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Ciência e Saúde

Em busca da tumba perdida do conquistador Gengis Khan

Projeto une cientistas e amadores em uma expedição arqueológica para desvendar a era de Gengis Khan e encontrar o túmulo do conquistador. A pesquisa é feita pela internet, a partir da análise de imagens de satélite, fotografias e outros dados colhidos na Mongólia

Todo fã de aventura já sonhou em, um dia, encarnar o papel do arqueólogo Indiana Jones. Sempre em busca de descobertas históricas, o personagem criado por Steven Spielberg vivia experiências incríveis, seja em templos hindus sagrados, desertos povoados por nazistas ou cidades perdidas nos subterrâneos da Amazônia. Agora, é possível seguir os passos do explorador de mistérios sem sair do sofá. Um projeto financiado pela National Geographic Society convida internautas do mundo todo a colaborar, pelo computador e em tempo real, com uma expedição que busca desvendar os mistérios de um dos períodos mais interessantes da história: a era de Gengis Khan.

O imperador mongol viveu entre 1162 e 1227 e é considerado o maior conquistador de todos os tempos, comparado apenas a Alexandre, o Grande. Estrategista e arqueiro como poucos, Gengis Khan unificou os povos mongóis e arrebatou territórios como a Rússia e a Ucrânia.

Nem as imensas muralhas da China amedrontaram o guerreiro, que marchou sobre Pequim com seu exército. A vida do imperador é cercada de lendas, como a que diz que, se uma pessoa falar seu nome muitas vezes, os dentes cairão e a boca ficará mole.

Boa parte das fantasias criadas em torno da figura de Khan pode ser associada às condições misteriosas de sua morte. Em agosto de 1227, quando liderava uma segunda campanha na China, ele morreu de causas até hoje desconhecidas. Alguns acreditam que o imperador sucumbiu a uma infecção provocada por um acidente ; durante uma caçada, ele caiu do cavalo. Para aumentar o obscurantismo, o corpo jamais foi encontrado.

Historiadores sugerem que ele pode ter sido enterrado perto das montanhas sagradas onde passou a juventude. Mas, voltando à lenda, conta-se que qualquer pessoa que procurar a tumba de Gengis Khan vai morrer, para que o segredo sobre ela continue eternamente. No melhor estilo de filme de aventura, um fato intriga os arqueólogos: o local de enterro de todos os 33 khans que o sucederam foram encontrados. Menos o do grande conquistador.

É em busca da tumba perdida que a equipe de cientistas responsável pelo projeto e seus colaboradores amadores de todo o mundo estão atrás. A expedição, apelidada de Vale dos Khans, é liderada pelo professor da Universidade da Califórnia em San Diego Albert Yu-Min Lin e conta com a colaboração de pesquisadores de vários centros de arqueologia, incluindo a Associação Internacional para Estudos sobre a Mongólia.

Lin é conhecido por conduzir expedições não invasivas, que exploram os sítios arqueológicos sem destruí-los. Isso é possível graças às novas tecnologias. Para desenvolver o projeto, especialistas de diversas áreas mapearam, fotografaram e geraram imagens por satélite de diversos pontos de interesse da Mongólia. Algumas vezes, os pesquisadores se decepcionaram ; como no dia em que descobriram que um dos sítios mais promissores era, na verdade, um pasto de ovelhas. Mas outras ocasiões foram mais frutíferas. Um dos achados foram os khirigsurs, enormes tumbas circuladas por anéis de pedra datados da Idade do Bronze, mais de 3 mil anos atrás.

Todas essas informações ficam disponíveis no site da exposição, que podem ser analisados pelos internautas. Ao encontrar algo que pareça ser interessante, o participante envia a informação para a equipe de cientistas. Entre os locais que os usuários do site podem explorar está o ;recinto proibido;, a região onde Khan nasceu e que há 800 anos está inexplorada. De acordo com a assessoria de imprensa da National Geographic Society, o objetivo da expedição é procurar sítios arqueológicos que joguem luz sobre a riqueza cultural e histórica da Mongólia, ao mesmo tempo em que respeita os costumes e credos locais.

História abundante
Yu-Min Lin explica que a arqueologia na Mongólia é difícil de ser estudada por causa da natureza nômade de seus habitantes e do tamanho do país ; pouco menor que o estado do Alasca. ;Talvez o principal objetivo do projeto Vale dos Khans seja ajudar a dar voz a essas pessoas (a população local) e proteger uma área onde a história é abundante;, disse Lin ao Correio. Uma das expectativas é que alguns sítios mongóis sejam considerados patrimônio da Humanidade pela Unesco. ;E com a participação das pessoas pela internet, é como se uma multidão estivesse nos guiando;, afirma.

A colaboração do público é possível graças a um portal interativo, que usa o conceito de crowdsourcing, termo que significa a utilização de conhecimento coletivo e voluntário da internet para resolver problemas, criar conteúdos ou desenvolver novas tecnologias. Graças a esse tipo de participação, leigos já conseguiram descobrir estrelas em observatórios astronômicos virtuais. Agora, eles são convocados a desvendar os mistérios de Gengis Khan.

Até agora, mais de 6 mil pessoas localizaram um milhão de áreas de interesse dos arqueólogos. Uma das voluntárias mais ativas é Allison Shefcyk, 24 anos, americana de West Hartford. Desde criança, ela queria ser arqueóloga. Assim que soube do projeto, interessou-se. ;Quando ouvi falar da expedição, decidi aprender mais sobre a Mongólia para ter uma ideia melhor sobre o que eu estaria procurando. Rapidamente, fiquei cativada por esse único e lindo país;, diz Allison, que já apontou 50 mil locais onde possivelmente existem riquezas arqueológicas. Para Yu-Min Lin, explorações e projetos de pesquisa futuros deverão ampliar o uso do crowdsourcing. ;Ainda estamos muito longe do dia em que a observação humana se tornará obsoleta. Muitos dos problemas da ciência estão abaixo da capacidade de resolução dos computadores;, lembra.

Sociedade centenária
Com mais de 100 anos de história, a National Geographic Society é uma das maiores organizações não governamentais científicas e educacionais do mundo. Ela foi fundada em 1888 com o objetivo de aumentar e difundir o conhecimento geográfico. Ao longo do tempo, a sociedade custeou mais de 9 mil projetos de pesquisa científica, exploratória ou de conservação pelo globo

Herói sofrido
Nascido Temujin, seu nome original, Gengis Khan passou por uma infância sofrida e traumática. Aos 9 anos, viu seu pai assassinado por uma tribo rival. Na adolescência, ele e a família foram expulsos do clã e tiveram de aprender a sobreviver caçando e plantando nos rigorosos invernos da Mongólia.

Vale dos Khans
Para participar da expedição, é preciso entrar no site http://exploration.nationalgeographic.com/expedition.
Todo o conteúdo é em inglês.