O nascimento do primeiro dentinho é um momento marcante para a criança. Pais e cuidadores comemoram, emocionam-se, mas também se preocupam. É que com a novidade chegam as dúvidas: qual é a hora para visitar um dentista? E com que frequência? Como cuidar para que os pequenos tenham uma dentição saudável, prevenindo e tratando doenças orais sem provocar medos que podem ser carregados para o resto da vida? Quem tem filhos admite que a ida ao consultório dentário está longe de ser o programa preferido de meninos e meninas. No entanto, quando o profissional escolhido para cuidar da boca da garotada adota uma abordagem direcionada a ela, a consulta deixa de ser um castigo e, ao contrário do que acontecia em um passado não muito distante, os tratamentos ocorrem sem traumas.
Antes de tudo, é importante entender que manter a saúde oral não é uma tarefa apenas de dentistas. Os odontopediatras são unânimes: a manutenção do trabalho deles depende da parceria com os pais, já que as crianças não têm consciência das armadilhas que a falta de higiene bucal pode causar. Sem essa colaboração, os dentes correm perigo. De acordo com a odontopediatra e professora de odontologia da Universidade de Brasília (UnB) Ana Cristina Barreto Bezerra, inúmeras são as dúvidas dos cuidadores. Por isso, é interessante buscar um profissional especializado no atendimento infantil. A especialista assegura que desde a erupção da dentição decídua (de leite) já é possível agir preventivamente. ;A partir desse período, podemos impedir a ocorrência de problemas bucais e alterações de crescimento e desenvolvimento. Um outro momento importante é a troca da dentição;, diz.
São as necessidades individuais de cada criança que determinam a periodicidade das visitas. De qualquer forma, a primeira consulta deve ser realizada aos 6 meses, época ideal para que as orientações preventivas referentes às mudanças na frequência do aleitamento materno, ao uso de mamadeira, à introdução de alimentos sólidos e à higienização bucal sejam feitas. ;A frequência das visitas depende do risco que o paciente apresenta. Uns têm mais tendência para cárie, outros apresentam má oclusão, que é a alteração na posição dos dentes. Cada caso é um caso;, reforça Ana Cristina. A Sociedade Brasileira de Odontopediatria recomenda consultas trimestrais para o acompanhamento do desenvolvimento da primeira dentição dos 12 meses aos três anos. Depois disso, consultas semestrais são recomendadas para os pacientes controlados.
A odontopediatra Flávia Velasques explica que o tratamento da criançada é praticamente o mesmo que o realizado em adultos. O que deve ser diferenciado é a abordagem. Segundo ela, uma lesão de cárie em um dente de leite pode acarretar problemas para a dentição permanente. Os dentes decíduos influenciam na posição da língua e dos músculos, afetando na função da fala, mastigação e manutenção do espaço para os sucessores. Por outro lado, uma boquinha bem cuidada que não apresenta problemas tem excelentes chances de continuar saudável na idade adulta.
Hábito
A educação é um ponto importante. Se o hábito de limpeza e os devidos cuidados forem adotados desde cedo, o espaço para as doenças dentais se reduz. ;O atendimento e a linguagem que adotamos no consultório depende da faixa-etária do paciente e no comportamento de cada um. O tratamento deve ser personalizado;, pondera Flávia. Pais que sofreram traumas na infância costumam passar um medo subjetivo aos pequenos. ;Hoje, fazemos o possível para tratar de forma menos invasiva. Aconselhamos que a primeira consulta seja uma conversa com os pais. Eles devem fazer com que a criança entenda que ir ao dentista é uma prática positiva e não uma punição;, aconselha.
Para a odontopediatra Soraya Leal, é fundamental falar a verdade para os pequenos. Ela ressalta ser necessário que o profissional identifique se o choro é por medo ou por manha e saiba quebrar o ciclo que causa tais reações. ;Muitos chegam aqui dizendo aos filhos que o dente não será retirado sabendo que é preciso extrair. A mentira quebra a relação de confiança que tentamos estabelecer desde o primeiro contato com a criança;, analisa. A especialista, também professora da UnB, diz que mesmo sendo totalmente evitável, a cárie é a doença infantil mais prevalente em todo o mundo. Muitos pacientes já chegam ao consultório com dor, o que dificulta bastante o trabalho do dentista. A odontopediatra explica que, quando o paciente tem medo, é possível evitar a broca e o sugador. ;Se necessário usá-los, vamos mostrando as funções de forma lúdica. A garotada é curiosa, gosta de ver, de tocar e precisa entender o que está acontecendo para não sentir medo;, avalia.
