Ciência e Saúde

"Muletas psicológicas" podem ser sinal de que algo vai mal

postado em 26/10/2010 07:43
Da mesma forma como as pessoas que têm alguma dificuldade para andar necessitam de algum suporte, como uma bengala, ao deparar-se com uma situação difícil, o ser humano procura se firmar em algo ou alguém para conseguir superar a fase complicada. Assim como o bastão, essas ;muletas psicológicas; amparam quem não consegue seguir a vida com as próprias pernas.

[SAIBAMAIS]Por encontrar-se emocionalmente fragilizada, a pessoa tem dificuldades de tomar decisões por conta própria, criando uma relação de dependência com esse fator externo que a faz se sentir mais segura. De acordo com a psicoterapeuta Márcia Mossurunga, o artifício é, até certo ponto, válido, pois representa um conforto psicológico. No entanto, se a alternativa encontrada para superar um sentimento traz constrangimento social ou cria um julgamento negativo a respeito de si mesmo, é sinal de que algo está errado. E, aí, é bom procurar ajuda de um profissional. ;O grande diferencial entre uma crise e uma situação contínua é quando você percebe que o poder de decisão está relacionado com outro, um objeto ou uma instituição;, diz Márcia.

Laura*, 49 anos, é um exemplo de como a relação de dependência com um fator externo pode passar do limite saudável. Durante a maior parte de sua vida, ela viveu em função do ex-marido. ;Fui dona de casa durante 20 anos. Não tive experiência de vida. E meu marido era muito presente;, conta. Como vivia sempre dentro de casa, ela não tinha coragem de sair para a rua depois das 18h. ;Sempre tive medo de gente;, confessa. ;Se meu marido estivesse por perto, eu sentia que estava firme, mas não conseguia ficar sozinha nem por meia hora.;

Há 12 anos, ela sofreu uma isquemia cerebral e ficou com o lado esquerdo do corpo paralisado por cinco horas. A experiência, apesar de traumática, fez com que Laura repensasse sua atitude. ;Resolvi voltar a estudar e começar a trabalhar;, conta. Os passos rumo à autonomia, porém, não foram bem recebidos pelo companheiro, que não aceitava a nova Laura. O ciúme, ela acredita, acabou separando o casal. ;Ao ficar sozinha, deparei-me com outros medos. Descobri que nem fazer compras para as minhas filhas eu sabia;, lembra.

Ainda cheia de medos, mas sem o suporte do marido, Laura seguiu adiante. Conseguiu um emprego de cobradora. Para vencer seus temores e superar a separação, buscou ajuda na psicoterapia. As sessões a ajudam a se sentir cada vez mais confiante em si mesma. ;Eu não quero deixar de depender de um para depender de outro. Quero ser sozinha. Se eu tiver mais alguém na vida é porque gosto da companhia;, afirma. Nem a rotina desgastante a desanima ; há dias em que Laura chega do trabalho a 1h. ;Apesar de tudo pelo que passei, hoje me sinto vitoriosa;, orgulha-se.

O tratamento mais indicado para lidar com problemas como o de Laura é mesmo a psicoterapia, de acordo com a diretora do Conselho Regional de Psicologia da 1; Região, Ana Paula Pongelupe. ;Por meio dela, a pessoa consegue analisar de onde surgiram os problemas, a insegurança e a dificuldade de lidar com as frustrações;, explica.

O tratamento, no entanto, não é imediato. Desprender-se da muleta psicológica de uma hora para outra não é fácil, porque, assim como alguém com problemas de locomoção pode cair ao soltar sua muleta, a pessoa emocionalmente abalada pode sofrer muito se perder seu apoio de uma hora para outra.

;Para ela não se sentir desprovida de repente, é preciso um trabalho de fortalecimento de personalidade, um resgate natural da autoconfiança. Assim, é possível que ela deixe as dependências, seja do álcool, das drogas ou do companheiro, por exemplo;, descreve o psicólogo Alberto Maury. Segundo ele, como meio de identificar se a dependência está excessiva, é bom estar atento aos comentários dos amigos e familiares sobre os atos. Isso ajuda a pessoa a perceber se as atitudes estão avançando para um estágio fora do comum (veja quadro).

Transtorno
Em alguns casos, essa relação de dependência é tão grande que pode representar o que os especialistas chamam de transtornos obsessivos-compulsivos (TOC). Segundo explica Ana Paula Pongelupe, o TOC é a necessidade de contar com coisas externas para alcançar segurança interna. ;Elas transferem a necessidade de autoafirmação para outra coisa;, diz.

Autor do livro Vencendo o transtorno obsessivo-compulsivo, o psiquiatra Aristides Volpato esclarece que, enquanto a ;muleta; é um atraso de desenvolvimento psicológico, o TOC é um distúrbio psiquiátrico, caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões. ;Obsessões são pensamentos, imagens e ideias que invadem a mente contra a vontade. Então, para aliviar o medo ou a aflição, a pessoa se vê obrigada a tomar certas atitudes, que são as compulsões;, afirma. Ele pontua as manifestações mais comuns: lavar as mãos o todo tempo, conferir portas e janelas para se sentir seguro, juntar objetos que poderiam ser descartados e ter pensamentos repugnantes, agressivos e impróprios.

Cordioli esclarece que o tratamento para a doença, além de terapia cognitivo comportamental, onde os pacientes entram em contato com os medos para, aos poucos, conseguir encará-los, há medicamentos inibidores da recaptação da serotonina, neurotransmissor que reduz os sintomas dos transtornos.

Uma das vítimas do TOC foi a auxiliar de escritório Adriana Viaro, 30 anos. Quando ainda era adolescente, aos 13, ela começou a imaginar a morte de pessoas próximas. Para evitar que seus temores virassem realidade, ela desenvolveu rituais de proteção. ;Tenho um filho de 4 anos e uma filha de 9, então, em tudo que faço, conto os números para que não pare nas idades deles. Por exemplo, abro e fecho as gavetas no mínimo cinco ou 10 vezes;, explica. Nas crises de medo, Adriana chegou a ficar parada no mesmo lugar, por quase 10 minutos, balançando para frente e para trás.

Há um ano, Adriana procurou tratamento. Além de tomar medicamentos, ela faz terapia uma vez por semana. ;Eu não sabia o que era a doença. Só depois de ver na televisão tomei conhecimento e tive coragem de procurar ajuda;, conta. Ela confessa que tem pensamentos tão horríveis que só tem coragem de dividir com o médico.

Para a auxiliar de escritório, é muito bom ter alguém que a escute sem julgá-la. ;Com o tratamento, muita coisa melhorou. Eu não conseguia sair pela porta de serviço do apartamento, também tinha sempre que verificar atrás das portas. Hoje, já consigo viver bem mais tranquila e segura;, comemora. Para ela, o remédio foi ótimo para controlar a ansiedade, mas a terapia é que realmente ajudou. ;Melhorei principalmente depois que passei a ir à psicóloga toda semana. Finalmente consegui me livrar de vários rituais.;

; Nome fictício a pedido da entrevistada


Ajuda necessária

A necessidade de precisar de algo ou alguém passa dos limites e torna-se dependência quando:

; As atitudes causam constrangimento social, prejuízo à personalidade ou julgamento negativo por parte de amigos e familiares

; O poder de decisão está relacionado com outra pessoa, um objeto ou uma instituição

; A pessoa apoia-se demais em amigos ou familiares para tarefas que deveria realizar sozinha

; O indivíduo não tem autonomia para agir

; A baixa autoestima inibe decisões

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