Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Almoço em família diminui envolvimento de jovens com violência

Quando os compositores Arnaldo Antunes e Tony Bellotto compuseram a canção Família, interpretada pelos Titãs na década de 1980, provavelmente não faziam ideia do valor de almoçar ;junto todo dia; e nunca perder ;essa mania;. Três décadas depois, uma pesquisa feita por alunos da Universidade de San Diego, na Califórnia (Estados Unidos), confirma a importância do hábito: uma refeição diária na companhia dos familiares pode reduzir em até 80% as chances de os filhos se envolverem com drogas, prostituição ou atos de violência.

O estudo foi feito a partir de entrevistas com 806 jovens de 15 a 25 anos que moravam na Califórnia. Depois de analisar o passado deles, os pesquisadores dividiram-nos em dois grupos: os que se alimentavam com a família e os que não tinham esse costume. Após 27 meses comparando os dados, a equipe de cientistas concluiu que os jovens que tinham a presença dos pais em pelo menos uma refeição diária estavam menos propensos a se envolver com esses problemas.

;Ao avaliar a vida daqueles jovens, percebeu-se a importância do momento em família para a vida deles. Estar com os familiares dá mais liberdade para o jovem falar dos problemas. A presença dos pais nas refeições facilita uma troca de vivências, e a prevenção de possíveis problemas de envolvimento com vícios;, afirma o psiquiatra Fábio Barbirato, que acompanhou o estudo.

Cientes de que a união familiar poderia contribuir para a boa formação da personalidade dos filhos, a família Borges definiu que o almoço seria um hábito diário. ;Quando as crianças eram pequenas, até mesmo bebês, nós sempre os colocávamos à mesa na hora do almoço para aprenderem a compartilhar aquele momento de reunião familiar;, conta a dentista Sara, 47 anos, casada com Júlio César, 56, e mãe de Lara, Lucas e Felipe, 21, 18 e 16 anos, respectivamente. Ela diz que, quando criança, costumava almoçar com seus pais e resolveu cultivar o hábito com sua família. ;Sempre achei o almoço muito importante para a comunhão da família;, afirma.

A prática se tornou tão comum que Lara, estudante de direito, não consegue ver outra forma de agir na hora do almoço. ;Ninguém na minha casa se imagina almoçando sozinho no quarto, ou isolado dos outros. Acho muito triste fazer alguma refeição sem ninguém para conversar, comentar sobre o alimento ou falar sobre o dia;, confessa. Para a mãe, o hábito refletiu-se de maneira positiva no relacionamento dos cinco. ;As refeições em família propiciaram o crescimento e fortalecimento de uma amizade bonita e profunda, fundamental para a formação do caráter dos nossos filhos. Assim, eles nos contam seus problemas, pedem conselhos, aprendem valores e compartilham experiências;, declara a mãe.

Troca de experiências. Segundo Barbirato, esse ponto é fundamental. Apenas sentar-se à mesa, mas não conversar, diz o psiquiatra, não trará bons resultados. Por isso, é importante deixar de lado as invenções modernas que dispersam a atenção. ;É necessário ir além de uma simples reunião. Não adianta nada ficar à mesa e, ao mesmo tempo, falar ao telefone, navegar na internet ou assistir à televisão. A ideia é criar uma relação familiar. Aquela hora é de se ligar na família;, afirma o médico, que é chefe de Psiquiatria na Santa Casa do Rio de Janeiro e coautor do livro A mente do seu filho: como estimular crianças e identificar distúrbios psicológicos na infância (Agir), com Gabriela Dias.

Não importa se o encontro familiar é feito no café da manhã, no almoço ou no jantar. O essencial é estar junto e conversar. Na família Macedo, por exemplo, o hábito é levantar bem cedo para, às 6h30, todos terem juntos a primeira refeição do dia. ;Foi o jeito que eu e meu marido (Alberto, 53 anos, administrador) encontramos para ficarmos juntos e participarmos da vida dos nossos filhos;, revela a psicóloga Maria Teresa, 45. A família até teve o hábito de fazer todas as refeições diárias reunida, mas, por conta da rotina e do aumento das responsabilidades, tiveram de ajustar a prática aos compromissos. ;Como foi ficando cada vez mais difícil nos encontrarmos, tivemos de nos adaptar para fazer pelo menos essa refeição juntos;, comenta a mãe.

Uma das filhas, Carolina, 20 anos, estudante de engenharia florestal, reconhece que é preciso um esforço para estar na companhia dos pais e dos irmãos ; Bruno, e Gabriela, 22 e 17 anos, respectivamente;, mas diz que vale a pena. ;É nas refeições que a gente compartilha a vida e percebe que tem alguém que se importa e lhe ajuda a enfrentar os problemas. Isto faz toda a diferença;, diz ela.

Alternativas
Para aquelas famílias que não conseguem uma forma de se reunir à mesa diariamente, o psicólogo Flávio Guimarães, mestre em psicologia clínica e terapeuta de família e casais, ressalta que a refeição é apenas uma das opções que se tem para construir a intimidade no lar. Um sofá e muita história para contar, por exemplo, já dão conta do recado. ;Uma família que gasta algumas horas fazendo outra atividade que permita a interação pode ter resultados igualmente benéficos. O essencial não é a refeição, e sim o acompanhamento e a presença dos familiares;, afirma.

Na família de Jameson e Lélia Cunha, 50 e 54 anos, respectivamente, o almoço com todos presentes não ocorre diariamente, mas a família se esforça para aconteça no mínimo uma vez por semana e busca outros momentos de intimidade. ;As horas de união da família servem para ajudar a corrigir erros e aconselhar os filhos. Sempre fizemos questão de acompanhar as nossas filhas, porque isso melhora a vida em todos os sentidos, inclusive a relação do casal;, declara a Lélia, mãe de Camila, 20, e Catharina, 18. Uma das soluções encontradas pela mãe para passar mais tempo com as filhas foi sempre levá-las e buscá-las na escola, momentos em que podia conversar com as duas.

De acordo com Fábio Barbirato, a ausência desses momentos em família pode trazer reflexos ;lamentáveis; e, na maioria das vezes, ;irreversíveis; à vida dos filhos. ;Uma família desagregada quase sempre forma adultos que vão repetir o modelo mais tarde. Uma criança que não tem contato com os pais está aberta a violências físicas e psicológicas como o bullying;, alerta.

O psicólogo Flávio Guimarães ressalta, no entanto, que isso não significa que todo mau comportamento é necessariamente culpa da família. ;Quando se fala em abuso de drogas e álcool, por exemplo, as pessoas sempre atribuem a fatores familiares. Acusar a família por conta desse tipo de comportamento não está certo. Há famílias que são estruturadas, mas têm casos de comportamento malfeitor;, esclarece.

Insultos na capital
O termo em inglês bullying é usado para descrever atos de violência física ou psicológica praticados por um indivíduo ou grupo. Geralmente, acontece entre crianças e adolescentes em locais que costumam frequentar diariamente, como escolas e universidades. Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2009 apontou Brasília e Belo Horizonte como as cidades com maiores índices de bullying. Na capital federal, 35,6% de alunos declararam sofrer esse tipo de violência. Em Belo Horizonte, a taxa foi de 35,3%.