Belo Horizonte ; É difícil encontrar uma cidade de tamanho médio ou grande no país que não tenha sido marcada pelo crescimento desordenado. A falta de planejamento atinge vários setores, incluindo na lista de áreas mais prejudicadas os transportes urbanos. Diante desse quadro, o economista e professor Dércio Terrabuio criou uma fórmula capaz de prever a demanda por transporte público, ajudando na estruturação dos serviços. O cálculo foi criado como parte da dissertação de mestrado do pesquisador na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), no interior de São Paulo. A cidade paulistana foi uma das quatro pesquisadas, com Araraquara, Jaú e São José do Rio Preto, todos centros médios, com população entre 120 mil e 220 mil habitantes.
;Procurei, entre os fatores socioeconômicos, aqueles que poderiam influenciar a demanda e determinei quais são os mais influentes, considerando cinco principais variáveis: população, tarifa média, emprego formal, frota de duas e quatro rodas, e o produto interno bruto (PIB) per capita;, enumera Terrabuio, professor da Instituição Toledo de Ensino e consultor de perícia econômico-financeira para empresas.
Valendo-se do método quantitativo de previsão, que faz uso de informações históricas para prever dados futuros, o pesquisador buscou informações de três anos ; de 2005 a 2007. O resultado do método é bastante preciso, com taxa de erro inferior a 10%, o que permite aos gestores das cidades afinar a oferta e a demanda a cada ano. Atualmente, muitas empresas mudam a oferta apenas na hora de renovar a licitação. ;Quanto melhor for o planejamento do transporte, mais pessoas perceberão a facilidade e optarão pelo coletivo;, aposta o professor.
Os dados para compor o estudo foram recolhidos em múltiplas fontes. Do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vieram as informações sobre empregos formais (complementadas por dados do Ministério do Trabalho e Emprego), população e produto interno bruto. Por meio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), também do IBGE, o professor verificou as tarifas. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) foi a fonte dos dados sobre a frota de veículos, entre carros, motos, coletivos e outros. Segundo o economista, o mais difícil de coletar foram os dados sobre a demanda, repassados pelas empresas de ônibus. ;As empresas nem sempre são claras, pois essa publicidade daria ao público o conhecimento do faturamento das transportadoras, que têm o contrato público da linha;, critica.
Entre as conclusões do estudo, está a constatação de que o aumento de tarifas não leva à diminuição de demanda pelo transporte público. ;Para quem trabalha, as empresas oferecem o recurso do vale-transporte. É justamente essa parcela da população que forma o grosso do público-alvo, somada aos estudantes, que geralmente têm passe gratuito;, explica Terrebuio. Também ficou claro que uma renda maior afasta as pessoas dos coletivos. ;Depois de determinado aumento (na renda), as pessoas passam a buscar o transporte individual, em geral insatisfeitas com as condições do transporte local;, diz.
Duas rodas
Outro resultado encontrado pelo pesquisador é que, nas cidades avaliadas, com exceção de São Carlos, há uma preferência cada vez maior pelo uso de motos. A conclusão preocupa, porque, além de menos seguro, o uso do transporte em duas rodas representa um gasto maior. Pelos cálculos da Agência Nacional de Transporte Público (ANTP), o ônibus ainda é mais econômico do que a moto, levando-se em conta fatores como a ocupação de espaço no trânsito, poluição por passageiro, custo por quilômetro rodado, impostos e taxas. Sem mencionar os gastos com saúde pública oriundos do maior número de acidentes.
Segundo dados de março do ano passado colhidos pela ANTP, o transporte com motocicletas sai mais caro para o usuário também. São necessários, em média, R$ 3,45 para se rodarem 7km de moto em uma cidade. De ônibus, esse valor cai para R$ 2,37. O carro é o mais caro dos veículos: R$ 5,55, com gasolina, e R$ 5,83, com etanol. O trânsito também agradece, pois um único ônibus tira até 70 carros da rua.
Terrebuio explica que a demanda por transporte público costuma aumentar com melhorias no sistema e com políticas que desestimulam o uso dos veículos particulares, como o rodízio empregado em São Paulo e os pedágios cobrados no centro de Londres. Além disso, a criação de corredores exclusivos para ônibus pode fazer com que mais pessoas optem pelos coletivos. No entanto ainda há vários fatores que levam as pessoas a não usar o transporte público: tempo de espera, número de viagens, compartilhamento de espaço com gente desconhecida, desconforto nos horários de maior movimento, entre outros. O tamanho da cidade também tem peso. ;Na cidade grande, é cada vez mais difícil recorrer ao ônibus, devido à má qualidade do serviço e à existência de alternativas como o metrô;, acrescenta o economista.
O modelo de cálculo foi desenvolvido especificamente para cidades médias. ;O ideal seria que cada prefeitura desenvolvesse um modelo próprio em relação às suas particularidades. Por exemplo, a topografia mineira pode ser um fator de aumento da demanda, desestimulando o uso de bicicletas ou caminhadas;, relaciona.
A aplicação em metrópoles é possível, mas nos municípios de grande porte, há outra forma de cálculo. ;Em cidades maiores, as prefeituras acabam optando pela pesquisa da origem e do destino, baseada em consulta aos passageiros, perguntando a eles de onde vêm e para onde vão. Nada impede, porém, que se aplique o modelo de previsão de demandas com esses dados;, completa Terrebuio. Segundo o pesquisador, ainda não houve procura para a aplicação de seu método na prática. ;As prefeituras, provavelmente, só vão se interessar com mais força em época de eleição;, lamenta.