Há muitas maneiras de se determinar a importância de uma invenção. Pode-se levar em conta quantas vidas ela ajuda a salvar, caso das vacinas e medicamentos. É possível, ainda, avaliar quanto tempo depois de criado o invento continuou a ser usado. Nesse quesito, a roda, ;projetada; em 4000 a.C., parece imbatível. Outra alternativa é considerar o grau de complexidade da produção, critério que colocaria computadores e outras máquinas no topo da lista. Mas algumas invenções são reconhecidamente importantes exatamente pelo aspecto oposto: a sua simplicidade. De tão comuns, alguns objetos tornam-se presentes no dia a dia de cidades do mundo inteiro e deixam de ser vistos como produtos revolucionários, que mudaram a história da humanidade.
Mas é justamente a presença constante no cotidiano que torna criações como o sapato, a panela de pressão e até mesmo o giz de cera tão fundamentais. Basta olhar ao redor, elas estão em toda parte. Quem nunca comeu um alimento embrulhado em papel-celofane, por exemplo? Hoje onipresentes nos supermercados, as embalagens transparentes inventadas nos Estados Unidos em 1905 mudaram a forma de acondicionamento dos alimentos, possibilitando o maior tempo de armazenamento e a redução de custos e de desperdícios.
Segundo o inglês Jack Challoner, autor de diversos livros sobre história da ciência, entre eles 1.001 invenções que mudaram o mundo (Sextante), recém-lançado no Brasil, embora toda invenção tenha a sua importância, algumas mudaram mais os rumos do mundo por serem essenciais em momentos específicos. ;Se você estiver no banheiro e precisa se limpar, o motor a vapor ou a roda não tem a mínima importância. Naquele momento, a maior invenção do mundo é o papel higiênico, algo bem mais simples;, exemplifica o escritor em entrevista ao Correio.
A análise de Challoner mostra que não é porque algo foi criado há muito tempo e seu uso acabou extremamente banalizado que ele deixa de ser importante. A cola, ele lembra, foi desenvolvida pelos egípcios há cerca de 6 mil anos.
As primeiras versões, feitas à base de cera de abelha, serviam para colar as tábuas dos barcos. ;Os humanos inventam coisas há milhares de anos, e as espécies anteriores ao homem, há mais tempo ainda. Mesmo assim, ao pensarmos em invenções, logo imaginamos realizações do último século;, afirma Challoner. ;Isso acontece porque o mundo muda muito mais rápido do que antes. As novas invenções chamam mais a atenção do que aquilo que foi feito há séculos;, completa.
Vestuário
Em algumas áreas, o preconceito e o desconhecimento impedem a valorização de algumas das mais importantes criações do homem. Um exemplo é a moda. Vista por muitos como uma futilidade, ela certamente influenciou o desenvolvimento da humanidade. ;Mais do que um ícone, a moda também é ergonomia. Quando o primeiro sutiã foi inventado, as mulheres ganharam mais mobilidade, a capacidade de se movimentar mais com mais conforto;, ressalta o professor de história da moda do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), Marco Antônio Vieira.
O especialista lembra que, durante boa parte da história, a mulher ficou limitada a roupas que impediam a sua movimentação e traziam problemas de saúde. ;Na Antiguidade, as mulheres enfaixavam complemente os seios. A partir da Idade Média, elas ficavam presas em espartilhos e corpetes extremamente desconfortáveis, que causavam problemas respiratórios;, lembra. Nesse contexto, o sutiã representou uma libertação das mulheres, facilitando os trabalhos manuais.
Efeito semelhante causou o sapato, surgido há aproximadamente 9 mil anos. ;Além da função estética, ele permitiu que as pessoas andem mais com os pés protegidos. Possibilitou mais locomoção antes da existência do carro ou de outros meios de transporte;, analisa Vieira.
Hoje, os calçados são de extrema importância também para a economia mundial. Só no Brasil, o setor fatura quase US$ 2 bilhões anuais, movimentando a economia de diversas cidades do país, que vivem do comércio e produção de sapatos, sandalhas e chinelos. ;É inegável a sua influência no mundo atual. Quem não reconhece a importância dessas invenções desconhece a história da humanidade;, defende Vieira. ;A invenção do sapato foi um grande avanço na capacidade dos humanos de se locomoverem, trabalharem e suportarem condições adversas;, escreve Challoner em seu livro.
Dificuldades
Além do preconceito que recai sobre algumas áreas, a dificuldade para o reconhecimento e a disseminação de algum invento pode ter relação com o lugar onde foi criado. É difícil afirmar que Santos Dumont tivesse o reconhecimento que possui se o voo do 14 Bis não tivesse ocorrido em Paris. Já outro brasileiro, Padre Landel de Moura, é praticamente desconhecido, apesar de várias evidências indicarem que ele foi o responsável pelas primeiras transmissões de rádio, realizadas em São Paulo, em 1900.
;O Brasil, apesar de ser um país de pessoas criativas, não possui uma tradição de valorizar o que é criado aqui. O resultado disso é que muito do que é desenvolvido no país não é levado adiante até ser inventado novamente por outra pessoa, no exterior;, lamenta Daniela Mazzei, gerente da Associação Brasileira de Inventores.
Para ela, no entanto, independentemente de onde for feita, toda invenção um dia vai perder o caráter de inovação revolucionária para adquirir um status de banalidade. ;Algumas coisas são tão inovadoras que esse processo é mais lento, demorando séculos. Outras surgem como uma grande novidade, porém, logo caem no senso comum. Mas tornar-se banal é o destino de toda boa invenção;, acredita Daniela.