Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Cães também podem ser pessimistas como seus donos, revela pesquisa

Pesquisa conduzida no Reino Unido aponta que cachorros abandonados por seus donos passam a agir como se estivessem esperando pelo pior. Cientistas, porém, não conseguem afirmar se o comportamento é consciente, como nos humanos

Entre um pote cheio de comida e outro vazio, é difícil imaginar que um cachorro vá optar pelo segundo. Mas isso pode acontecer. Quando sentem falta do dono, os bichos de estimação são capazes de evidenciar a ansiedade de muitas formas. Alguns tornam-se mais agressivos, latem além da conta, quebram coisas e demarcam território pela casa toda. Outros também demonstram um comportamento até então desconhecido pelos especialistas no assunto: o pessimismo.

Embora não se possa afirmar que o sentimento é consciente, cientistas da Universidade de Bristol, na Inglaterra, descreveram pela primeira vez os resultados de uma pesquisa indicando que os cães também podem ser pessimistas. Para isso, fizeram um teste envolvendo uma das coisas que eles mais gostam: comida. Para a surpresa dos veterinários, alguns participantes do estudo fugiram do prato cheio, como se ;achassem; que não poderiam esperar nada além do que uma vasilha vazia. ;Os cachorros mostraram ;decisões pessimistas; no sentido de que fizeram escolhas indicando que eles estavam esperando o pior;, disse ao Correio Mike Mendl, chefe do grupo de pesquisa sobre comportamento animal da Universidade de Bristol e principal autor do estudo (leia entrevista).

Vinte e quatro cachorros de ambos sexos, entre 9 meses e 9 anos, participaram da pesquisa, realizada em abrigos para animais. Os bichos testados haviam sido abandonados pelos donos entre sete e 12 dias antes do experimento, e cada um deles havia participado, previamente, de um teste para avaliar o nível de estresse em consequência de terem sido largados.

Cada um dos cachorros foi levado por um pesquisador para um quarto, onde interagiram por cerca de 20 minutos. No dia seguinte, ambos voltaram ao recinto, mas, depois de um pequeno período de brincadeiras, o pesquisador abandonava o local e deixava o cão sozinho por cinco minutos. Uma câmera filmava as reações do animal e era usada para calcular o nível de estresse. Dois dias depois, cada cachorro foi submetido a um teste para saber como estava do ponto de vista afetivo e de humor. Entre as variáveis avaliadas estava o julgamento ;pessimista;, que significa responder de forma negativa a estímulos bons, como um prato cheio de comida.

Os animais foram treinados para se movimentar, a partir de um ponto inicial, até uma vasilha de ração. Quando estava posicionada em um lado do quarto, ela continha comida. A outra, porém, estava vazia. Depois de verificarem que os animais já estavam condicionados e sabiam onde encontrar a ração, o teste começou. Sozinhos, os cães poderiam escolher entre um ou outro recipiente. Aqueles cujo teste de estresse relacionado à separação foram os mais ;pessimistas; sabiam que em uma das vasilhas havia comida, mas, como se esperassem que nada de bom estivesse reservado a eles, simplesmente se posicionavam perto do recipiente vazio. Nenhuma raça ou sexo em particular mostrou-se mais propenso ao pessimismo. O que contou, realmente, foi o estresse provocado pela separação.

Tratamento
A pesquisa, publicada pelo periódico especializado Curent Biology, foi financiada pela Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, principal organização não governamental mundial dedicada à proteção dos animais. Samantha Gaines, uma das presidentes da ONG, conta que, todos os anos, muitos cachorros são abandonados porque apresentam sintomas relacionados ao estresse da separação. No Reino Unido, estima-se que 50% dos cães vão apresentar, em algum estágio da vida, um comportamento de estresse relacionado à separação dos donos. ;Alguns donos pensam que o cão desenvolver ansiedade em resposta à separação é normal e não procuram tratamento para seus pets;, critica Samantha. ;Alguns cães podem ser mais propensos a desenvolver um estado emocional pessimista e devem ser adotados por pessoas conscientes;, afirma.

De acordo com Mike Mendl, os donos devem levar em conta que precisam procurar ajuda quando seus cachorros apresentam sinais de ansiedade e comportamento pessimista. ;Os tratamentos para o comportamento relacionado à separação geralmente são muito bem-sucedidos;, afirma. Ele conta que alguns dos coautores da pesquisa publicaram um artigo previamente mostrando que a terapia apropriada melhora em 90% o comportamento do animal. ;O tratamento envolve ensinar os cachorros a serem menos dependentes e técnicas para deixá-los progressivamente mais relaxados quando deixados sozinhos. Em alguns casos mais severos, também pode ser necessário o uso de remédios, além da terapia comportamental;, explica.


Entrevista
Mike Mendl
Chefe do grupo de pesquisa sobre comportamento e bem-estar animal da Universidade de Bristol

O fato de o cachorro escolher uma vasilha vazia é suficiente para determinar que esse animal é pessimista? Além da ansiedade e do pote que ele escolheu, o cachorro deu outros sinais de pessimismo?
O teste da vasilha foi proposto para entendermos como os animais fazem suas decisões. Interpretamos as escolhas levando em consideração o que o cachorro espera encontrar. Os cachorros mostraram "decisões pessimistas" no sentido de que fizeram escolhas que indicaram que eles estavam esperando o pior em relação às duas coisas ofertadas -- neste caso, a falta de comida. Esse teste fornece uma medida sistemática do "pessimismo" nesse sentido. Não temos outras formas de medir esse comportamento.

A pesquisa mostra que cachorros podem ter alguns tipos de sentimento, até agora, atribuídos apenas a seres humanos?
Nossos resultados não implicam que cachorros têm um comportamento pessimista consciente, como os humanos. Não podemos ter certeza de que outras espécies, além da humana, experimentam esse sentimento de forma consciente. Nós usamos o termo "decisão pessimista" para descrever seu comportamento, mas não o que eles estão experimentando conscientemente. Porém em humanos, pelo menos, pesquisas mostram que decisões pessimistas ou otimistas são indicadores importantes do estado emocional de um indivíduo.

Essa é a primeira vez que esse tipo de comportamento é identificado em cachorros?
Essa é a primeira vez que uma decisão aparentemente pessimista foi estudada em cachorros, mas o comportamento relacionado à separação é bem conhecido e já foi bem estudado anteriormente.

O que os donos de animais podem aprender com os resultados?
Muitos donos de cachorros não consideram que os comportamentos associados à separação estão relacionados a estados emocionais negativos em seus cachorros. Como o resultado do nosso estudo sugere que cachorros que exibem esse comportamento podem estar passando por um estado emocional negativo, é importante que os donos dos animais que mostrem esses sinais procurem ajuda apropriada. Tratamentos para ansiedade de separação são, geralmente, bastante bem-sucedidos. Alguns coautores da pesquisa publicaram um artigo previamente mostrando que a terapia apropriada melhora em 90% o comportamento do animal. O tratamento envolve ensinar os cachorros a serem menos dependentes e técnicas para deixá-los progressivamente mais relaxados quando deixados sozinhos. Em alguns casos mais severos, também pode ser necessário o uso de remédios, além da terapia comportamental.