Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Nobel de Medicina vai para criador dos bebês de proveta

Aos 85 anos, o inventor da técnica de fertilização in vitro, Robert G. Edwards, ganha o maior prêmio científico mundial. Realização do cientista britânico permitiu que milhões de casais de todo o mundo pudessem superar a infertilidade

Em 2008, dois anos antes de conquistar o maior reconhecimento que um cientista pode almejar, o britânico Robert G. Edwards desabafou: ;Não há nada mais importante na vida do que ter crianças;. E ele falou com conhecimento de causa. São cinco filhas, 11 netos e uma vida dedicada a ajudar no nascimento de 4 milhões de bebês de casais inférteis. Nesta segunda-feira (4/10), a recompensa chegou. ;Robert Edwards é agraciado com o Prêmio Nobel (de Medicina) 2010 pelo desenvolvimento do tratamento de fertilização in vitro (IVF, pela sigla em inglês). Suas realizações tornaram possível tratar a infertilidade, uma condição médica que afeta uma grande proporção da humanidade, incluindo mais de 10% de todos os casais do mundo;, afirma o comunicado divulgado pela Assembleia Nobel do Instuto Karolinska, sediada em Estocolmo.

No próprio site do Nobel, mensagens publicadas por anônimos de todo o mundo davam a dimensão da importância de Edwards. ;Se não fosse por você, eu não teria tido meus trigêmeos lindos. Deus o abençoe!”, afirmou um internauta. ;Dr. Edwards, estou neste momento olhando o milagre que você me deu;, postou outro.

O especialista começou a transformar sonhos em realidade ainda na década de 1950. Foram mais de 20 anos de estudos, sozinho e em parceria com o ginecologista Patrick Steptoe, falecido em 1988. Steptoe criou a laparascopia, uma técnica que permite a inspeção dos ovários, com a ajuda de um instrumento óptico. Por meio desse procedimento, ele removeu os óvulos dos ovários da paciente britânica Lesley Brown, enquanto Edwards colocou-os em cultura celular e adicionou esperma.

As células do óvulo fertilizado se dividiram várias vezes e formaram embriões. ;Eu nunca me esquecerei do dia em que olhei pelo microscópio e vi algo engraçado nas culturas;, afirmou Edwards, em 2008. ;O que vi foi um blastocisto humano olhando fixo para mim. Pensei: ;Nós o fizemos;;, acrescentou. Aquele ;algo engraçado; evoluiu para algo que parecia milagroso. Em 25 de julho de 1978, nasceu Louise Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo.

O Correio entrou em contato com a Bourn Hall Clinic, a clínica fundada por Edwards e Steptoe, em Cambridge. Por telefone, Mike MacNamee ; chefe executivo da instituição e ex-aluno do mais novo Nobel de Medicina ; contou que seu professor não tem se sentido bem nos últimos dias, por estar com a idade avançada. Aos 85 anos e avesso à fama, Edwards rejeitou ontem pedidos de entrevista e aparições públicas. ;Falei com o doutor Edwards e ele está muito contente;, comentou. ;Ele disse que esse foi um reconhecimento verdadeiro pelo que ele fez a casais por todo o mundo. Sua principal preocupação sempre tem sido resolver os problemas da fertilidade.;

Segundo MacNamee, o Nobel de Medicina é um homem apaixonado pela profissão. ;Edwards acredita fundamentalmente no que está tentando alcançar e se dedica a dar crianças para casais desafortunados. É muito aberto sobre o trabalho e costuma explicar a toda a comunidade médica suas intenções;, lembra.

Vaticano reprova

O presidente da Pontifícia Academia para a Vida, monsenhor Ignacio Carrasco de Paula, avaliou como ;fora de lugar; a concessão do prêmio. ;Sem Edwards, não existiriam congeladores em todo o mundo cheios de embriões que, no melhor dos casos, vão ser trasladados para úteros, mas que provavelmente serão abandonados ou morrerão. Desse problema é responsável o recém-premiado com o Nobel;, atacou o religioso. O religioso, designado em junho passado para dirigir a instituição do Vaticano encarregada dos problemas de biomedicina e da defesa da vida, considera que Edwards é também responsável pelo mercado mundial de gametas femininos (óvulos). O Vaticano considera ;moralmente ilícita; a fecundação em proveta e a eliminação voluntária de embriões que ela comporta.

