Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Pensar emagrece, diz estudo que pode ajudar médicos a combater a obesidade

Imaginar repetidas vezes que está comendo um alimento antes de prová-lo ajuda as pessoas a se satisfazerem mais rapidamente, indica pesquisa publicada na revista Science

Um dos principais conselhos para quem está de dieta é: pare de pensar em comida. Porém imaginar uma deliciosa barra de chocolate pode, na verdade, ajudar a perder peso. Foi o que descobriram pesquisadores da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. O estudo, publicado na edição de ontem da revista especializada Science, sugere que, ao visualizar repetidas vezes um alimento, o cérebro engana o estômago, e a pessoa, consequentemente, come menos, por se sentir saciada.

O psicólogo Carey Morewedge, principal autor da pesquisa, lembra que o ser humano reage por estímulos, quando o assunto é algo desejável ; seja um prato de comida, um cigarro ou um drinque. ;De fato, ao imaginarem-se saboreando um delicioso filé, as pessoas costumam salivar e sentir vontade de comê-lo. Pensar no cheiro de um cigarro queimando aumenta a vontade de fumar em quem é dependente. O aumento do desejo provocado pelo pensamento parece afetar a maneira como nos comportamos;, diz, no artigo. Se é possível salivar só de pensar em uma barra de chocolate, então é razoável deduzir que o organismo reage de outras formas ; por exemplo, sentindo-se farto ; a partir de um estímulo imaginado repetidas vezes.

Nos testes realizados pela equipe de Morewedge, os participantes foram divididos em dois grupos, com 51 pessoas cada. O primeiro deles teve de imaginar, seguidamente, que estava consumindo de três a 30 unidades de determinado alimento, a ;guloseima-alvo;, como, por exemplo, balinhas M;s. Os demais eram incentivados a pensar em outros tipos de ação, como comer um alimento diferente ou recusar um prato de comida. ;Então, demos a todos os participantes uma tigela cheia da guloseima-alvo e pedimos que comessem algumas unidades para que pudessem avaliá-las em um teste de sabor;, contou o pesquisador ao Correio.

Depois que os voluntários pararam de comer, as tigelas foram retiradas e, secretamente, pesadas. ;Descobrimos que os participantes que haviam imaginado muitas vezes ter comido aquele alimento consumiram menos;, diz Morewedge. ;Já os voluntários que imaginaram outro tipo de comida ou desempenharam tarefas mentais que não envolviam alimentos comeram mais.; Em experimentos semelhantes descritos no artigo, os resultados foram iguais. ;O consumo imaginado reduz o consumo real porque diminui a vontade de comer o alimento visualizado;, explica o pesquisador. De acordo com ele, antes mesmo que o organismo dê o sinal de que está saciado, o cérebro, depois de estimulado pelas imagens, manda o aviso de que já enjoou da comida (leia entrevista).

;O hábito é um dos processos fundamentais que determinam o quanto nós consumimos de determinada comida ou de um produto, quando vamos parar de consumi-lo e quando vamos trocar o consumo para outro alimento;, explica ao Correio o pesquisador Joachim Vosgerau, que também participou do estudo. ;Nossa descoberta mostra que o hábito não é governado apenas pelos sentidos de tato, visão, cheiro e audição, mas também é definido pelo modo como nossa experiência de consumo é mentalmente representada. Em alguns casos, simplesmente imaginar uma experiência substitui a realidade;, diz Vosgerau.

Além das evidentes implicações da pesquisa para o controle da obesidade, os autores acreditam que é possível estender a descoberta para outras questões, como a dependência de tabaco ou bebidas alcoólicas. ;Acreditamos que esse estudo poderá ajudar a desenvolver futuras intervenções para reduzir o vício para coisas como vício por junk food, drogas e cigarros, e esperamos que isso vá nos ajudar a ensinar as pessoas como fazer escolhas saudáveis;, conclui Morewedge.

PALAVRA DE ESPECIALISTA
Intervenções possíveis
;Essa descoberta tem importantes implicações para diversos campos de pesquisa. Primeiro, os resultados sugerem que a mentalização, sozinha, pode gerar um hábito a partir de um estímulo. Além da sua importância teórica, é uma descoberta que poderá levar ao desenvolvimento de intervenções mais efetivas na redução da dependência por comida e drogas, e diminuir reações fóbicas, por meio de estímulos de indução do medo. Além disso, o estudo mostra que a diferença entre a experiência real e as representações mentais de uma experiência pode ser menor do que se achava previamente.;
Young Eun Huh, pesquisador do Laboratório de Pesquisas Comportamentais da Universidade de Carnegie Mellon


TRÊS PERGUNTAS PARA CAREY MOREWEDGE
Psicólogo da Universidade de Carnegie Mellon

Quais são os impactos que o estudo poderá ter sobre a luta contra a obesidade?
As pessoas parecem parar de comer por duas razões: o retorno de seu sistema digestivo, que dá uma sensação de saciedade, e o hábito de consumir determinado alimento (ela acaba enjoando dele). Como o hábito é algo que ocorre mais rapidamente, acreditamos que o resultado da pesquisa possa ser usado para ajudar as pessoas a regular sua ingestão de alimentos. Agora mesmo, estamos começando a testar se um pensamento de indução similar pode ser usado para ajudar as pessoas a comer menos alimentos pouco saudáveis e ingerir mais comida saudável.

A técnica de visualização funciona quando a pessoa está realmente com fome ou só se refere à gula?
Atualmente, estamos pesquisando essa questão mais a fundo. Mas tanto os participantes que estavam com muita fome quanto os que não estavam com tanta fome pareceram ter sido influenciados pela tarefa de imaginar que estavam consumindo o alimento de forma similar.

O senhor acredita que a técnica pode funcionar também com bebidas alcoólicas e outros tipos de vício?
Nós esperamos que esse tipo de indução da imagem possa também afetar a vontade de consumir outras substâncias viciantes, e estamos começando a investigar se a imaginação mental repetitiva pode reduzir a vontade de fumar. Ainda temos de testar se o processo pode funcionar, mas tenho o palpite de que sim, e espero conduzir mais estudos para examinar essa questão em um futuro próximo.