Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estudo usa nanopartículas para capturar e retirar células cancerígenas

A técnica é voltada para enfrentar a metástase e a reincidência do câncer de ovário

Minúsculas e visíveis apenas pelas lentes de potentes microscópios, as nanopartículas, apesar de seu tamanho, podem ser uma poderosa arma contra a metástase do câncer de ovário. Uma pesquisa publicada no jornal especializado Nanomedicine forneceu os primeiros fundamentos para uma nova opção de tratamento, que evita a reincidência de tumores malignos. Menos invasiva que uma cirurgia convencional, a técnica consiste na filtragem, fora do corpo, de células cancerígenas que flutuam livremente pelo organismo e, depois, geralmente, acabam se convertendo em um segundo tumor.

O método foi desenvolvido por pesquisadores do Georgia Institute of Tecnology, nos Estados Unidos, que trabalham com uma empresa de equipamentos médicos no objetivo de desenhar o protótipo utilizado no tratamento. O sistema utiliza nanopartículas magnéticas para capturar as células cancerígenas e tirá-las do organismo. Adicionadas a fluidos removidos do abdômen da paciente, essas estruturas grudam-se nas células doentes. Posteriormente, um filtro magnético remove tanto as nanopartículas quanto o câncer antes que o líquido retorne para o corpo da pessoa.

O experimento, por enquanto, só foi realizado em ratos de laboratório, mas se mostrou bastante promissor. Nos animais com células cancerígenas flutuantes, o tratamento com o pré-protótipo do filtro magnético conseguiu capturar tantas estruturas doentes que os ratos viveram aproximadamente um terço a mais do que aqueles não tratados. Os pesquisadores esperam que o sistema resulte em múltiplos tratamentos para aumentar a expectativa de vida de pacientes com câncer de ovário. Eles advertem, contudo, que pesquisas adicionais precisam ser feitas para determinar a tecnologia ideal.

;Quase ninguém morre de câncer ovariano primário;, explicou ao Correio John McDonald, professor da Faculdade de Biologia do Georgia Institute of Tecnology e chefe da equipe de pesquisa do Instituto de Câncer de Ovário de Atlanta. ;Você pode remover o câncer primário, mas o problema é a metástase. Uma das principais causas da mestástase no câncer de ovário é que algumas células doentes ficam flutuando na cavidade abdominal e, dessa forma, acabam espalhando a doença pelo corpo;, diz.

Mais tempo
O sistema de remoção das células oportunistas, que começou a ser desenvolvido por McDonald e seu aluno de pós-doutorado Ken Scarberry, deverá retardar a progressão do tumor em humanos. Segundo o cientista, ele poderá reduzir um número maior de estruturas flutuantes do que qualquer tratamento disponível atualmente, fazendo com que o próprio sistema imunológico do organismo mantenha a doença sob controle.

;Se você pode reduzir a metástase, então você pode aumentar a expectativa de vida da pessoa que tem a doença e aumentar também a chance de o tratamento ser mais efetivo;, acredita o pesquisador. ;Nosso objetivo é fazer do câncer uma doença crônica que possa ser tratada ao longo de determinado período de tempo. Se pudermos curá-lo, então talvez possamos fazer com que as pessoas convivam com a doença, como ocorre com outros males crônicos, como o diabetes;, exemplifica.

Os experimentos in vitro cujos resultados foram publicados na Nanomedicine mostraram que as nanopartículas magnéticas podem seletivamente remover as células de câncer ovariano de dentro do líquido ascítico, uma substância que se acumula na cavidade peritoneal de pacientes com esse tipo de tumor. As nanopartículas foram desenhadas para se ligar exclusivamente às células doentes, protegendo as demais.

No estudo, três ratas foram submetidas ao sistema de filtragem de nanopartículas magnéticas. Cada animal recebeu cerca de 500 mil células de câncer oavariano, que se multiplicaram rapidamente ; cada uma das estruturas dobrou em menos de 15 horas. Uma vez doentes, as fêmeas foram submetidas à nova técnica. Por acreditar que tratar o líquido fora do corpo diminui as chances de elementos tóxicos contaminarem o organismo, os cientistas optaram por remover o líquido ascítico antes de introduzir as partículas nanomagnéticas. Ainda assim, eles afirmam que será necessário fazer mais estudos para confirmar se a técnica não traz efeitos colaterais.

Depois de retirar o fluido do abdômen dos animais, os pesquisadores o misturaram às nanopartículas. Como foram desenhadas especialmente para isso, elas imediatamente se uniram às células doentes. Com uma espécie de ímã, os cientistas removeram as nanopartículas e as estruturas cancerígenas. Depois, retornaram com o fluido para dentro do organismo dos animais. Os passos foram repetidos seis vezes em cada rato.

Para testar a eficácia da técnica, foram utilizados dois grupos de controle. Um deles não recebeu qualquer tratamento. O outro passou pelo mesmo método da retirada do líquido ascítico, mas sem que este fosse misturado às nanopartículas magnéticas. Os ratos de ambos os grupos sobreviveram, em média, 37 dias, enquanto que os tratados com o filtro magnético duraram 12 dias a mais, um percentual de longevidade de 32%.

Como diálise
O sistema, explica McDonald, é bastante similar ao que ocorre hoje na diálise de pacientes que precisam filtrar o sangue devido a problemas renais. ;O que estamos desenvolvendo é um tipo de diálise, que precisará da presença do paciente na clínica algumas vezes por semana. O tratamento não é tremendamente invasivo, então, pode ser repetido constantemente;, diz. Os autores explicam que a metodologia pode ser usada em conjunto com as já existentes quimioterapia e radioterapia. ;Reduzir o número de células cancerígenas flutuantes ajudará a reduzir o número de sessões de químio, que tem seus efeitos colaterais debilitantes;, afirmou Ken Scarberry ao Correio. ;O novo sistema poderá ser usado para capturar essas células imediatamente depois da cirurgia de retirada do tumor primário.;

Os pesquisadores esperam ter um protótipo do equipamento pronto para testes em menos de três anos. Para realizar os estudos clínicos, primeiramente eles terão de estabelecer o número de nanopartículas usadas e a quantidade de sessões, entre outras questões. Depois disso, eles esperam receber o aval da agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos para começar os estudos em humanos. Scarberry explica que a equipe também está estudando como as nanopartículas magnéticas podem ser desenhadas para capturar células-tronco cancerígenas, que não conseguem ser afetadas atualmente pela quimioterapia. Remover essas estruturas ajudaria a eliminar uma potencial fonte de novas células doentes.

Além do câncer de ovário, os pesquisadores acreditam que a nova abordagem poderá ser útil para tratar outras doenças nas quais a redução de células cancerígenas ou vírus em circulação no organismo é útil para controlar o agravamento do mal. Scarberry usa como exemplo nanopartículas que, no futuro, seriam capazes de capturar o HIV, reduzindo, em pacientes infectados, a carga viral na corrente sanguínea. ;Uma tecnologia como essa tem muitas possibilidades diferentes. Atualmente, estamos desenvolvendo o método para controlar a metástase do câncer de ovário, mas uma vez que o equipamento funcione efetivamente para isolar as células cancerígenas de fluidos circulantes, como o sangue, talvez tenhamos outras possibilidades;, acredita Scarberry.