Exatamente às 9h20 de domingo passado, nasceu na cidade paranaense de Tamarana ; a 320km da capital, Curitiba ; o touro girolando Irã 10. O parto poderia ser apenas mais um dentre os milhões que ocorrem nas fazendas brasileiras todos os anos. No entanto, o nascimento do boi, que veio ao mundo pesando 46,5kg, não é nem de longe um fato trivial. Isso porque ele representa a última etapa para o início do funcionamento da primeira ;fábrica; de clones do Brasil, que a partir do próximo ano produzirá cópias de animais reprodutores de alto valor a cada 30 dias. No futuro, os pesquisadores pretendem produzir não apenas clones, mas também animais transgênicos.
Instalada na fazenda experimental da Universidade do Norte do Paraná (Unopar), fruto de uma parceria da instituição com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e com a Universidade de São Paulo (USP), a linha de produção de animais clonados começou a ser planejada em 2008. ;Apesar de a técnica de clonagem de bovinos já ser dominada há alguns anos, em geral os clones são produzidos isoladamente, assim os pesquisadores não têm condição de diferenciar o que são problemas específicos daquele animal, dos problemas da técnica utilizada;, explica o pesquisador da UFPA Otávio Ohashi.
Além de entender melhor a técnica de clonagem, como ocorre em grandes indústrias, a produção em série possibilita um controle maior de todas as etapas do processo, desde o laboratório onde os óvulos clonados são produzidos, até depois que o animal nasce, quando o risco de óbito ainda é grande. ;Assim, enquanto a média de sucesso das inseminações feitas com embriões de clone normalmente é de 13%, na nossa pesquisa esse índice chega a 30%;, comemora o pesquisador.
Moysés Miranda, biólogo da UFPA, que também participa do estudo, que, além do índice de sucesso mais alto, a linha de produção garante mais saúde aos animais. ;É muito comum que animais clonados desenvolvam problemas cardíacos e respiratórios, mas por meio de algumas alterações na produção dos embriões, conseguimos controlar esses problema em nossos clones;, conta o professor. ;Agora estamos tentando resolver a questão do umbigo desses animais, que é bastante sensível, e serve de porta de entrada para infecções;, complementa Otávio Ohashi.
Diferenças sutis
O nome Irã 10, dado ao bezerro recém nascido, se refere ao animal que foi clonado: o touro Irã, reprodutor premiado da raça girolando. Trata-se da décima inseminação de sucesso. Para desenvolver a cópia geneticamente idêntica do animal foram feitas 25 tentativas de inseminação, que resultaram em nove gestações. Além de Irã 10, suas cópias 4, 5 e 8 nasceram vivas e continuam bem após completarem dois meses juntando-se a Canjica 6, reprodutora da raça Brangnus, fruto da primeira experiência do laboratório de clonagem da Unopar nascida em julho deste ano.
Apesar de geneticamente idênticos ao animal original, na prática, os clones podem ser ligeiramente diferentes de suas matrizes. ;Isso acontece porque apesar de terem a mesma carga genética, os clones recebem um tratamento diferenciado do animal original;, explica Ohashi. Isso é o que os cientistas chamam de genótipo. ;Então, já sabendo que esse animal possui uma genética favorável já no seu nascimento, é possível trabalhar desde cedo para que ele tenha condições ambientais ideais para de desenvolver, o que pode resultar em um animal ainda melhor que o original;, afirma Ohashi.
Agora que a produção piloto já foi concluída, novas inseminações estão sendo feitas para que a partir de março o nascimento de clones seja constante. ;Para o próximo ano, a ideia é utilizar essa tecnologia para o desenvolvimento de animais trangênicos, que poderão ser verdadeiras biofábricas ambulantes;, conta Marco Antônio Lafranchi, chanceler da Unopar, instituição que investiu R$ 2,5 milhões no projeto. A primeira experiência nesse sentido será para a produção de insulina a partir do leite. ;Por meio de técnicas de manipulação genética, nós fazemos com que o clone, quando adulto, tenha a capacidade de produzir insulina junto ao leite. Assim, temos um método de produção muito mais barato que o atual, que utiliza bactérias para a produção do medicamento;, comenta o biólogo Paulo Roberto Adona, responsável pelo próximo passo dos estudos. A previsão é que no início de 2012 nasça o primeiro bezerro concebido utilizando a técnica.
Além da produção de medicamentos, outro objetivo dos pesquisadores é compreender melhor a gestação e o parto, conta a professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Angélica Miglino. ;Isso pode, inclusive, nos ajudar a resolver problemas humanos. Compreendendo melhor o processo de desenvolvimento e principalmente os mecanismos do parto, poderemos entender melhor algumas patologias gestacionais;, afirma a veterinária paulista.