Do you understand? ;Entiende usted? Comprenez-vous? Verstehen Sie? Para aqueles que compreenderam algumas das perguntas e estão compreendendo este texto, uma boa notícia. Pesquisa canadense publicada neste mês mostra vantagens neurológicas em saber vários idiomas. A equipe da professora Ellen Bialystok, do Departamento de Psicologia da Universidade de York, concluiu que pessoas fluentes em duas ou mais línguas têm maior capacidade de concentração e costumam ser afetados pelo mal de Alzheimer mais tarde que aqueles que falam uma só língua.
Foi descoberto que muitas atividades protegem o cérebro contra os sintomas da doença, como palavras-cruzadas e exercícios de raciocínio lógico. Falar vários idiomas é mais um exemplo. ;Não se sabe exatamente a razão para esse efeito, mas parece ter a ver com o aumento do estímulo, talvez da circulação sanguínea, no cérebro. Assim, o organismo consegue compensar de alguma forma o declínio cognitivo causado pela doença;, explica Ellen ao Correio, em entrevista por e-mail. Por essa razão, os benefícios se estendem da prevenção do mal de Alzheimer a qualquer doença neurológica degenerativa.
Outro benefício encontrado é a capacidade de concentração entre os poliglotas, que pode trazer benefícios para o aprendizado e eficiência no trabalho. Em tarefas que exigiam controle de distrações, mudança de uma atividade para outra ou manter uma informação em mente durante outra ação, os bilíngues obtiveram melhores resultados. ;Uma razão plausível é que falar duas línguas ativa processos de controle no cérebro para performance em idiomas, que são depois usados para outros aspectos de atividades cognitivas;, diz o estudo.
Mas ser monolíngue não traz só desvantagens. A pesquisa aponta que aqueles que falam um único idioma o conhecem mais a fundo. Assim, o vocabulário de um bilíngue tende a ser menor em ambas as línguas. Mas se os ganhos de ser poliglota ainda parecem mais interessantes, Ellen Bialystok aponta que não há limite de idade para usufruir desses benefícios. ;Os efeitos positivos estão relacionados a quanto tempo a pessoa se mantém fluente, não em que momento da vida ela se tornou bilíngue;, conta.
O melhor, então, é aprender e praticar sempre. Ouvir músicas, ler livros, ver filmes. E nenhuma restrição sobre qual língua escolher. Segundo a pesquisadora, não há diferença caso a pessoa fale português e inglês, mandarim e russo, ou espanhol e francês.
Se ela souber todas essas, tanto melhor. Apesar de menos conclusivos, outros estudos indicam que quanto mais línguas, maiores os ganhos neurológicos. O que se sabe certamente é que aprender idiomas tem efeito exponencial. Quanto mais se sabe, mais fácil é aprender novos.
Família
A economista Um Rettura, 49 anos, e a filha, Chiara, 17, desfrutam de diversos benefícios de saber diferentes idiomas. Coreana casada com um diplomata italiano, Um e a família viveram em diferentes partes do mundo, entre eles Espanha, Nepal, Estados Unidos e Congo, antes de chegarem ao Brasil. Ela fala coreano, inglês, italiano, espanhol, um pouco de japonês e português. Chiara, que é estudante, se comunica em inglês, italiano, espanhol e português.
Apesar de vivenciarem um ambiente como o descrito na pesquisa, em que há a oportunidade de praticar com frequência muitos idiomas, maior capacidade de atenção não é a vantagem mais evidente para nenhuma das duas. ;A maior facilidade que aprender línguas estrangeiras me proporcionou foi a capacidade de adaptação, o que é importante para minha família, já que nos mudamos de país a cada dois ou três anos;, analisa a economista.
Essa rotina de mudanças também é vivida pela relações públicas norte-americana Jeanette Perez, 40 anos. Bilíngue desde a infância, foi criada por pais cubanos na multicultural Miami, nos Estados Unidos. Mas as habilidades em línguas se fizeram especialmente necessárias depois de se casar com um diplomata. As filhas, de 13 e 11 anos, também se beneficiam. Além de inglês e espanhol, as duas falam português com fluência. ;Considero esse tipo de aprendizado um exercício mental. Mas acredito que a principal vantagem para minhas filhas é o fato de elas crescerem aprendendo a compreender e aceitar outras culturas;, diz Jeanette.
Para a neurologista da Universidade de Brasília Candice Coelho, o exercício para o cérebro é tão real e necessário quanto aquele da academia de ginástica. ;A atividade mental é interessante para manter ativo o cérebro. Por isso, aprender línguas é uma das atividades que indico para pacientes da terceira idade;, disse. Apesar da palavra exercício implicar esforço, a cozinheira Carolina Sá, 27 anos, considera a atividade de conhecer idiomas um prazer.
Desde os 15 anos, quando foi ao Canadá aprender inglês, Carolina associou o amor por viajar ao aprendizado de novas línguas. Conheceu também a Itália, a França e a Espanha. Dessa forma, ela é fluente em inglês, italiano, espanhol e francês. ;Aprender uma nova língua é como a música nesse sentido. É preciso paixão para aprender a fundo. Exige dedicação e entusiasmo;, explica. Um esforço que vale ainda mais a pena sabendo-se que os benefícios para a mente são maiores do que se imaginava.
Degenerativo
O mal de Alzheimer é uma doença degenerativa do cérebro, sem cura, que consiste no acúmulo de lesões microscópicas que causam a morte de neurônios ; por vezes por determinação genética ; e começa pelo prejuízo da memória de fatos recentes. Atinge principalmente indivíduos a partir de 65 anos. Suas causas ainda não foram determinadas.
Três perguntas para Candice Coelho, neurologista da Universidade de Brasília
Há diferenças entre uma pessoa que aprendeu duas línguas desde os primeiros anos de vida e aquela que aprende um segundo idioma mais tarde, na adolescência ou vida adulta?
Sim. Esse é um dos motivos do ensino da língua estrangeira ser oferecida cada vez mais cedo nas escolas. Está relacionado à facilidade em aprender outros idiomas ser maior na juventude, devido à plasticidade neuronal, bem mais intensa nessa etapa de vida. O manejo de novos idiomas pode ser comparado à tranquilidade com que crianças lidam com aparelhos eletrônicos. Outra vantagem é que a criança que se familiarizou desde cedo com o som de duas línguas vai dispor no futuro de estoque mais rico em padrões sonoros que aquela que só teve a vivência da língua materna.
Como se dá a prevenção por meio do aprendizado de idiomas?
Devemos falar em postergar em vez de prevenir, porque o mal de Alzheimer é uma doença degenerativa. Ainda assim, mesmo que venha a ocorrer o desenvolvimento da doença, haverá uma significativa diferença na população que tem reserva cognitiva, ou seja, aquelas com um estoque de sinapses na rede neural. É como uma cidade que, para se comunicar com outras, tem várias estradas. Quando há interrupção do tráfego, o trânsito é mantido por vias alternativas. Da mesma forma, a pessoa bilíngue tem maior reserva e, consequentemente, os sintomas demenciais terão o surgimento postergado.
Há outros benefícios?
No adulto bilíngue, a reserva cognitiva servirá não só para retardar os processos degenerativos demenciais, como o mal de Alzheimer, mas também na prevenção de problemas agudos, como o acidente vascular cerebral (AVC), conhecido como derrame.