Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Novo sistema planetário não traz indícios de vida fora da Terra


Cada vez que a Agência Espacial Americana (Nasa) anuncia, como fez esta semana, a descoberta de planetas orbitando uma estrela em outra galáxia, cria-se a expectativa de que, finalmente, os telescópios encontrarão outro lugar do Universo capaz de abrigar vida. O desejo de constatar que não estamos sós, porém, ainda está longe de ser satisfeito. Os seis novos exoplanetas ; chamados assim porque se localizam fora do Sistema Solar ; de fato orbitam uma estrela, assim como a Terra. Mas os cientistas que anunciaram o achado deixaram claro: não há possibilidade de esses corpos hospedarem qualquer tipo de vida conhecida.

O que, no entanto, não tira o brilho do que foi apresentado. Afinal, esses seis astros girando em torno de seu sol indicam que milhares de outros mundos permanecem incógnitos na vastidão do Universo. Em uma teleconferência de imprensa, o astrônomo da Nasa Jack Liassaur classificou o sistema planetário como o mais importante achado no campo dos exoplanetas desde 1995, quando o primeiro desses corpos foi localizado.

Desde aquele ano, 306 mundos semelhantes apareceram nas lentes do Kepler, telescópio espacial desenhado especialmente para descobri-los. Existem, ainda, 400 candidatos em potencial, ainda não confirmados. Os astrônomos que trabalham no projeto da Nasa, porém, são cautelosos, como destacou a edição da revista Nature na qual a descoberta dos seis exoplanetas foi anunciada. Até agora, o Kepler não farejou nada que se assemelhe à Terra ; um planeta pequeno, rochoso, que leva relativamente poucos dias para orbitar sua estrela e mantém-se em uma zona habitável, na qual é possível existir água, o elemento-chave da vida.

O objetivo do Kepler sequer é esse. Na verdade, o equipamento foi lançado no espaço há dois anos com a função de descobrir sistemas solares, de forma a entender como eles se formaram. Graças às observações do telescópio, os astrônomos constataram que a maioria dos exoplanetas tem o tamanho de Netuno, e não o da Terra. É isso que faz o conjunto de seis planetas, batizado de Kepler 11, tão interessante. Pela primeira vez, encontrou-se um sistema no qual uma quantidade considerável de planetas orbitam uma única estrela, com períodos de trânsito de 10, 13, 22, 31, 46 e 118 dias, e massas entre 2,4 e 300 vezes maior que a da Terra.

Cinco planetas estão mais próximos de sua estrela do que Mercúrio do Sol. O sexto fica mais distante, dentro de uma região que caberia toda dentro da órbita de Vênus. Em termos de tamanho, os novos corpos são relativamente pequenos, com diâmetro entre duas e quatro vezes e meia maior do que o do Planeta Azul. Chamou a atenção dos cientistas o fato de que eles brilham intensamente, um sinal de que são compostos principalmente por gases.

Tendo como base a densidade dos astros, quatro parecem ter uma fina atmosfera de hidrogênio e hélio. Já os dois planetas mais próximos à estrela-mãe têm densidade maior, sugerindo que a atmosfera local foi constituída de água. Os cientistas explicaram que, por estarem muito perto da Kepler 11, eles são extremamente quentes, o que descarta a possibilidade de hospedarem formas conhecidas de vida.



Transformação
Segundo Fortney, encontrar tantos planetas orbitando uma mesma estrela e conseguir calcular suas propriedades é ;uma dádiva;. Como paleontólogos que estudam espécies de dinossauros, os astrônomos ;escavam; os céus atrás de mundos que nasceram juntos para entender melhor as transformações planetárias. ;Podemos fazer ciência comparada e podemos pensar como a evolução dos planetas divergiu ao longo do tempo;, disse.

O cientista explicou que, como estão muito próximos, os exoplanetas interferem na órbita de seus vizinhos. ;Pense em um único planeta que transita. Se seu período de órbita é de 10 dias, a cada 10 dias ele vai passar em frente à estrela-mãe. Mas se muitos planetas transitam em um mesmo sistema, eles vão afetar a gravidade uns dos outros. Com isso, um ou outro pode demorar mais ou menos para dar a volta completa;, esclareceu Fortney.

O pesquisador da Nasa lembrou que, graças a essas interferências, foi possível identificar Netuno em 1846. Naquela época, o mais distante planeta do Sistema Solar era muito difícil de ser observado pelos telescópios disponíveis. Mas os astrônomos sabiam que o vizinho Urano não estava orbitando como deveria, baseando-se nos conhecimentos que tinham sobre as leis da física. A estranha órbita do planeta levou o matemático Urbain Joseph Le Verrier a predizer a posição de Netuno e até mesmo a massa que tinha.

No caso da nova estrela-mãe, a ;coreografia; gravitacional é quase certamente o produto de múltiplos planetas, concluíram os pesquisadores da Nasa. Estudos posteriores, também detalhados na edição desta semana da Nature, ajudaram os astrônomos a calcular com precisão significativa a massa, a posição, o tamanho e a densidade de cinco dos novos mundos encontrados. Já o sexto exoplaneta está muito longe dos vizinhos, de forma que não afeta suas órbitas. Para ter certeza de que ele realmente existia, os cientistas fizeram diversos cálculos matemáticos. Embora estejam confiantes de que o exoplaneta está lá, os astrônomos não conseguiram obter muitas informações a respeito. ;Sabemos que ele tem um raio 3,6 vezes maior que o da Terra e provavelmente sua massa é 30 vezes mais pesada;, disse Fortney.

O novo sexteto planetário é notavelmente similar a outros mundos encontrados orbitando a estrela HD 10180, que está a 127 anos-luz da Terra e foi descoberta em agosto do ano passado. Localizada na Constelação de Hydros, a estrela hospeda entre cinco e sete estrelas semelhantes ao nosso planeta. Para Fortney, o Universo pode abrigar diversos sistemas multiplanetários. ;Quando você vê um novo planeta no céu, é quase certo que achará um outro próximo;, explica.