Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

OMS revela que 40% das mortes no Brasil por fumo passivo são de crianças

Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgada no fim de novembro trouxe um dado preocupante: 40% dos 7,5 mil brasileiros que morrem anualmente em consequência direta do fumo passivo são crianças. Ou seja, a cada 3 horas, uma criança perde a vida em consequência dos cigarros de outras pessoas. Especialistas alertam que a exposição diária ao vício de familiares pode causar o desenvolvimento de problemas respiratórios como asma e desenvolvimento mais lento dos pulmões.

O pesquisador Mattias ;berg, do Instituto Karolinska, da Suécia, autor do estudo da OMS, explica que, embora o fumo passivo seja um problema para crianças de todo o mundo, em algumas regiões a situação é pior. ;A exposição à fumaça do cigarro é maior na Ásia e na Europa Oriental, por exemplo, onde, respectivamente, 67% e 61% das crianças têm pelo menos um dos pais fumando;, contou o especialista em entrevista ao Correio. A causa é um alto índice de adultos fumantes nessas regiões.

O oncologista Murilo Buso explica que, independentemente da fase de desenvolvimento, o cigarro causa efeitos negativos. ;Em todas as fases da vida o cigarro causa efeitos negativos para a criança. Desde a gestação até a chegada a vida adulta, o tabaco aumenta a chance de doenças respiratórias, dificulta o desenvolvimento e aumenta as chances de morte súbita em bebês;, explica o médico (veja quadro).

Ele conta que, ao contrário do que ocorre entre os adultos, nas crianças os efeitos do cigarro são mais rápidos. ;Eu costumo dizer que, nos adultos, o cigarro é uma bomba-relógio: não causa nenhum efeito a curto prazo, mas depois de um tempo tem o seu preço;, afirma Murilo. ;Entre as crianças, porém, o efeito é imediato. Em pouco tempo, os problemas respiratórios e cardíacos podem surgir;, completa o especialista.

A chefe do Programa de Controle de Tabagismo e Outros Fatores de Risco, desenvolvido no Instituto Nacional do Câncer (Inca), Tânia Cavalcante, explica que isso acontece porque as células infantis são mais sensíveis que as dos adultos. ;Além disso, as crianças têm um ritmo respiratório mais rápido que o dos adultos, por isso elas inalam mais fumaça. Como os corpo são menores, as substâncias cancerígenas acabam se acumulando nas células, o que causa um desenvolvimento mais rápido de doenças;, afirma.

Defesa dos filhos
A secretária Alessandra Aguiar de Souza, 29 anos, tem consciência dos males do fumo passivo, por isso, quando engravidou de gêmeos, decidiu que era hora de parar. ;Eu já tinha essa vontade antes, então a gravidez foi o estímulo para eu botar esse desejo em prática;, explica Alessandra. ;Foi mais por uma questão de saúde, sabia o quanto é prejudicial fumar durante a gravidez. Quando meus filhos nascessem, não gostaria que eles convivessem com o cigarro;, conta a mãe de Ana Luiza e Victor Hugo, 5 anos.

Deixar o cigarro nem sempre é uma tarefa fácil. Depois do nascimento dos filhos, Alessandra teve algumas recaídas com o cigarro. ;Eventualmente, em uma festa ou quando estou bebendo e vejo as outras pessoas fumando me dá vontade, mas não chego a comprar um carteira de cigarros, apenas fumo alguns com meus amigos;, conta. ;Mesmo assim, meus filhos nunca me viram fumando, e pretendo que nunca vejam.;

Essa decisão de manter os filhos afastados do cigarro veio por outro medo de Alessandra. ;Além dos problemas de saúde que eles poderim ter por causa da fumaça, tenho medo de que, me vendo fumando, eles ;aprendam; a fumar;, explica. Para ela, os pequenos se inspiram muitos nos pais, e o cigarro pode ser um exemplo ruim para eles. ;Eu e meu marido temos tatuagens. Um dia desses minha filha chegou para mim e perguntou: ;Mãe, quando poderei fazer a minha tatuagem?;. Se com 5 anos ela já quer imitar o que fazemos, não quero que ela queira imitar tambem o cigarro;, conclui a secretária.

