Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Australopithecus afarensis andava apenas sobre as pernas

Descoberta traz novas informações sobre a evolução da humanidade

Um osso do metatarso datando de 3,2 milhões de anos pode mudar a história da evolução do homem. Cientistas anunciaram ontem na revista especializada Science que, graças a um fóssil escavado em Hadar, na Etiópia, é possível afirmar que a ;mãe da humanidade;, como é conhecida a famosa Australopithecus afarensis Lucy, andava unicamente sobre os dois pés. Embora já se soubesse que os hominídeos da espécie utilizassem a locomoção bípede ; uma das principais diferenças entre o homem moderno e seus ancestrais ;, ainda havia dúvidas se os parentes de Lucy alternavam essa forma de andar com a técnica do arvorismo, utilizada pelos primatas inferiores.

O osso foi encontrado no maior depósito mundial de fósseis do Australopithecus afarensis, na África. Trata-se do quarto dedo (ao lado do mindinho) e, de acordo com os paleontólogos, a anatomia indica que o pé desses hominídeos estava sempre em forma de arco, sugerindo a posição bípede. ;Esse quarto osso metatarso é o único conhecido até agora do Australopithecus afarensis e é uma peça-chave para a evidência de que essa maneira unicamente humana de andar ocorreu mais cedo que o imaginado. O trabalho que estamos fazendo em Hadar está produzindo raras partes do esqueleto dessa espécie, o que é absolutamente crítico para se entender como nossa espécie evoluiu;, explicou, por meio de nota, a principal autora do estudo, Carol Ward, da Universidade de Missouri.

Os humanos são os únicos entre os primatas a ter dois arcos longitudinais e transversais no pé, que são compostos pelos quartos dedos do metatarso e suportados pelos músculos da sola do pé. Durante a locomoção bípede, esses arcos desempenham duas funções: alavancar o corpo quando o pé sai do chão e absorver o impacto ao atingir o solo. Pessoas, por exemplo, que têm ;pé chato; desenvolvem uma série de problemas no aparelho esquelético. Já os macacos não possuem arcos, têm pés mais flexíveis que os dos humanos e seus dedões têm muito mais mobilidade, o que os ajuda a montar e se agarrar nas árvores. Nenhuma dessas características foi encontrada no pé do A. afarensis.

;Entender que o arco apareceu muito cedo na nossa evolução mostra que essa estrutura única é fundamental para a locomoção do homem. Se pudermos compreender como a seleção natural modelou os ossos humanos, podemos ter ideias melhores sobre como nosso esqueleto funciona hoje. Os arcos nos nossos pés eram tão importantes para nossos ancestrais como são para os humanos hoje;, disse ao Correio o pesquisador William Kimbel, do Instituto das Origens Humanas da Universidade do Estado do Arizona.

Alimentação

O Australopithecus afarensis viveu na África entre 3 e 8 milhões de anos atrás. Antes dele, a espécie Australopithecus anamensis dominou o Quênia e a Etiópia há 4 milhões de anos, mas seus esqueletos não são conhecidos. O mais antigo fóssil de hominídeo já escavado tem 4,4 milhões de anos e pertence à espécie Ardipithecus ramidus. Apesar de, aparentemente, esses primatas andarem parte do tempo sobre os dois pés, eles ainda preservavam características de macacos, incluindo o primeiro dedo mais móvel. O pé do A. afarensis, assim como outras partes de seu esqueleto, é muito mais semelhante ao dos humanos modernos, implicando que, na época de Lucy, nossos ancestrais não dependiam mais das árvores para servir de fonte de alimentos ou refúgio.

;Sabermos que Lucy e seus parentes tinham arcos em seus pés afeta muito o que sabemos sobre eles. Informações desde onde viveram ao que comiam e como enfrentavam predadores;, diz William Kimbel. ;O desenvolvimento de pés arqueados foi fundamental para a condição humana das espécies porque significou tirar a habilidade de usar os dedões para subir nas árvores para, no lugar, andar apenas no chão.;

O paleontólogo explica que, com arcos semelhantes ao do homem nos pés, o A. afarensis conseguia vagar pelo território e deixar as florestas para procurar comida quando necessário. Com suas fortes mandíbulas, o hominídeo também podia ingerir diversos tipos de alimentos, incluindo frutas, grãos, sementes e raízes. Combinando essa característica a sua nova habilidade de locomoção, Lucy e seus parentes podiam viver tanto em áreas abertas quanto em cavernas.

Dentes geram dúvidas sobre a origem do homem

Oito pequenos dentes encontrados em uma caverna perto de Rosh Haain, no centro de Israel, está levantando muitas dúvidas sobre o início da existência do homem moderno, assim como seu local de origem. Escavada na caverna de Qesem ; sítio pré-histórico descoberto em 2000 ;, a dentição tem tamanho e formato muito similares à do homem moderno, o Homo sapiens, cujos fósseis também já foram identificados em diversas regiões israelenses, como Oafzeh e Skhul. Porém os dentes encontrados agora são muito mais antigos do que qualquer outro. O resultado foi publicado na edição de ontem da revista especializada American Journal of Physical Anthropology.

;Esses dentes de Qesem são de um período entre 200 mil e 400 mil anos atrás. No Oriente Médio, é um período de fósseis muito escassos;, disse o antropólogo Rolf Quam, da Universidade de Binghamton, na Inglaterra. ;Temos numerosos restos de neandertais e Homo sapiens de épocas mais recentes, cerca de 60 mil e 150 mil anos atrás, mas fósseis mais antigos são raros. Então, esses dentes estão fornecendo algumas novas informações sobre os primeiros ocupantes dessa região, assim como sua evolução;, afirmou.

Segundo o antropólogo, os dentes também dão novas pistas sobre a origem do homem moderno. Atualmente, acredita-se que o Homo sapiens e os neandertais compartilhem um ancestral comum, que viveu na África há mais de 700 mil anos. Alguns descendentes desse ancestral migraram para a Europa e evoluíram para a espécie neandertal. Outro grupo ficou na África, dando origem ao homem moderno, que, mais tarde, saiu do continente para ganhar o planeta. Se os restos mortais encontrados em Qesem puderem ser ligados diretamente à espécie do Homo sapiens, isso poderia dizer que a origem do homem moderno é o território onde hoje está Israel ou que ele provavelmente migrou da África mais cedo do que se achava.

A segunda hipótese vai de encontro a um estudo publicado recentemente na revista Science, no qual pesquisadores defendem que o Homo sapiens saiu do continente há 125 mil anos, e não há 60 mil, conforme as teorias mais aceitas. Ainda assim, os dentes encontrados em Qesem são mais antigos do que isso, abrindo novas dúvidas que precisam ser investigadas a fundo. ;Essa descoberta é muito empolgante para a arqueologia. Nossa expectativa é que, ao continuar a escavar o sítio, possamos encontrar fósseis mais complexos que nos indique exatamente as espécies com as quais estamos lidando;, afirma Quam.

O pesquisador explica que alguns dos dentes pertencem a um mesmo indivíduo, enquanto outros são peças isoladas. ;Temos certeza de que estamos lidando com seis indivíduos de diferentes idades. Dois dos dentes são de leite, indicando que seus donos eram muito novos;, conta. ;Dentes são estruturas evolutivas muito bem conservadas. Qualquer diferença em suas características podem fornecer várias informações interessantes. Podem nos contar, por exemplo, o que aquele indivíduo comia, como se desenvolveu, como se parecia e qual seu estado de saúde. Eles também podem dar pistas sobre a relação evolutiva entre as espécies.;