Quando o assunto é o ozônio, a primeira associação que se faz é com a camada na atmosfera, que, ao ser danificada como consequência da ação humana, colabora para o aquecimento global ; ao ser destruída, permite a passagem de radiação maléfica para a humanidade. Esse caráter protetor da substância pode ser ainda mais direto. Misturada ao oxigênio, ela é capaz de matar a superbactéria KPC e auxiliar na cicatrização da epiderme, entre outras utilidades. Aplicada em forma de gás sobre a pele, ou em injeções no corpo do paciente, a técnica é realizada em vários países e, só na Alemanha, 10 milhões de pessoas já foram tratadas com o ozônio medicinal. O próximo passo, pregam os defensores da técnica, é torná-lo acessível aos pacientes brasileiros por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora a técnica seja pouco conhecida no Brasil, a Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) enviou documentos para o Conselho Federal de Medicina, para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e para o Ministério da Saúde, solicitando o reconhecimento da ozonioterapia como um procedimento médico. A ideia é incorporá-la ao SUS posteriormente.
Por enquanto, os pacientes que se submetem à técnica precisam assinar o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido para se beneficiar do tratamento ; ou seja, assumir todos os eventuais riscos de uma técnica ainda não regulamentada. Como o Brasil é signatário da Declaração de Helsinki, um conjunto de diretrizes internacionais sobre pesquisas com seres humanos, é possível recorrer à ozonioterapia, que já é utilizada em diversos países, mesmo sem o reconhecimento por parte da Anvisa.
;Infelizmente, até o momento, nenhum órgão assumiu a responsabilidade sobre o processo de regulamentação da ozonioterapia no Brasil;, lamenta a médica e diretora da Aboz Emília Serra. Ela sustenta que, se implantada pelo SUS, a ozonioterapia poderia reduzir em até 80% a taxa de amputação de membros de pacientes com gangrena diabética e diminuir até 25% os custos no tratamento de feridas crônicas. ;A estimativa é de redução em até 30% do custo do SUS no tratamento de patologias como hepatites crônicas e hérnias de disco;, informa.
Aprovação no mundo
Atualmente, a técnica é reconhecida pelo Sistema de Saúde da Alemanha, da Suíça, da Itália, de Cuba, da Ucrânia, da Rússia, da Espanha, da Grécia, do Egito e da Austrália, além de ser praticada em 15 estados dos Estados Unidos. De acordo com Emília, são realizados, aproximadamente, 10 milhões de tratamentos com ozônio no mundo, todos os anos. ;Nos países em que o uso medicinal do ozônio é reconhecido, houve redução de 27% no consumo total de antibióticos e de 22% no consumo de analgésicos opioides e não opioides;, acrescenta a médica.
O ozônio de uso médico pode ter diferentes propriedades, que variam de acordo com a concentração da mistura. Segundo Emília, a substância tem propriedades bactericidas, fungicidas e virustáticas, e a veiculação em soluções aquosas e oleosas tem demonstrado efeitos antimicrobianos e reparativos. Também é eficaz no tratamento de feridas infectadas e em doenças causadas por vírus, como herpes e hepatites crônicas virais, bactérias e fungos. ;Por estimular a circulação e melhorar a oxigenação nos tecidos, é utilizado no tratamento de problemas circulatórios e na revitalização de funções orgânicas de modo geral;, afirma a médica.
[SAIBAMAIS]A diretora destaca que o ozônio medicinal pode ser utilizado em tratamentos de um grande número de afecções, de origens inflamatória, infecciosa e isquêmica, geralmente relacionadas a alterações do estresse oxidativo. ;Longe de ser uma panaceia, a ozonioterapia tem sido aplicada mundialmente em diferentes campos, algumas vezes como viga mestra do tratamento, de modo isolado, ou complementar, como coadjuvante;, ressalta.
Um dos beneficiados do tratamento, o médico oftalmologista Ricardo Guimarães, após um acidente de avião, tratou as queimaduras do corpo com a ozonioterapia. Sabendo que queimaduras exigem um tratamento imediato e cuidados intensivos, ele estudou as lesões e as opções de tratamento citadas na literatura internacional. A mais aconselhável era a ozonioterapia. ;Como o tratamento não era recomendado pela maioria dos médicos brasileiros, eu não considerei a opção por muitos anos, até que uma colega oftalmologista me fez a sugestão;, recorda.
Guimarães diz que ficou impressionado com a simplicidade e com os resultados, o que o levou à decisão de aplicar a técnica. Segundo ele, o primeiro impacto foi maior bem-estar, seguido pelo sucesso das cirurgias de enxerto de pele que fazia frequentemente. ;Meu índice de aproveitamento passou de 60% para 100%;, conta.
Segundo o oftalmologista, a ozonioterapia tem dois defeitos graves e que diminuem as chances de sucesso em um sistema de saúde voltado para a venda de produtos. ;Primeiro, não permite patentes e, segundo, não pode ser empacotado para venda em farmácias, pois tem que ser produzido na hora;, opina. Para ele, essas peculiaridades da técnica não geram interesse de lucro para os laboratórios. ;É uma pena que nossas autoridades não compreendam o valor da ozonioterapia.; O médico acha que, se o Brasil adotasse a técnica, obteria como efeito imediato a melhora de resultados nos tratamentos de condições crônicas como artrite reumatoide e outras doenças debilitantes.
Matador de KPC
O Brasil foi o primeiro país a comprovar a eficiência do ozônio no combate às superbactérias, como a KPC. O pesquisador e médico Glacus de Souza Brito, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), que descobriu mais uma utilidade do gás, conta que a pesquisa foi feita realizando a vaporização da substância sobre uma cultura de bactérias em uma placa de gel. Durante um ano, Brito testou o gás e confirmou: ;Bastam cinco minutos de exposição para que o ozônio destrua as paredes da KPC, impedindo a reprodução;, descreve.
O médico acredita que a descoberta, além de elevar o Brasil a uma posição de destaque no meio científico internacional, promove ainda uma economia significativa nos custos de saúde. ;Reduz o uso de medicamentos antibióticos, dá maior eficiência aos métodos de assepsia e diminui o tempo de internação de pacientes contaminados pelas bactérias que promovem as infecções hospitalares;, ressalta.
Brito explica que o gás só é tóxico se for inalado. De acordo com ele, em mais de 100 anos de experiências, a utilização de diversas formas de aplicação no corpo humano demonstrou formas seguras de aplicação sem toxicidade. No entanto, para ele, existem poucos estudos controlados sobre o produto em forma farmacêutica. ;Não há interesse econômico no desenvolvimento do conhecimento científico dessa terapia.;
Técnica efêmera
A partir da mistura de ozônio com o oxigênio puro é criado a substância medicinal. Para o produto final, é necessário o uso do gerador, um equipamento que converte oxigênio medicinal em concentrações exatas e precisas para a mistura ozônio-oxigênio. Emília Serra explica que a substância, além de não ser patenteável, já que é um material original da natureza, também não pode ser engarrafada para uso posterior. ;Precisa ser produzida no momento da aplicação e dura cerca de 30 minutos, em temperatura ambiente. O gás é, então, aplicado por diversas vias, a depender da indicação clínica;, salienta.