Para Mattias ;berg, iniciativas como a adotada por São Paulo, que limitou o fumo em locais públicos, ajudaria a solucionar o problema. ;Da Escandinávia, vemos que a exposição tem caído drasticamente nos últimos 10 anos. As ferramentas mais eficientes de nossa experiência têm sido a proibição do fumo em escolas, locais de trabalho e locais públicos como restaurantes e bares;, afirma o pesquisador. ;Outra iniciativa eficaz foi diminuir a visibilidade dos produtos do tabaco em estabelecimentos comerciais e em propagandas, além de informar os pais sobre a maneira mais eficaz para melhorar a saúde de seus filhos: ou seja, parar de fumar.;

Exposição indireta
O publicitário Raphael Ohatta, 27, concorda com a opinião do pesquisador sueco. No entanto, para ele, deixar o cigarro se tornou uma tarefa complicada. ;Na teoria, todos esses argumentos para parar de fumar são ótimos, mas na prática é muito difícil;, conta o rapaz, que há três meses se tornou pai da pequena Giovanna. ;Quando ela nasceu, decidi deixar de fazer algumas coisas, levar uma vida mais responsável. Sem dúvida, o que tem sido mais difícil é o cigarro;, lamenta.

Para ele, a dificuldade está associada ao convívio social com outros fumantes. ;Quase todos os meus amigos fumam. Eu passo o dia todo me controlando, aí encontro com o pessoal à tarde e todo mundo está com o cigarro aceso;, conta o pai, que admite que já teve suas recaídas. ;Apesar disso, sou contra a restrição do fumo em locais públicos, acho que cabe a mim resistir e não cair em tentação;, pondera.

A tentativa de Raphael é aprovada pela representante do Inca, Tânia Cavalcante. Ela conta que mesmo quem fuma longe dos filhos acaba prejudicando-os. ;Pesquisas mostram que várias substâncias tóxicas presentes no cigarro permanecem impregnadas em cortinas e tapetes. Então, mesmo que os pais só fumem quando os filhos não estão, mais tarde eles podem brincar naquele local e se expor a essas substâncias nocivas;, completa.

Apesar dos problemas, os especialistas acreditam que a situação tende a melhorar. ;Com medidas de controle do tabaco em lugares públicos, a proibição da propaganda e as campanhas de conscientização, estamos criando uma geração livre de tabaco, que evitará que no futuro mais crianças sejam vitimadas;, afirma a secretária de Políticas de Controle do Tabaco da prefeitura de Florianópolis, Senen Hauss.

Efeitos mais intensos
Segundo a pesquisa, em regiões como a América Latina os efeitos negativos do fumo passivo tendem a ser piores. Isso acontece pois nessas regiões ainda há uma grande incidência de doenças infecciosas. Como a fumaça dos cigarros deixa os organismos infantís fragilizados, vírus e bactérias se aproveitam para atacar.

OPORTUNIDADE
Fumante mirim

Em maio, a história do menino Aldi Suganda Rizal chocou o mundo. Com apenas 2 anos, o garoto fumava cerca de 40 cigarros por dia. Nascido na Indonésia, o menino começou a fumar quando tinha 1 ano e meio, após seu pai, Mohammed, lhe oferecer a primeira tragada. De acordo com a mãe de Aldi, Diana, a criança dizia sentir tonturas e enjoos quando era proibido de consumir cigarros. ;Ele também ficava enfurecido, gritava e batia a cabeça na parede;, acrescentou. ;Ele tratava os cigarros como outra refeição.; Ela dizia que tentava ;distraí-lo com brinquedos e jogos;, mas nada funcionava.
O pai de Aldi, que é fumante, considerava o filho saudável e se orgulhava do vício do menino. ;Ele fuma como um adulto. Já aprendeu a soprar anéis de fumaça e sopra fumaça pelo nariz;, contava Mohammed, admirado. Em 2 de setembro, foi anunciada uma boa notícia sobre o indonésio: após tratamento médico intenso, ele conseguiu parar de fumar. ;Ele recebeu tratamento psicológico por um mês, tempo no qual os terapeutas o mantinham ocupado em atividades e o encorajavam a brincar com outros garotos da mesma idade;, informou Arist Merkeda Sirait, secretário-geral da Comissão Nacional de Proteção à Infância da Indonésia. ;Nós trocamos o passatempo dele de fumar por brincar;, resumiu.

Malefícios
Veja como o fumo passivo pode ser prejudicial em todas as fases da vida das crianças.

Na gestação
Se a mãe fuma (ativa ou passivamente) enquanto está grávida, aumenta o risco de aborto espontâneo, nascimentos prematuros e com baixo peso.

Recém-nascidos
Filhos de pais fumantes têm uma probabilidade maior de desnvolver problemas respiratórios e maior índice de mortes súbitas.

Crianças
Pesquisas mostram que idas ao hospital são mais frequentes em crianças que convivem com o cigarro. Além de uma maior frequência de asma, amigdalite e bronquite.

Adolescentes Jovens fumantes passivos têm uma facilidade maior
para desenvolver o vício pelo cigarro. Tanto em decorrência do ambiente em que vivem quanto pela contínua exposição à nicotina.