Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Começam as obras do maior centro integrado de tecidos biológicos

Depois de mais de uma década de parcerias, negociações, estudos e muitos testes, o projeto de concepção de um grande fornecedor de produtos de saúde começa a se tornar realidade. Entre as ofertas, estarão componentes raros de sangue; peles que servirão para curar queimaduras graves; sangue de cordão umbilical e placentário e medula óssea, usados no tratamento de pacientes portadores de doenças hematológicas, genéticas hereditárias e imunodeficientes; tecidos musculares e ossos para enxertos em pacientes que sofreram grandes traumas; e válvulas cardíacas para transplantes e cirurgias.


Isso tudo estará disponível no Centro de Tecidos Biológicos (Cetebio) de Minas Gerais, ligado à Fundação Hemominas, que será o primeiro banco integrado de tecidos da América Latina. A construção do complexo terá início este ano, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, distante cerca de 35km da capital mineira. No Brasil, há centros isolados, como o Banco de Pele da Santa Casa de Porto Alegre (RS), o Banco de Tecido Musculoesquelético do Hospital das Clínicas de Curitiba (PR) e os bancos de cordão umbilical no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Santa Catarina, em Pernambuco, no Pará e no Amazonas.


O Cetebio mineiro vai funcionar como um grande fornecedor de insumos de uso clínico para hospitais credenciados. Os produtos gerados pelo Cetebio são pele, sangues raros, peças ósseas, grânulos ósseos, tendões, sangue de cordão umbilical. ;Produtos; necessários para cirurgias ortopédicas, queimaduras graves, enxertos, para tratar pacientes aloimunizados que precisam de determinadas hemácias. ;Teremos ainda o banco de sangue de cordão umbilical e placentário, que fornecerá material para médicos cujos pacientes têm leucemia, linfoma e outras patologias. Enfim, teremos um grande leque de produtos na área de saúde;, explica a coordenadora do Cetebio, a administradora pública Daniela Marra.


Todos esses materiais só podem ser obtidos mediante a doação de tecidos de pacientes falecidos. O procedimento para captação dos doadores será feito em parceria com o MG Transplantes e também com o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), responsável pelo controle das doações de órgãos, autorizadas pelos parentes dos doadores.


Além do trabalho de captação dos tecidos, os procedimentos para tratar todo esse material são de alta complexidade. A atividade exige muita segurança, metodologia rigorosa, capacitação dos profissionais envolvidos, técnicas extremamente refinadas de conservação, manipulação e tratamento do material. ;Uma grande vantagem é que, desde setembro, estamos desenvolvendo o projeto-piloto do banco de pele, instalado no Setor de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em Belo Horizonte. Para isso, desenvolvemos todos os métodos de validação do processo, seguindo as mais rígidas normas internacionais;, explica a bióloga integrante do projeto do Cetebio Flávia Marques de Melo.


A pesquisadora esclarece que o processo de retirada dos tecidos do corpo do doador é feito em sala de cirurgia, seguindo normas técnicas para o procedimento. ;A retirada de ossos, músculos, ligamentos e tendões, é feita com muita técnica e respeito. Depois disso, o corpo é totalmente reconstituído, para que a família possa enterrar seu parente dignamente;, explica.
Segundo Daniela Marra, além da importância para a saúde, o Cetebio tem um papel social e solidário fundamental. ;No caso de sangues raros, às vezes temos apenas um ou dois doadores com características em seu sangue que poderiam ajudar inúmeros pacientes. Já a pele tem uma capacidade inimaginável de elasticidade, sendo que uma doação pode ajudar vários pacientes. Um queimado de terceiro grau com 80% do corpo atingido usa uma camada bem fina desse curativo biológico, que tem um poder de diminuir a probabilidade de infecções, atenuar a dor e promover a cicatrização da queimadura. Os tendões também podem ser usados em mais de um paciente. E o sangue do cordão umbilical e a medula óssea, por sua vez, têm células multipotentes capazes de produzir qualquer célula sanguínea;, acrescenta a coordenadora.

Longo planejamento

A ideia de criação do Cetebio remete ao ano de 2000, quando a hematologista Anna Bárbara Proietti, então presidente da Fundação Hemominas, fazia curso de especialização na França e visitou um dos maiores centros de tecido do mundo, em Seattle, nos Estados Unidos. Alguns anos depois, ela conseguiu firmar cooperação técnica com o Héma-Québec, hemocentro público do Canadá e, para a consolidação do projeto mineiro, foi mais algum tempo para alinhavar a grande ideia, que terá seu marco mais importante, o início das obras físicas do complexo, iniciadas em breve. ;Além das obras, iniciamos nesta semana o I Encontro Cetebio, em Belo Horizonte, cujo tema será Estudos técnicos sobre bancos multitecidos, que vai reunir todos os nossos parceiros para discutirmos controle de qualidade, uso, regulações e normas;, explica a médica.


Segundo Anna Bárbara, o primeiro evento do Cetebio, que começa amanhã e vai até quarta-feira, é de suma importância para que a instituição nasça como centro de pesquisa e aperfeiçoamento de técnicas na manipulação de tecidos. ;Este é um campo em evolução e as pesquisas na área serão muito importantes para aumentar os usos e a segurança, além de inovar e ter grande potencial para a produção de patentes;, acrescenta.


Os custos da primeira etapa de construção do Cetebio, quando serão instalados, ainda este ano, os bancos de medula óssea, de sangue de cordão umbilical e de sangues raros estão sendo financiados pelo governo mineiro, com orçamento aproximado de R$ 6,6 milhões. A segunda etapa de construção incluirá os bancos de musculoesqueléticos, de válvulas cardíacas e de pele, assim como laboratórios de pesquisa e controle de qualidade dos produtos. O investimento total para a implantação do Cetebio é estimado em R$ 19 milhões, em quatro anos, sendo que parte desses recursos será custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). De 2008 até agora, foram gastos aproximadamente R$ 2,5 milhões com a validação dos bancos de pele, de sangues raros e de tecidos musculoesqueléticos, com o objetivo de garantir a qualidade dos produtos e dos processos, deixando o Cetebio de acordo com a legislação vigente e os padrões internacionais de qualidade.