O pequeno Caio, 7 anos, chegou ao consultório de Soraya com uma história traumática e tentativas frustradas de tratamento das cáries que afetavam seus dentes desde os 4 anos. Vítima de uma paralisia cerebral que comprometeu o sistema motor, o garoto já havia passado por quatro profissionais que não conseguiram controlar o pânico do menino ao sentar-se na cadeira do dentista. Caio tinha crises nervosas desencadeadas pelo barulho da broca (motorzinho). Um dos dentistas que tentou tratá-lo sugeriu que ele fosse amarrado na cadeira. ;Acredito que a história de idas e vindas do meu filho em hospitais tenha colaborado para esse medo, que foi totalmente superado com a habilidade e abordagem adequada da odontopediatra;, conta a dona de casa Naiara Franco Mendes, mãe do menino. ;Hoje, ele aceita o tratamento com tranquilidade e as cáries estão controladas;, acrescenta aliviada.
Quem vê Helena Coelho Nicolli, 9 anos, sentadinha na cadeira da odontopediatra não imagina que ela foi apresentada à especialidade em uma situação de emergência. A pequena levou um tombo e perdeu dois dentes de leite. ;Levei a uma emergência e o dentista nem quis atender. Ficou com medo do choro da minha filha. No dia seguinte, me surpreendi com a maneira que ela foi conquistada pela profissional e pelo ambiente amigável do consultório odontopediátrico;, recorda a advogada Luysien Coelho Marques Silveira, mãe de Helena. Ela considera que a dentição definitiva não foi comprometida graças aos cuidados periódicos da odontopediatra. Com Filipe, o filho caçula de 4 anos, foi ainda mais tranquilo. ;Como acompanhava a irmã nas consultas rotineiras, ele nunca teve medo. Sempre muito curioso, adora perguntar sobre os equipamentos e ;ajudar; a dentista a cuidar da irmã;, conta a mãe orgulhosa. ;Gosto da luzinha azul;, confidencia o garotão, referindo-se ao fotopolimerizador, responsável por endurecer a resina que restaura os dentes.
Para saber mais
Problema muito comum em crianças, a cárie é uma doença infecciosa, transmissível e multifatorial. A Streptococcus mutans, bactéria causadora do mal, pode ser transmitida da mãe para o filho pelo contato direto. Por isso, não se deve soprar a comida do bebê nem experimentá-la com o talher que ele vai comer. Com o nascimento dos primeiros dentinhos, é hora de retirar gradativamente a mamadeira e introduzir alimentos sólidos na dieta. Nessa fase, evite bater os alimentos no liquidificador para incentivar os movimentos mastigatórios. Água, sucos e outros líquidos devem ser tomados no copo para estimular o movimento de sorver. Alterne colher, canudo e caneca para exercitar vários músculos da face. A cárie de mamadeira acomete a dentição decídua, ou seja, os dentes de leite. Elas provocam dor e dificuldade de alimentação, comprometendo o peso e a estatura dos pequenos. As mamadeiras adoçadas demais e oferecidas durante a noite são as grandes vilãs do mal nas crianças.
Dicas
; A partir do nascimento, o bebê já pode receber o carinho da limpeza das gengivas com uma gaze ou fralda umedecida em água limpa para remover os resíduos de leite
; A ida ao odontopediatra deve ocorrer com o apontamento do primeiro dentinho. Nesse período, a fralda, usada para a limpeza oral, deve ser substituída por uma dedeira ou escova adequada
; Com o nascimento dos primeiros molares, a higiene deve ser realizada com uma escova infantil sem creme dental ou com um creme dental sem flúor
; Cerdas macias e cabeça pequena são ideais para a escovação
; O creme dental fluoretado só deverá ser utilizado a partir dos 3 ou 4 anos de idade, quando a criança já consegue cuspir completamente o seu excesso
Ouça trecho da entrevista com a odontopediatra Soraya Leal