Como as infecções hospitalares causadas por bactérias são um problema que assusta o mundo, inúmeras instituições de pesquisa estudam métodos para chegar ao desenvolvimento de alternativas de combate a esses micro-organismos resistentes. É inegável, contudo, que, enquanto a ciência dá um passo, as bactérias dão dois. Elas estão sempre à frente. Os motivos dessa equação desigual estão relacionados à sobrevivência. À medida que a medicina avança com drogas mais potentes, as bactérias desenvolvem mecanismos de defesa distintos para sobreviverem. Uma luta natural pela vida de ambos os lados.
Sabendo disso, os pesquisadores se debruçam sobre esses mecanismos de resistência. Eles observam, aprendem e analisam cada fator que leva à resiliência bacteriana. Depois de entender os métodos, eles pesquisam substâncias que possam agir sobre a forma de defesa, para então dar início ao desenvolvimento do antibiótico. ;Um trabalho lento, mas de extrema importância;, ressalta Ana Gales, pesquisadora do Laboratório de Resistência Bacteriana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
No Insituto Oswaldo Cruz (IOC), cientistas investigam a ação dos fungos nas bactérias resistentes. Gisela Lara da Costa, doutora em parasitologia, coordena um estudo que selecionou um fungo existente nos artrópodes, mais precisamente nos barbeiros ; aqueles insetos que transmitem a doença de Chagas ;, com ação contra o mecanismo de defesa que deixa a bactéria resistente. ;Esses fungos têm fatores que neutralizam a ação de resistência nas bactérias, fazendo com que os antibióticos ajam de maneira eficaz;, explica Gisela. A pesquisa está bastante adiantada.
Outro estudo que traz perspectivas positivas é o realizado pela Universidade de Amsterdã, na Holanda (veja infografia). Pela primeira vez, os cientistas identificaram um ingrediente do mel que possui uma poderosa ação antimicrobiana. Chamada de defensina-1, essa proteína faz parte do sistema imunológico das abelhas e é passada para o mel. Ela foi descoberta depois que os pesquisadores neutralizaram cada um dos fatores antimicrobianos do mel e ele continuou fazendo efeito contra a bactéria. ;O mel é conhecido por sua atividade antimicrobiana, mas antes não estava totalmente claro como ele mata as bactérias. Agora, está;, diz Paulo Kawakman, coordenador da pesquisa. Com isso, os cientistas concluíram que a defensina-1 e os outros fatores antimicrobianos já conhecidos ; peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e metilglioxal ;, associados a baixos valores de PH, são responsáveis por uma atividade antimicrobiana mais eficaz contra a Staphylococcus aureus resistente à vancomicina (MRSA), a Enterococcus faecium, a Escherichia coli e a Pseudonomas aeruginosas.
Kawkman e sua equipe trabalham agora para começar os testes clínicos, no Departamento de Medicina Intensiva do Centro Médico Acadêmico de Amsterdã, para avaliar se a aplicação diária do mel no tratamento reduz a colonização na pele nos locais de inserção de cateteres. Infecções da corrente sanguínea relacionadas aos instrumentos são um grande problema para pacientes criticamente enfermos. ;A redução da colonização de bactérias no local em que o cateter está inserido pode ajudar a prevenir as infecções;, diz Kwakman.
Nanotecnologia
Um grupo de cientistas americanos, do Instituto Politécnico Rensselaer, utilizaram as técnicas da nanotecnologia e uma enzima natural para desenvolver uma alternativa eficaz contra as bactérias resistentes. Eles criaram um revestimento capaz de eliminar a bactéria MRSA, que infecta hospitais ao redor do mundo. O segredo está na mistura de nanotubos de carbono com a lisostafina ; uma enzima natural usada por cepas não patogênicas de bactérias da família Staph para se defender da Staphylococcus aureus, incluindo a MRSA. Durante os testes, 100% das MRSAs em solução morreram dentro de 20 minutos em contato com uma superfície pintada com o nanorrevestimento.
Segundo Jonathan Dordick, coordenador do estudo, a enzima é ligada aos nanotubos de carbono por uma cadeia de polímero flexível, o que aumenta sua capacidade de atingir as bactérias MRSA. ;É um sistema no qual a superfície contém uma enzima que é segura para lidar. A MRSA entra em contato com a superfície e simplesmente morre;, explica Dordick. Ao contrário de outros revestimentos antimicrobianos, a cobertura é tóxica somente para a MRSA. Além disso, não depende de antibióticos e não sofre lixivação, ou seja, não libera substâncias químicas no ambiente ao longo do tempo. As bactérias mortas também não entopem o sistema, que continua ativo, podendo ser lavado repetidamente sem perder a eficiência.
Dordick ressalta que a enzima lisostafina é ;extremamente seletiva;. Ou seja, ela não funciona contra outras bactérias e não é tóxica para as células humanas. ;Passamos um bom tempo demonstrando que a enzima não sai da tinta durante os experimentos;, esclarece o pesquisador. Agora, a equipe quer testar o nanorrevestimento nas paredes e em instrumentos cirúrgicos. ;Faremos isso com camundongos, para depois passarmos para os seres humanos;, aponta Jonthan Dodrick.
Mesmo com inúmeras pesquisas sendo realizadas pelo mundo, ainda são poucas as alternativas contras os micro-organismos resistentes. Por isso, centros de pesquisas médicas dos Estados Unidos e da Europa lançaram a campanha Bad Bugs Need Drugs, que frisa o desenvolvimento de antibióticos até 2020. ;A campanha busca incentivar pesquisas e políticas públicas para elas, o que já é feito nos EUA;, esclarece Chantal M. Morel, pesquisador do Departamento de Saúde da Escola de Economia e Política em Pesquisa de Londres (LSE, sigla em inglês).