Quando se trata de converter matéria vegetal em energia, nenhuma máquina consegue ser tão eficiente quanto a vaca. O sistema digestivo do animal permite que ele coma quase 70kg de planta por dia. Agora, pesquisadores anunciaram a descoberta de dezenas de enzimas microbianas no rúmen (compartimento digestivo) bovino que contribuem para a quebra da switchgrass, um tipo de grama comum nos Estados Unidos, apontado como fonte promissora para produção de biocombustível.
Publicado na revista especializada Science, o estudo ataca uma das maiores barreiras para o desenvolvimento de biocombustíveis acessíveis e sustentáveis do ponto de vista ambiental. Mais do que contar com a fermentação de açúcares simples contidos em alimentos como grãos e cereais, beterraba ou cana-de-açúcar ; que têm um alto custo para o ambiente, além de competirem com a produção de alimentos ;, os cientistas têm procurado estratégias melhores para converter folhagens e gramíneas em combustível líquido. Essa ;segunda geração; de biocombustíveis deverá, além do mais, emitir menos dióxido de carbono na atmosfera.
Porém quebrar e liberar a energia das células das plantas não é uma tarefa fácil. ;O problema com a segunda geração de biocombustíveis é conseguir extrair os açúcares fermentados que ficam na parede celular das plantas;, disse ao Correio o especialista em ciências animais da Universidade de Illinois Roderick Mackie, um dos autores do estudo. As pesquisas que ele tem feito sobre a vida microbiana no interior do rúmen bovino permitiram a nova abordagem explorada no artigo. ;A vaca tem feito isso há milhões de anos. Queremos examinar os mecanismos que ela usa para encontrar as enzimas que tenham aplicações na indústria de biocombustíveis.;
Em um estudo anterior iniciado há três anos, Mackie e o professor Matthias Hess, do Genome Institute, na Califórnia, usaram técnicas antigas para estudar a nutrição dos ruminantes. Com a ajuda de uma cânula, eles inseriram pequenos sacos contendo alfafa e switchgrass no estômago de uma vaca e examinaram os micróbios que aderiam a cada tipo de planta depois de dois ou três dias. Análises químicas e visuais mostraram que esses micróbios eram eficientes quebradores de matéria vegetal. Para cada tipo de planta, havia uma diferente comunidade microbiana.
;Esse e outros experimentos posteriores provaram que a técnica poderia ajudar os cientistas a encontrar no rúmen os micróbios mais eficientes na degradação de um tipo particular de matéria vegetal;, diz Mackie. No novo estudo, os pesquisadores focaram na switchgrass, uma gramínea promissora para a produção de biocombustível.
Genes
Setenta e duas horas depois de incubar o material no rúmen da vaca, eles conduziram uma análise genômica de todos os micróbios que aderiram a ele. Essa abordagem, desenvolvida em conjunto pelo Genome Institute e pelo Lawrence Berkeley National Laboratory, investiga, ao mesmo tempo, os genes de todos os micro-organismos presentes em uma amostra. ;Isso nos deu um retrato mais acurado do processo no rúmen que torna possível a degradação da planta;, explica Mackie. ;Bactérias são micróbios. Elas não vivem sozinhas, mas em consórcio, e todas contribuem para o funcionamento do processo.;
Aplicando uma variedade de técnicas, os pesquisadores sequenciaram e analisaram o DNA total da amostra, identificando 27.755 potenciais genes relacionados à aquisição de energia. Alguns deles foram implantados em uma bactéria, com 90% de sucesso. Quase 60% das proteínas resultantes do processo demonstraram atividade enzimática. O resultado sugere que o rúmen bovino é um dos melhores hábitats microbianos para ser usado como fonte de degradação de enzimas vegetais.
No total, os cientistas conseguiram mapear 270 bilhões de letras do código genético, um número enorme: 100 vezes maior do que o obtido em todo o genoma humano. ;Gerar os dados não foi a parte mais desafiante do projeto. O verdadeiro desafio foi analisar a vasta quantidade de informações para as quais não havia qualquer referência genética;, disse ao Correio Matthias Hess. De acordo com ele, a pesquisa vai ajudar a desenvolver combustíveis alternativos a partir da biomassa de plantas de forma mais sustentável. ;Os micróbios dos ruminantes vão ajudar a resolver esse problema;, aposta Hess.
Palavra de especialista
Biomassa degradada
;Os micróbios evoluíram há milhões de anos de forma a degradar eficientemente a biomassa recalcitrante. Comunidades desses organismos podem ser encontradas em diversos ecossistemas, como o rúmen das vacas e as vísceras dos cupins, assim como na cobertura vegetal das florestas. Os micróbios conseguiram ganhar o desafio de derrotar a arma protetiva que as plantas usam para segurar os nutrientes (a parede celular), que é essa rica fonte de energia que permite a eles e às vacas prosperar.;
Eddy Rubins, diretor do Department of Energy
Joint Genome Institute dos Estados Unidos