Ciência e Saúde

Plantas conhecidas como maléficas mostram propriedades terapêuticas

postado em 10/03/2011 07:00
Entre médicos e farmacêuticos, existe uma máxima que diz: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Os efeitos curativos e venenosos das plantas são conhecidos desde a Antiguidade. Na Roma e na Grécia antigas, elas já tratavam e curavam, mas eram também usadas como armas letais silenciosas contra inimigos. Há mais de cinco séculos, antes de os europeus pisarem no novo mundo, os índios que habitavam as Américas se valiam da flora para combater tanto as doenças quanto os inimigos. A tradição de usar plantas como medicamentos foi passada de geração em geração e, pela impressionante biodiversidade, os exemplares que desabrocham e se espalham em terras brasileiras atraem, cada dia mais, a atenção de cientistas de todo o planeta.

Com a evolução da química e da farmacologia, foi possível promover o isolamento de componentes maléficos e aproveitar os elementos terapêuticos de uma mesma planta, regulando, assim, os efeitos adversos. As plantas continuam, porém, a ser usadas em estado natural. E, contrariando o dito popular que aposta que se não fizer bem, mal não faz, raízes, flores e folhas continuam vitimando adultos e crianças. Alheias ao perigo, as pessoas ainda caem de cama ou morrem ao ter contato com algumas plantas.

O biólogo e doutor em botânica pela Universidade de Edimburgo (Escócia) Gil Felippe explica que, apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, as plantas guardam uma infinidade de substâncias misteriosas e complexas, que a ciência atual está longe de conhecer em sua totalidade. ;A síntese química revolucionou a medicina, mas grande parte dos medicamentos em uso ainda deriva das plantas;, afirma.

Esses elementos naturais extraídos delas, alerta Felippe, são dotados de ambiguidade. A ação de uma toxina depende de quem teve contato com ela, da forma como que se deu esse contato e, é claro, da quantidade ingerida ou inalada ; e são essas diferenças que vão determinar se o resultado será benéfico ou maléfico. ;Plantas venenosas sempre existiram e novas espécies ainda serão descobertas;, avalia Felippe, que é autor do livro Venenosas ; plantas que matam também curam.

Na obra, o botânico pondera que existem plantas e sementes venenosas para o homem que não produzem efeito danoso algum para os animais. Algumas são tóxicas para os bichos e benéficas para o ser humano. A macadâmia, por exemplo, consumida crua ou cozida e muito usada em confeitarias, é mortal para cães e gatos. Apesar do conhecimento adquirido, os desafios são infinitos. Para o leigo e até mesmo para os cientistas, é difícil identificar uma planta perigosa. ;Infelizmente, temos aprendido na prática, ou seja, testando. Aqueles que não têm instrumentos científicos para isso, muitas vezes, pagam com a saúde ou a própria vida;, alerta.

Contradições
Ainda analisando os vários lados da mesma planta, Felippe cita no livro o uso medicinal da dedaleira (Digitalis purpurea L.), exemplar ornamental originário da Europa. Todas as partes dessa planta são venenosas, devido à presença da digitalina, substância branca extraída principalmente das folhas e das sementes. Dosada, ela faz parte da terapia para tratamento de insuficiência cardíaca, aumentando a intensidade de contrações dos músculos cardíacos, mas também pode matar.

A cultura de cada país também influencia na maneira como as plantas são utilizadas. No Japão, os brotos da samambaia são usados como alimento. O produto é imerso em água fervente por alguns minutos e em água fria por algumas horas antes de ser consumido. ;É uma planta altamente cancerígena, que deveria ser abolida da alimentação humana. Acredita-se que a alta incidência de câncer de estômago no Japão seja decorrente do consumo em grande quantidade desse broto;, avalia. No Brasil, talvez a planta venenosa mais consumida seja a mandioca. O veneno está na casca da raiz. Quando essa parte é retirada, o produto apreciado pelos indígenas não oferece risco. Em geral, acrescenta o botânico, é tudo uma questão de dosagem, discernimento, precisão e competência.

O biomédico e farmacologista João Ernesto de Carvalho, pesquisador do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acha a questão complexa. Segundo ele, é fundamental entender que, como seres vivos e imóveis, as plantas precisam se defender do meio e, para isso, sintetizam substâncias tóxicas. ;Geralmente, aquelas que expelem substâncias brancas, conhecidas como leite, são perigosas. As que vivem sozinhas dão indícios de que são tóxicas também;, ensina.

Existem também substâncias que se revelam maléficas somente quando em contato com a corrente sanguínea. O professor da Unicamp considera que a sabedoria popular desperta e orienta a pesquisa científica, mas jamais deve ser encarada como uma verdade absoluta. Ele pondera que alguns fitoterápicos são registrados com base nesse conhecimento, mas quando são realmente estudados verifica-se que as reações provocadas são diferentes das sustentadas pelo senso comum. ;Nossa biodiversidade tem potencial para a produção de medicamentos contra diversas doenças, inclusive o câncer, mas é preciso cautela e muito estudo. As plantas não são inocentes ou inócuas. Mas o que é mortal mesmo é o desconhecimento;, sintetiza.

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