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Ciência e Saúde

Dor crônica provoca mudanças cerebrais, revela pesquisador norte-americano


Para um terço da população mundial, viver dói. Essa é a quantidade estimada de indivíduos que sofrem de desconfortos intensos, constantes e incuráveis em diversas partes do corpo, como fibromialgia, artrites e neuropatias. Embora seja possível controlar a dor crônica por meio de medicamentos e outras terapias, não existe cura para o mal, pelo simples fato de que nem mesmo os médicos conseguem explicar a origem do problema. Cada vez mais, porém, os cientistas se aproximam dos mecanismos cerebrais escondidos por trás da dor crônica, o que, potencialmente, poderá colocar fim ao sofrimento diário de 2,6 bilhões de pessoas ; o número é superlativo, mas correto.

Em visita ao Brasil para participar de um encontro com médicos, o pesquisador norte-americano Vania Apkarian apresentou os resultados de seus trabalhos mais recentes. Apkarian é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Feinberg, em Chicago, e há duas décadas estuda o assunto. Seus últimos estudos mostram que pessoas com dores crônicas não apenas reagem diferentemente a estímulos externos, mas seus cérebros sofrem uma reorganização anatômica. ;Apesar de muito se saber sobre as áreas do cérebro que decodificam as propriedades sensoriais desencadeadas por um estímulo doloroso, o circuito complexo que envolve a tradução da dor em um comportamento continua obscuro e pouco explorado;, alega (leia entrevista).

Entre as modificações anatômicas, a equipe de Apkarian descobriu que a perda de densidade do cérebro está relacionada com a duração da dor ; 1,3 centímetro cúbico de massa cinzenta, a parte do cérebro que processa a informação e memória, é perdido a cada ano pelos pacientes que sofrem do mal. A equipe de pesquisadores usou imagens obtidas por ressonância magnética funcional para comparar os cérebros de 26 participantes que tinham dor lombar crônica aos de indivíduos saudáveis.

Todos os voluntários do primeiro grupo sofriam de dores incessantes há mais de um ano, principalmente na região lombossacral, incluindo nádegas e coxas. Segundo Apkarian, é possível que a diminuição da massa cinzenta seja provocada pela retração do tecido cerebral, sem perda significativa de neurônios. A atrofia também pode ser atribuída a processos irreversíveis, como a neurodegeneração. Outra pesquisa da equipe constatou que os neurônios da medula espinhal sofrem apoptose ; morte celular ; em ratos com dor neuropática, o que explicaria a diminuição do tamanho do cérebro.

O pesquisador Ariel Darvasi, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, trabalha com a linha da genética para entender como a dor crônica é desencadeada. Um estudo realizado por sua equipe e publicado na revista especializada Genome research indica que os genes podem estar por trás do problema. Usando modelos animais, Darvasi identificou uma região do cromossomo 15 que contém variantes genéticas associadas à dor. Como a área é formada por 155 diferentes genes, foi preciso mapeá-la completamente para encontrar qual a mutação envolvida no processo. ;A partir de abordagens biotecnológicas e análise dos dados genéticos, conseguimos achar um único gene, o Cacgn2, que nos pareceu o candidato mais provável;, disse ao Correio. Esse gene é conhecido por seu envolvimento com a epilepsia mas, até então, nunca havia sido descrita sua ligação com a dor crônica.

No entanto, ainda não se sabe se a versão humana do gene também tem conexão com o problema. Analisando um grupo de pacientes com câncer de mama que se submeteram à remoção total ou parcial do seio, os pesquisadores descobriram que alterações profundas no Cacgn2 estavam associadas à dor crônica após a cirurgia. ;Apesar de essa associação precisar de mais análises, o resultado é encorajador. O significado imediato de nossas descobertas é que as diferenças na percepção da dor podem ter uma predisposição genética;, diz Darvasi. ;Isso pode fornecer dados para o tratamento da dor crônica por meio de novos mecanismos;, acredita.

Molécula

Além da anatomia cerebral e dos componentes genéticos, a fisiologia molecular também pode estar envolvida com os processos de dor persistente. Pesquisadores da Universidade de Michigan encontraram uma ligação entre a dor e uma molécula específica do cérebro, uma descoberta que, de acordo com eles, poderá lançar uma nova luz sobre a fibromialgia, condição que afeta até 5% da população mundial. Em pacientes que sofrem do mal, os cientistas descobriram que a dor diminuía quando os níveis de uma molécula chamada glutamato caíam. Os resultados do estudo, que foi publicado na revista Arthritis and rheumatism, podem ser úteis para a busca de novas terapias.

O glutamato é um neurotransmissor, o que significa que passa informações para os neurônios através do sistema nervoso. Estudos anteriores haviam demonstrado que, em pacientes com fibromialgia, há um acúmulo da substância na região cerebral da ínsula, responsável pelo controle da emoção, entre outras funções. Por meio de exames de ressonância magnética funcional, os pesquisadores haviam constatado que os neurônios dos pacientes são mais ativos nessa área. A equipe de Harris suspeitou que a atividade maior entre os neurônios poderia estar relacionada ao nível de glutamato na região.

Para avaliar a relação entre dor e glutamato, os pesquisadores usaram uma técnica não invasiva que gera imagens cerebrais, chamada espectroscopia de prótons por ressonância magnética. O exame foi realizado antes e depois de os pacientes serem submetidos a quatro semanas de acupuntura, procedimento que visa diminuir a dor. Ao final desse período, os voluntários disseram que os sintomas se reduziram significativamente. ;O mais importante é que a diminuição da dor ocorreu ao mesmo tempo em que constatamos reduções nos níveis de glutamato na ínsula;, contou Harris ao Correio. ;Caso os resultados forem confirmados em estudos que envolvam um grande número de pacientes, o glutamato poderá ser um marcador biológico da fibromialgia;, acredita.