Ciência e Saúde

Cientista curitibano foi um dos descobridores da partícula méson-pi

Extremamente comprometido com o desenvolvimento da pesquisa no país, Cesar Lattes está entre os responsáveis por um dos mais importantes achados do século 20, que inaugurou a chamada física das partículas elementares

postado em 11/01/2011 12:09
Um homem apaixonado. Seguramente, essa é a definição mais apropriada para Cesar Lattes, que dedicou sua vida ao Brasil, à física e à família. Batizado Cesare Mansueto Giulio Lattes, esse curitibano com nome de italiano foi crucial para o desenvolvimento científico brasileiro, quando o país era encarado no cenário internacional como uma insignificante nação de terceiro mundo. Lattes inspirou a criação de órgãos governamentais ligados à ciência e, na companhia de amigos, fez importantes descobertas para a física.

Nascido em 11 de janeiro de 1924, Lattes formou-se em 1942 pelo Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. O empenho em relação à disciplina era tanto que ele foi convidado pelo então chefe do departamento, o professor Gleb Wataghin, para trabalharem juntos. O físico e amigo Alfredo Marques conta que foi por meio de Wataghin que o curitibano conheceu Giuseppe Occhialini, com quem construiu a câmara de Wilson, um importante detetor de partículas. ;Ela permite fotografar a trajetória de partículas com carga elétrica que atravessam seu volume sensível;, explica.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Occhialini mudou-se para Bristol, no Reino Unido, para trabalhar com pioneiros em um novo detetor de partículas, chamado Emulsão Nuclear. O equipamento é capaz de capturar imagens em condições melhores que as câmaras de Wilson. ;Lattes remeteu a Occhialini fotografias que tirou na câmara de Wilson e conseguiu um cargo remunerado no quadro de pesquisadores de Bristol, situação bastante difícil de obter no pós-guerra imediato;, recorda Marques.

Lattes, Occhialini e Cecil Powell, então chefe do Departamento de Física da Universidade de Bristol, assinaram um trabalho científico que revolucionou o mundo: a descoberta do méson ;pi, uma partícula que, de acordo com as especulações do físico japonês Hideki Yukawa, seria responsável pela força nuclear, unindo prótons e nêutrons em núcleos atômicos. ;A descoberta de Lattes e seus colegas abriu um campo novo na física moderna, o das partículas elementares. Por isso, ela é celebrada como a descoberta mais significativa da física do século 20;, afirma Alfredo Marques.

O achado também colocou Cesar Lattes no rol de grandes nomes na física internacional. A notoriedade conquistada pelo brasileiro deu a Alberto Álvaro, cientista e vice-almirante da Marinha, elementos para convencer o governo brasileiro a criar, em 1951, o CNPq. Nascida com o nome de Conselho Nacional de Pesquisas, a instituição tinha o propósito inicial de desenvolver pesquisas na área nuclear, mas teve seu objetivo ampliado ao longo dos anos e foi rebatizada, em 1971, de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Em uma forma de reconhecer o papel do curitibano no desenvolvimento da ciência, o CNPq deu ao seu banco de currículos para fomento em órgãos internacionais o nome de Plataforma Lattes, embora o próprio físico não tenha inserido um currículo no sistema. O ex-aluno e amigo de Lattes Edison Hiroyuki Shibuya conta que, no início, a inserção de dados na plataforma era cansativa, pelo excesso de passos. ;Em uma visita à casa dele, contei a Lattes que um ex-presidente do CNPq estava aborrecido e xingando o patrono da plataforma pela postura de manter-se fora do banco de dados. No momento, Lattes retrucou: ;Não sou eu que vocês estão xingando, mas a minha mãe, não é?;;, lembra o ex-aluno.

Como professor, Shibuya acredita que Lattes tinha um método sui generis, talvez herdado de um de seus mestres, o professor Giuseppe Occhialini, baseado não em aulas formais, mas em conversas e diálogos. ;Ele nos questionava e, usando as respostas, nos direcionava quando tinha certeza sobre o tópico em discussão. Quando não, dialogávamos seguindo outros pontos de vista nem sempre pensados por ele;, descreve.

Como amigo, Alfredo Marques diz que o físico era encantador, simples, sutil e amante da autenticidade. Segundo ele, Lattes tinha um modo um tanto provocador de se aproximar das pessoas, o que lhe valeu certa fama de excêntrico e até de mal-humorado. ;Tudo não passava da confirmação ou não de sua expectativa pela espontaneidade e autenticidade de seu interlocutor, que muitas vezes desandava para os caminhos da bajulação ou da formalidade estéril. Disso ele não gostava, e deixava isso claro;, conta.

Outra característica marcante, aos olhos de Edison Shibuya, era o grande amor de Lattes pela pátria. Ele recorda que apesar da fama conquistada e o recebimento de vários convites para morar em outros países, Lattes preferiu voltar para o Brasil e ajudar na formação de jovens pesquisadores. ;Ele detestava esnobismo e se considerava igual a todos, dizendo que a história o havia empurrado para a fama. Aliás, considerava a história a mais importante das ciências;, elogia.

Marques acrescenta que Lattes sofria de transtorno bipolar e isso fazia com que ele alternasse períodos de grande depressão com euforia incontida. No entanto, fora desses períodos, estava a pessoa sensível e educada, dona de um raro charme pessoal, amante da cultura e da alegria dos brasileiros. ;Um chefe de pesquisas tolerante com a opinião de seus dirigidos, que aceitava a contestação bem formulada;, descreve.

Família
Lattes casou-se com Martha Siqueira Netto Lattes, que, de acordo com Marques, era uma excepcional companheira, solidária em todos os momentos, carinhosa e diligente. Com ela, o físico teve quatro filhas: Maria Carolina, Maria Cristina, Maria Lúcia e Maria Teresa. Em um depoimento enviado por e-mail ao Correio, elas contam que o pai era uma pessoa de presença muito forte e bastante envolvida com a família, durante toda a vida.

Ele era atento e carinhoso, mesmo não participando muito do cotidiano familiar. Por isso, compensava a ausência criando condições para aprimorar os conhecimentos das meninas. ;Ganhávamos livros, enciclopédias, assinaturas de revistas e cursos de tudo que julgasse ser do interesse de cada uma de nós quatro;, recordam. Elas contam que sentiam-se valorizadas, pois tudo era elogiado e usado com orgulho desde ensaios culinários a casacos de tricô . ;Ao fecharmos a casa onde nossos pais moravam, encontramos, entre seus guardados, as quatros pastas com os nossos desenhos de quando crianças;, afirmam.

De acordo com elas, o pai teve uma relação de amor e grande dependência com a mãe. ;Foi um homem devotado à física e, parte desse mérito, deve-se a ela. Após sua morte, ele resistiu bravamente;, acrescentam. ;Lattes confiou-me, quando o procurei para confortá-lo durante o velório de Martha, que sua vida acabara ali. E, assim aconteceu, vindo a falecer pouco depois;, diz Marques.

Quando Cesar Lattes morreu, aos 80 anos, em 8 de março de 2005, as filhas decidiram doar o acervo dele para a Unicamp como uma forma de preservar sua memória. ;A universidade, num caminho de recordações e belas imagens, nos agraciou com a homenagem que consideramos a mais adequada a nosso pai: o escritório dele remontado está intacto na biblioteca, que para nosso orgulho leva o nome Cesar Lattes;, comemoram.

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