Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Parceria entre grupo franco-brasileiro cria nervos artificiais

A PUC/RS e Universidade de Montpellier conseguem desenvolver uma estrutura com a capacidade de recuperar áreas lesionadas, especialmente em rompimentos traumáticos de ligamentos nos braços ou nas mãos

Um trabalho conduzido por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e da Universidade de Montpellier, na França, pode revolucionar a cirurgia reparadora. A parceria franco-brasileira resultou no desenvolvimento de um nervo artificial capaz de reparar lesões na inervação periférica (fora da coluna vertebral) e regenerar os segmentos nervosos dos braços ou das mãos rompidos por traumas. Testes clínicos serão conduzidos no segundo semestre deste ano. Se forem bem-sucedidos, a conquista irá, literalmente, para as mãos dos pacientes que sofrem com a incapacidade motora.

No Brasil, o projeto é coordenado pelo cirurgião Jefferson Braga Silva, médico que se dedica ao estudo da regeneração nervosa há mais de uma década. A linha de pesquisa do grupo enfatiza a melhora sensitiva e motora de vítimas de acidentes que resultam no rompimento de nervos dos membros superiores. Segundo o pesquisador, quando o nervo se parte, ocorre a perda de substâncias e estruturas importantes na condução da sensibilidade e da motricidade. Se a estrutura não é religada em, no máximo, três semanas, o paciente pode não recuperar totalmente os movimentos. Silva explica que o nervo rompido encolhe com o passar do tempo, dificultando a sutura entre as duas extremidades separadas pelo trauma. ;As técnicas disponíveis atualmente nem sempre trazem resultados satisfatórios. Por isso, nosso objetivo era buscar um protótipo ideal que fizesse uma ponte e proporcionasse uma ótima regeneração nervosa;, explica.

O modelo do nervo artificial vem sendo desenvolvido desde 2003. No Brasil, o cirurgião contou com o apoio de engenheiros, biólogos, químicos e físicos, fato que, segundo o médico, foi um grande desafio. ;No começo, era como se falássemos línguas diferentes. Tínhamos o mesmo objetivo, mas vínhamos de áreas muito diferentes;, lembra. Aos poucos, a equipe foi se integrando, a pesquisa ganhou força e o resultado tem animado os participantes. ;Trabalhamos com vários protótipos, diversos tipos de nervos, polímeros e fatores de crescimento, até chegar ao exemplar testado em ratos. Mais de 90% dos movimentos dos animais foram recuperados;, relata o pesquisador.

Os cientistas chegaram a um polímero, espécie de plástico, que é poroso e capaz de agregar fatores de crescimento presentes no corpo humano e sintetizados em laboratório. Essas substâncias são fundamentais para a regeneração do tecido rompido. O polímero é bioabsorvível, ou seja, vai se degradando com o tempo no corpo humano até se transformar em água.

A ligação de Silva com os pesquisadores franceses vem da época em que o médico fez a formação em cirurgia da mão na Europa. Ele conta que a preocupação em desenvolver métodos e técnicas de regeneração nervosa também é preponderante na França e o acordo assinado entre a PUC/RS e a Universidade de Montpellier favoreceu a exploração conjunta das possibilidades do tema. ;Pesquisamos o mesmo assunto, compartilhamos conhecimento e tentamos vencer as dificuldades, como a falta de recursos para os estudos, por exemplo;, acrescenta.

Testes em humanos
O nervo artificial será testado clinicamente a partir de setembro em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Voluntários também receberão o nervo artificial na França, na Suíça e nos Estados Unidos. A expectativa dos pesquisadores é de que o sucesso alcançado nos testes em ratos de laboratório se estenda aos pacientes lesionados no antebraço ou nas mãos. Acidentes envolvendo essa área do corpo são comuns e as lesões interrompem o estímulo que proporciona a movimentação e a sensibilidade. ;O protótipo funciona como uma ponte de safena. Enxertamos o nervo artificial para unir as duas pontas que foram seccionadas. Além de vidro, faca e outros objetos cortantes, as balas de armas de fogo também causam esse tipo de lesão;, especifica Silva.

Ao todo, diversos fatores de crescimento presentes no corpo humano são responsáveis pela regeneração de nervos, ossos, músculos e pele. A ciência já conseguiu sintetizar 18 deles. No polímero, são incorporadas duas ou três dessas substâncias. De acordo com o pesquisador, o fator de crescimento precisa ser liberado gradativamente, conforme a necessidade de reparação nervosa. ;Encontramos o polímero ideal, os fatores a serem inseridos nele e a dosagem necessária para a regeneração. Estamos nos preparando para desenvolver protótipos que regenerem outros tecidos avariados em traumas;, adianta.

Na prática médica, os cirurgiões se valem de técnicas desenvolvidas no passado para reparar as lesões nos nervos dos membros superiores. O objetivo é sempre unir as duas pontas desligadas pela lesão. O problema, ainda de acordo com o pesquisador da PUC/RS, é que o melhor resultado vem da sutura ponta a ponta, mas como o procedimento para religar o nervo costuma demorar, o segmento encolhe e, muitas vezes, o enxerto é a única opção. ;Um pedaço de nervo é retirado da perna e implantado no segmento superior lesionado. É como se emendássemos um fio a outro com características diferentes. O nervo artificial vai mudar isso;, acredita.

Para a neurocirurgiã Iruena Kessler, se os testes em humanos forem similares aos dos ratos, o implante do nervo artificial será realmente promissor, trazendo grande impacto para pacientes que necessitam de cirurgia reparadora. Segundo ela, além de evitar procedimentos invasivos para a retirada de nervos de outros locais destinados ao enxerto, o protótipo possibilitará a recuperação rápida e chances mínimas de sequelas no pós-operatório. ;Espero que o invento seja acessível e esteja disponível a pacientes com baixo poder aquisitivo. Esse fator daria ainda mais valor à descoberta;, considera a especialista do Hospital Universitário de Brasília (HuB).