Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Origem de câncer renal ainda é desconhecido pela ciência

Tumores nos rins matam cerca de 102 mil pacientes todos os anos, mas a doença ainda atormenta cientistas de todo o mundo. Pesquisadores comemoram, porém, a descoberta da mutação de um gene presente em cerca de um terço dos casos

Na guerra contra o câncer renal, a ciência ainda perde por desconhecer o inimigo. Apesar desse tipo de tumor representar 3% de todas as doenças malignas que acometem os adultos e matar, anualmente, pelo menos 102 mil pacientes, pouco se sabe sobre a origem do problema. Um consórcio internacional de pesquisadores, porém, acaba de vencer ao menos uma batalha. Em artigo publicado na revista especializada Nature, eles descrevem a descoberta de um gene cuja forma mutante é encontrada em 34% das amostras do câncer renal de células claras, o subtipo mais comum da doença.

Pode parecer pouco, mas é a variável mais prevalente identificada nos casos de tumores renais nos últimos 20 anos. Em termos absolutos, representa quase um em cada três carcinomas. De acordo com os cientistas, descobrir uma mutação frequente fornece novas dicas sobre a biologia da doença, o que será essencial para a melhoria do tratamento do câncer renal. Atualmente, a cirurgia total ou parcial é a única forma segura de combater o tumor, que não responde bem nem à quimio nem à radioterapia.

No Brasil, o câncer renal não aparece nas estatísticas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) por estar fora da lista dos 10 tipos mais comuns. Estimativas mundiais, porém, calculam que, em todo o globo, surgem cerca de 200 mil casos novos por ano, com maior prevalência entre os homens. O carcinoma de células claras é o subtipo mais comum, responsável por oito entre 10 casos. Quando a detecção é precoce, a taxa de sobreviência é bastante alta, de 95%, mas o prognóstico esbarra na falta de sintomas consistentes. O crescimento do tumor é silencioso e, quando o paciente começa a apresentar sinais de que não está bem, pode ser tarde.

Por muitos anos, o principal determinante genético envolvido no desenvolvimento do carcinoma renal era uma mutação do gene VHL, localizado no cromossomo 3. ;Até recentemente, quando falávamos sobre fatores genéticos desse tipo de câncer, inevitavelmente nos referíamos ao VHL, um gene mutante em oito em cada 10 pacientes;, disse ao Correio o médico Andy Futreal, vice-presidente do Projeto Genoma do Câncer, coordenado pelo Instituto Wellcome Trust Sanger, da Inglaterra. ;Mas nós sabíamos que essa não era toda a história. Algumas questões que tínhamos de responder eram quais outros genes conspiravam juntamente ao VHL para causar a doença. Do último ano para cá, começamos a resolver o problema. A pesquisa que publicamos na Nature é uma peça importante no quebra-cabeça;, acredita.

Segundo Futreal, a equipe de pesquisadores havia, previamente, identificado outros três genes mutantes associados ao câncer renal. Eles alteram uma parte da célula chamada cromatina, o filamento do DNA que pode influenciar a atividade genética. ;Nosso entendimento de como o câncer renal se desenvolve já havia melhorado bastante com a identificação desses três genes mutantes, cada qual deles fazendo uma pequena contribuição para a doença;, explicou ao Correio Mike Stratton, diretor do Sanger Institute, que participou do consórcio de pesquisadores.

;Agora, com a descoberta da variante PBRM1 em um em cada três casos, demos um passo maior ainda;, acredita Stratton. O geneticista acredita que o entendimento sobre as variantes que levam ao desenvolvimento desse tipo de câncer está quase completo. ;Podemos dizer que já sabemos, por exemplo, que os genes vinculados ao carcinoma renal estão envolvidos na forma como o DNA regula as funções celulares. Essa compreensão vai nos fornecer muitas novas direções terapêuticas para esse tipo de câncer;, comemora.

Desafio
Os pesquisadores sugerem que uma boa parte da história esteja associada a uma pequena região do cromossomo 3. O novo estudo mostrou que o PBRM1 liga-se, nesse local, aos outros genes mutantes que se relacionam ao carcinoma renal. Com isso, será mais fácil explorar os aspectos biológicos da doença. De acordo com o artigo, muitos pacientes carregam mutações em dois ou três genes da região. ;Esse estudo começa a desvendar a forma como as descobertas genéticas mais recentes contribuem para o surgimento do câncer;, afirma Andy Futreal. ;Nós acreditamos que esses três genes ficam juntos justamente para que o tumor ganhe vantagem no organismo. O desafio para o futuro será construir um retrato do processo que as variantes controlam. Isso significa decifrar as interações químicas que ocorrem no nível estrutural, o nível do cromossomo;, diz.


Esperança de compreensão

Mutações em um gene chamado INF2 são a principal causa de uma condição hereditária que leva à falência dos rins, de acordo com um estudo que será publicado no Jornal da Sociedade Americana de Nefrologia. A descoberta poderá ajudar a identificar, prevenir e desenvolver novas terapias para combater a glomerulosclerose segmentar e focal, doença que ataca o sistema de filtragem do rim, causando sérias cicatrizes no órgão. Cerca de 20 mil pessoas vivem com falência renal nos Estados Unidos devido ao problema. Estudos indicam que a doença está aumentando em todo o mundo.

A glomerulosclerose segmentar e focal é a principal causa de falência renal em adultos e a segunda em crianças. Na década passada, pesquisadores identificaram diversos genes mutantes em pacientes com a forma hereditária da doença e conseguiram entender melhor o mecanismo por trás do desenvolvimento do mal. Um dos genes mutantes é o INF2, descoberto pelos pesquisadores da Sociedade Americana de Nefrologia Elizabeth J. Brown e Martin R. Pollak.

Com uma equipe multinacional, eles investigaram o histórico de 54 famílias (78 pacientes) com glomerulosclerose segmentar e focal dominante. Em 17% dos casos, havia mutações no INF2, localizadas em uma região particular do gene que interage com os podócitos ; células do epitélio visceral dos rins que formam um importante componente da barreira de filtração. De acordo com os pesquisadores, isso poderá ajudar a criar drogas que previnam ou tratem a doença. (PO)


PALAVRA DE ESPECIALISTA
Exploração é fundamental

;Sabemos que há muitos poucos exemplos de mutações genéticas conhecidas associadas ao câncer renal de células claras, o que torna muito interessante a exploração desse tumor com objetivo de conhecer novos genes e, dessa forma, conhecer melhor o processo que leva a seu desenvolvimento. Análises genéticas sistemáticas têm o poder de descobrir mecanismos ainda desconhecidos que levam ao aparecimento do câncer no homem. Conhecimentos como esse são críticos para a melhoria do diagnóstico e do tratamento.;

Bin Teh
, geneticista