Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Médico defende trabalho conjunto para ajudar portadores de doenças crônicas

Um dos maiores desafios no tratamento de doenças crônicas é garantir que os pacientes deem continuidade às recomendações médicas e não parem de tomar, por conta própria, os remédios prescritos. Estudioso do tema, o americano Lars Osterberg, diretor do programa educacional Educators-4-Care (E4C), da Escola de Medicina da Universidade de Stanford (EUA), preocupa-se com a baixa adesão de pacientes crônicos aos medicamentos, algo que pode, inclusive, levar à morte.

De acordo com Osterberg, uma série de barreiras fazem com que as pessoas desistam do tratamento no meio do caminho. Pesquisas realizadas por ele e outros médicos apontam algumas delas. A principal é o esquecimento (30%), seguida por outras prioridades (16%), decisão de não tomar todas as doses (11%), falta de informação (9%) e fatores emocionais (7%). Vinte e sete por cento dos pacientes não oferecem razões para largar o tratamento. ;Os médicos contribuem para a baixa aderência dos pacientes ao prescrever tratamentos complexos, falhando ao explicar os benefícios e os efeitos colaterais da medicação, não considerando o estilo de vida ou o custo dos medicamentos, e tendo uma relação terapêutica pobre com seus pacientes;, acredita Osterberg.

Em entrevista ao Correio, o médico fez questão de enfatizar a carência de informações como uma das principais motivadoras da não adesão aos medicamentos. Para ele, as consultas estão cada vez mais rápidas, impedindo um relacionamento mais aprofundado entre médicos e pacientes. Osterberg observa que não basta escrever o nome de um remédio e dizer quantas vezes ao dia ele deve ser ingerido. O paciente, advoga, precisa conhecer os riscos e os benefícios, para que seja dele a decisão consciente de seguir ou não a prescrição médica. No caso de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, os tratamentos são de longo prazo; às vezes, para o resto da vida, e muitos pacientes não são informados sobre isso.

Outra observação de Osterberg é que os custos dos medicamentos podem fazer com que as pessoas interrompam o tratamento. Até mesmo nos Estados Unidos, país desenvolvido, isso acontece, de acordo com o médico. Lá, o seguro-saúde paga parte dos gastos com remédios, mas os pacientes entram com uma coparticipação: ;Quanto maior o valor que ele tem de pagar, menor a adesão;, diz.

Para ele, governo, indústria farmacêutica, médicos e seguradoras precisam trabalhar juntos para impedir que as pessoas abandonem o tratamento. O problema interessa a todos, e não apenas aos doentes crônicos: só nos Estados Unidos, perdem-se US$ 100 bilhões ao ano por causa da não adesão aos remédios, e um terço das internações está relacionada ao problema. Partidário da maior integração entre médico e paciente, Osterberg lembra que um necessita ajudar o outro para o sucesso do tratamento: ;Nós, médicos, queremos ajudar o paciente a melhorar a saúde, e o paciente quer viver mais e se sentir melhor. Você tem de ser um defensor de si mesmo;,prega.

Ao mesmo tempo em que desistem do tratamento, as pessoas costumam se automedicar. O senhor não acha isso paradoxal?

De certa maneira, a não adesão ao tratamento é parecida com a automedicação, porque a pessoa deveria estar sob os cuidados de um médico. As pessoas que estão tomando remédios por conta própria não estão fazendo o que o médico diz, então é uma forma de não adesão. Se formos considerar a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a adesão ao tratamento é seguir a recomendação médica.

O senhor poderia citar alguns dos problemas que podem ser provocados pela interrupção dos medicamentos?

Alguns remédios têm o que chamamos de efeito contrário quando o uso é interrompido bruscamente. Por exemplo, você pode parar de tomar e ter um ataque cardíaco. No caso de doenças infecciosas, se o paciente parar rapidamente, o vírus pode se tornar mais resistente ainda. Então, tomar o remédio com irregularidade pode fazer mais mal do que não tomar.

Determinados grupos de pessoas são mais propensos a não interromper o tratamento?

