados positivos dessa estratégia.
Para Ésper, tratar as pessoas em estágios iniciais reduz a carga do HIV na genitália e, por consequência, no sangue. ;Estamos diante de uma série de estudos e terapias que vêm aumentando o arsenal de combate à transmissão da doença a cada ano que passa;, acrescenta, referindo-se a formas de impedir contaminação de mulheres grávidas e de transmissão de mãe para filho, em particular. Pelo estudo de Coehn, o risco de transmissão de HIV é consideravelmente reduzido se uma pessoa infectada com o vírus se submeter logo em seguida a um tratamento médico com antirretrovirais.
Dados positivos
Ao iniciar um tratamento com medicamentos imediatamente, em vez de esperar o avanço da doença, o estudo mostrou uma queda de 96% nas chances de transmissão do HIV por uma pessoa infectada para uma que não tenha a doença. A triagem clínica aleatória começou em 2005. Um total de 97% dos acompanhados era de heterossexuais. ;O estudo foi desenvolvido para avaliar o benefício tanto para o portador do vírus quanto para o parceiro sexual;, diz Cohen.
Durante os exames clínicos aleatórios, alguns casais foram colocados em um grupo ;atrasado;, no qual o parceiro infectado começou a receber o tratamento com antirretrovirais (TAR) apenas quando um tipo de célula T (linfócito) conhecido como CD4 caiu para menos de 250 por milímetro cúbico ou quando ele ou ela desenvolveu uma doença relacionada à Aids. O outro grupo começou a receber o TAR imediatamente. Nesse grupo, apenas um caso de transmissão de HIV foi registrado. Houve 27 transmissões de HIV no grupo ;atrasado; que puderam ser diretamente atribuídas ao parceiro infectado, uma diferença que o estudo considerou ;de alto significado estatístico;.
O coordenador do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, o infectologista Ronaldo Hallal, interpretou a notícia sobre o estudo como a reafirmação da necessidade de se fazer uma intervenção mais precoce nos pacientes de Aids. ;Existem outros estudos que confirmam evidências já em consolidação e isso amplia os instrumentos de prevenção e combate à doença;, lembrou, referindo-se a uma pesquisa de 2010. Ele informou que o Ministério da Saúde vai analisar as conclusões dos estudos mais recentes para agregar conhecimentos às novas recomendações do MS que serão feitas este ano em relação à política brasileira de controle da Aids.
Para Ronaldo, é preciso usar cautela diante de situações que não se encaixam em padrões, quando pacientes de determinados grupos podem sofrer efeitos adversos com medicamentos. Nesses casos, não compensa antecipar o emprego do coquetel antirretroviral. ;O Ministério da Saúde só recomenda práticas seguras de tratamento, controle e prevenção;.
No Rio de Janeiro, o presidente do Grupo Arco-íris, Júlio Moreira, ponderou que, apesar de todos os esforços da ciência em busca de soluções para a epidemia mundial da Aids serem ;louváveis;, é preciso cautela. ;Esse estudo (o HPTN 052) é um grande avanço, mas não podemos esquecer as formas de prevenção da doença, como os preservativos, até porque não é apenas a Aids que mata, temos a hepatite C e outras. O perigo desses achados é que a juventude pode ser levada a crer que o perigo passou;, advertiu.
De acordo com Wafaa el-Sadr, membro do comitê executivo da Rede de Testes de Prevenção do HIV (HPTN, em inglês), grupo que realizou o estudo, as descobertas levaram tempo para ocorrer, mas devem ter grande impacto nos manuais de tratamento. ;Acho que o estudo sempre será reconhecido como um marco que realmente pode transformar tanto os tratamentos quanto a prevenção do HIV globalmente;, disse a cientista. Sadr, que também é professora de medicina e epidemiologia da Universidade de Columbia, em Nova York, afirmou que os casais no estudo podem continuar a ser acompanhados.