Lista dos premiados com o Nobel de Medicina dos últimos 10 anos:

2010: Robert Edwards (Reino Unido)

2009: Elizabeth Blackburn (Austrália-Estados Unidos), Carol Greider e Jack Szostak (Estados Unidos)

2008: Harald zur Hausen (Alemanha), Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier (França)

2007: Mario Capecchi (Estados Unidos), Oliver Smithies (Estados Unidos) e Martin Evans (Reino Unido)

2006: Andrew Z. Fire (Estados Unidos) e Craig C. Mello (Estados Unidos)

2005: Barry J. Marshall (Austrália) e J. Robin Warren (Austrália)

2004: Richard Axel (Estados Unidos) e Linda B. Buck (Estados Unidos)

2003: Paul C. Lauterbur (Estados Unidos) e Peter Mansfield (Reino Unido)

2002: Sydney Brenner (Reino Unido), John E. Sulston (Reino Unido) e Robert Horvitz (Estados Unidos)

2001: Leland H. Hartwell (Estados Unidos), R. Timothy Hunt (Reino Unido) e Paul M. Nurse (Reino Unido)

Fatos sobre a fertilização in vitro

O britânico Robert Edwards foi anunciado vencedor do Prêmio Nobel de Medicina 2010 pelo desenvolvimento da fecundação in vitro, técnica que ajuda casais com problemas de fertilidade a ter filhos. Abaixo, alguns fatos sobre esse revolucionário tratamento.

- Para realizar a fecundação in vitro, os médicos coletam o óvulo da paciente e o fertilizam em laboratório com os espermatozoides do futuro pai. O óvulo começa a se dividir e torna-se um embrião dentro de um fluido nutritivo. Em seguida, é implantado no útero da mãe. Normalmente, os médicos inserem vários embriões para aumentar as chances de sucesso do tratamento.

- Mais de 3,75 milhões de bebês já nasceram graças à fertilização in vitro desde Louise Brown, o primeiro ;bebê de proveta; da história, há 32 anos. Mais de 250 mil nascem todos os anos. Entre 20% e 30% dos óvulos fecundados em laboratório levam ao nascimento de um bebê, mas a taxa de sucesso varia de acordo com a idade da mãe -- quanto mais jovem, mais chances.

- A maioria dos tratamentos de fecundação in vitro é feito por mulheres entre 30 e 39 anos. Mais da metade das pacientes está na Europa, e os países nórdicos, liderados pela Dinamarca, têm a maior quantidade de médicos especializados na técnica.

- Gestações múltiplas são um dos maiores problemas enfrentados por pacientes que se submetem ao tratamento. A gravidez de mais de uma criança traz riscos extras para os bebês, que podem nascer abaixo do peso ou sofrer com problemas de desenvolvimento, embora esta tendência venha diminuindo. Em 2000, 26,9% dos embriões implantados deram origem a gêmeos e trigêmeos; em 2006, esta taxa caiu para 20,8%. A porcentagem é maior nos países em desenvolvimento.

- A fertilização in vitro levou ao desenvolvimento da injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI, pela sigla em inglês), que consiste em injetar um único espermatozoide no óvulo e é usada quando este é de difícil penetração. O nível de sucesso para esta técnica é quase igual ao da fecundação in vitro.

- Um em cada seis casais no mundo passa por alguma forma de problema de infertilidade pelo menos uma vez durante seu período fértil. A infertilidade é relacionada a causas psicológicas e a hábitos como o fumo, o sobrepeso e o estresse, além da idade.

Fontes: Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE, na sigla em inglês) e Comitê Nobel