Sim. Há algumas evidências de que, quanto mais velha a pessoa, melhor é a adesão. Por outro lado, os jovens podem se rebelar um pouco, algo que é inerente à juventude. Além disso, há a revolta de não aceitar ser tão novo e já ter de tomar remédio para uma doença crônica.

O fato de que os pacientes crônicos abandonam o tratamento em menos de seis meses pode ser um sinal de que eles não acreditam tanto na eficácia dos remédios?

É uma questão complexa. Um dos fatores principais está no fato de que, aparentemente, os médicos e os pacientes não têm um bom canal de comunicação. Embora os pacientes sejam os responsáveis número 1 por tomar seus remédios, a responsabilidade do médico é ter certeza que o paciente está seguindo o tratamento. A não adesão ao tratamento não tem muito a ver com a gravidade da doença. Por exemplo, a terapia hormonal para mulheres que tiveram câncer de mama funciona muito bem para impedir o retorno da doença. Mas essas mulheres têm de tomar o remédio por pelo menos cinco anos. Só que, depois de quatro anos, 50% já abandonaram o tratamento. A mensagem do médico não foi clara: ele precisa avisar que é um tratamento de longo prazo.

Então é uma questão mais de educação do paciente?

É preciso educar e acompanhar. O médico também tem culpa por não ter um acompanhamento adequado, de contatar o paciente, avisar que há efeitos colaterais.

A relação entre médico e paciente está frágil?

Realmente, na minha opinião, as consultas estão muito curtas e não dá tempo de formar uma relação ali, no consultório. Em um estudo, foram gravadas 185 consultas nas quais os médicos prescreviam medicamentos para doenças crônicas. Só em um terço das consultas os médicos esclareceram para os pacientes que o tratamento era de longo prazo. Além disso, tem o custo dos remédios, algo sobre o qual o paciente pode não estar ciente. Realmente, não me surpreende constatar que depois de um tempo a pessoa pare de tomar o remédio. O problema também pode ser agravado pelo fato de que a maioria das doenças crônicas são silenciosas, não apresentam sintomas. Tratar essas doenças por pouco tempo não adianta nada.

Quais são as melhores estratégias para evitar a descontinuidade do tratamento?

Depende se você está analisando do ponto de vista do médico ou do paciente. Tem de agir em conjunto, porque os dois se beneficiam. Nós, médicos, queremos ajudar o paciente a melhorar a saúde, e o paciente quer viver mais e se sentir melhor. Você tem de ser um defensor de si mesmo e, se você não consegue se manifestar na frente do médico, então leve alguém junto, um amigo ou familiar. Na consulta, o médico tem de ter certeza de que o paciente entendeu todas as implicações da medicação. Não só o nome, a dosagem e quanto vai tomar por dia. O mais importante é o médico informar qual é a perspectiva do tratamento. O paciente tem de saber os riscos e os benefícios para tomar a decisão de continuar ou não. Nós, médicos, precisamos trabalhar não só com o paciente, mas com o sistema de saúde para ajudar a eliminar essa barreira.

Como seria esse trabalho?

Os impactos da interrupção do tratamento são muito grandes. Nos Estados Unidos, estima-se perder US$ 100 bilhões ao ano pela não adesão aos medicamentos. Cento e vinte mil mortes que poderiam ser evitadas acontecem por causa disso. E um terço das internações em hospitais são relativas à não adesão. Acredito que a situação seja similar em outros países. Temos de melhorar o acesso aos tratamentos, trabalhar como governo para reduzir os custos, melhorar as informações sobre as doenças crônicas, informando os pacientes que é algo que ele vai ter de tomar por longo prazo.

Nos países pobres e em desenvolvimento, muitos pacientes ficam sem remédio porque não têm dinheiro para comprá-los. A indústria farmacêutica deveria ser mais flexível nesses locais?

Sim, o custo é uma barreira e é um problema também no meu país, os Estados Unidos. O acesso aos serviços de saúde e o custo do medicamento podem melhorar a adesão ao tratamento.

O senhor acha que os governos deveriam intervir, subsidiando os custos, por exemplo?

É uma solução que pode ser de duas vias. Nos Estados Unidos, o seguro de saúde teoricamente cobre os custos, mas o paciente tem coparticipação. Quanto maior o valor que ele tem de pagar, menor a adesão.