Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Café tem gene que torna espécies vegetais mais resistentes à estiagem

Descoberta pode melhorar a produção de diversas culturas, como as de cana-de-açúcar e de soja

O cenário climático do mundo para as próximas décadas não é animador. As previsões são de aumento da temperatura em todo o planeta, originando fenômenos como enchentes e secas, que devem afetar a agricultura em diversas regiões. Em alguns locais do país, como no Nordeste e em parte do Norte e do Centro-Oeste, os longos períodos de estiagem previstos resultarão na falta de água para algumas culturas. Diante disso, pesquisadores brasileiros buscam adaptar as plantas para enfrentar as variações do clima. Uma vitória recente nessa luta é a identificação, no café, de um gene com potencial de tornar plantas resistentes à estiagem. Essa descoberta pode tornar a agricultura mais tolerante ao clima futuro e reduzir o uso de água.

A identificação desse gene, batizado de CAHB12, foi possível graças ao sequenciamento do genoma do café, realizado em 2004 pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e por outras instituições brasileiras. A partir desse sortido manancial genético, os pesquisadores começaram a estudar a planta e a procurar nela características que pudessem melhorar a produção agrícola, como tolerância a estresses climáticos e resistência a pragas e doenças.

De 30 mil genes considerados promissores, os pesquisadores selecionaram seis, com a ajuda de um programa de computador. Depois de uma avaliação laboratorial, reduziram o foco do estudo em dois genes. Para identificar, finalmente o componente que torna o vegetal mais resistente à seca, uma equipe da Embrapa e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com laboratórios argentinos e alemães, submeteram plantas de café-arábica ; variedade mais utilizada comercialmente ; a 10 dias sem água. Com o passar do tempo, eles verificaram, por meio de análises moleculares, que a expressão do CAHB12 aumentava a cada dia de privação de água.

De posse dessa informação, os cientistas isolaram o gene e o transferiram para plantas-piloto, da família da mostarda. O objetivo era checar se elas se tornariam mais tolerantes à falta d;água e se teriam condição de passar essa característica para suas próximas gerações. As plantas-piloto e suas descendentes permaneceram saudáveis mesmo depois de 40 dias sem água, tornando-se muito mais tolerantes do que as plantas que não receberam o gene ; normalmente essa resistência é de duas semanas (veja arte ao lado).

Segundo o biólogo molecular e coordenador do projeto, Eduardo Romano, esse gene existe em todas as espécies de vegetais. Foi possível identificá-lo no café porque a planta é bastante sensível à escassez de água. Quando o CAHB12 é inserido artificialmente em plantas como soja, cana-de-açúcar, arroz, algodão e trigo ele acaba induzindo o gene conservado da própria planta a se expressar mais. Aliás, esse é o próximo passo da pesquisa: testar nessas culturas, principalmente na cana, se o gene aumenta a resistência da planta à seca e se pode ser passado para os seus descendentes, como ocorreu com a mostarda.

Romano diz que o maior desafio, do ponto de vista científico, foi superado ; saber se aquele gene confere tolerância à seca, se ele consegue ser transferido para a planta e se ela repassa essa característica para as próximas gerações. ;Agora, é preciso saber se esse gene em outras culturas vai funcionar. Tudo indica que sim. O desafio, agora, é tecnológico;, pontua. Se as plantas responderem como a planta-piloto, a expectativa dos cientistas é que em cinco anos as mudas estejam no mercado.

Ajuda bem-vinda
Todo esse esforço vai ao encontro de um dos maiores desejos dos produtores de cana-de-açúcar no país. De acordo com um levantamento realizado pela Embrapa, uma das principais demandas do setor é justamente o desenvolvimento de uma planta que não sofra tanto com os períodos de seca. Segundo Antônio Dias Santiago, coordenador geral do projeto Rede de Cana-de-açúcar, da Embrapa, o aumento dos períodos de estiagem prejudica a produção e força maiores investimentos em irrigação. ;Isso significa mais energia e mais dinheiro gastos. É preciso desenvolver tecnologias que supram essas necessidades do setor produtivo. Não só da cana, mas de outras variedades também;, afirma Santiago.

Do ponto de vista ambiental, a tecnologia pode também fazer com que a produção seja aumentada sem que novas áreas sejam desmatadas, pois a quantidade de grãos obtida será a mesma tanto no período de chuva quanto no de seca. ;Sem falar na preservação de um bem muito importante para a humanidade e que pode acabar: a água;, ressalta Romano.

De acordo com o biólogo molecular, a agricultura consome 70% da água doce disponível no mundo. Com o aumento da população, a previsão é de que, em 2025, mais da metade dos habitantes do planeta sofram com a escassez do recurso. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, a produção agrícola deverá ser maior, o que demandará mais uso de água. ;Não podemos manter essa insustentabilidade ambiental;, defende o coordenador da pesquisa.

Prejuízo
Caso a temperatura média global se eleve em 1;C, a produção de café em São Paulo, Paraná e Minas Gerais será duramente afetada, com perdas anuais de US$ 375 milhões. E, se as análises de entidades como Embrapa e Unicamp forem estendidas para lavouras de soja, café, milho, arroz, feijão e algodão, os prejuízos podem chegar a R$ 7,4 bilhões, já em 2020.