Entre 29 de novembro e 10 de dezembro, líderes internacionais terão uma nova chance de mudar o destino do planeta. Depois das negociações frustradas na 15; Conferência das Nações Unidas Sobre o Clima, a COP-15, realizada no fim de 2009 em Copenhague, na Dinamarca, a anfitriã de uma nova rodada de negociações sobre o tema será Cancún, no México. Mais uma vez, posições divergentes e por vezes antagônicas serão confrontadas na busca por um novo acordo para substituir o protocolo de Kyoto, que expira em 2010.
O embaixador extraordinário do Brasil para Mudanças no Clima no Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Sérgio Serra, conversou com o Correio sobre os resultados da COP-15 e as expectativas para a COP-16. O diplomata terá a missão de ser um dos líderes da equipe que desembarcará no fim do mês no balneário mexicano, para negociar com delegações do resto do mundo formas de diminuir a emissão de gases poluentes e solução para os problemas ; por vezes irreversíveis ; trazidos pelo aumento constante da temperatura terrestre.
Havia uma expectativa de que concluíssemos esse processo de negociação em Copenhague, o que não ocorreu, então, acho que é mais realista pensarmos que o encontro do ano passado foi uma etapa, bastante importante inclusive, e que, da mesma forma, esse processo não deve se encerrar esse ano na COP-16, em Cancún, e sim na COP-17, em 2011, na África do Sul
As metas e os compromissos que o Brasil assumiu diminuíram muito as cobranças em cima de nós. Nossas metas foram universalmente consideradas ambiciosas. Há menos pressão sobre nós do que há sobre outros países que não puseram números tão concretos na mesa
Talvez os pontos que já estão mais próximos de um acordo deveriam avançar ou ser concluídos este ano, como, por exemplo, os financiamentos de curto prazo. Do contrário, a reunião do ano que vem, na África do Sul, terá que resolver tudo;
Acordo amplo só em 2011
Muitos especialistas esperavam resultados mais concretos da COP-15. Para o senhor, a convenção conseguiu atingir seu objetivo?
A COP-15 teve uma conclusão muito tumultuada. O chamado Acordo de Copenhague, feito no apagar das luzes da reunião, não conseguiu a aprovação consensual.
Embora só seis países estivessem explicitamente contra o acordo, isso fez com que, pelas normas das Nações Unidas, a COP só tenha ;tomado nota;, não o transformado em um dispositivo com valor legal. Isso foi frustrante para a maioria das delegações e para a opinião pública mundial, mas a reunião não deixou de representar um passo importante para a resolução dos problemas ambientais. Esse acordo contém elementos importantes, que estão servindo de base para as atuais discussões.
Mas países desenvolvidos e em desenvolvimento mantêm posturas opostas nas políticas climáticas.
Com certeza. O Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU tinha recomendado que os países industrializados reduzissem suas emissões entre 25% e 40%, tendo como referência os níveis de 1990. As metas que estão em anexo ao acordo feito na Dinamarca não chegam nem perto disso. Por outro lado, as ações propostas pelos países em desenvolvimento, como o Brasil, são bastante ambiciosas e se mantêm com folga dentro do limite proposto pela ONU. O acordo diz que ;os países farão todos os esforços para que o aquecimento global não atinja no fim do século mais que 2;C sobre a temperatura da época pré-industrial;. O problema é que, somando as emissões que todos os países propuseram cortar, o aumento na temperatura seria muito maior.
Então o resultado da COP-15 foi meramente político, e não se traduziu em resultados concretos?
Não absolutamente. De positivo, o acordo tem algumas cláusulas financeiras que são bastante razoáveis. O acordo prevê um financiamento a longo prazo para a mitigação do efeitos do aquecimento global, no valor de US$100 bilhões anuais, a partir de 2020. Ele também prevê um financiamento de curto prazo, destinado sobretudo para ações emergenciais, para a adaptação de áreas que já sofrem com os efeitos das mudanças climáticas, principalmente nos países menores, como alguns africanos e asiáticos que já enfrentam esse problema. Para essas ações, o financiamento deve ser de US$ 30 bilhões. Nós achamos que ainda não é um compromisso ideal, mas bastante razoável.
A COP-16, em Cancún, tem chamado muito menos a atenção da opinião pública. O senhor acredita que isso facilitará as negociações?
Acho que se trata de uma faca de dois gumes. O fato de se trabalhar com menos pressões leva a uma negociação mais tranquila, dando mais atitude de ação aos negociadores. Por outro lado, a pressão da opinião pública, da sociedade civil e da mídia é importante para exigir que haja resultados. Havia uma expectativa de que concluíssemos esse processo de negociação em Copenhague, o que não ocorreu, então, acho que é mais realista pensarmos que o encontro do ano passado foi uma etapa, bastante importante inclusive, e que, da mesma forma, esse processo não deve se encerrar esse ano na COP-16, em Cancún, e sim na COP-17 em 2011, na África do Sul.
E qual é a posição brasileira nesse processo de negociação?
Estamos bastante confortáveis. As metas e os compromissos que o Brasil assumiu diminuíram muito as cobranças em cima de nós. Nossas metas foram universalmente consideradas ambiciosas. Há menos pressão sobre nós do que há sobre outros países que não puseram números tão concretos na mesa. Sem dúvida, nosso maior trunfo são esses compromissos de redução da emissão de CO2. O Brasil vai procurar exercer o papel que normalmente vem tendo nesse tipo de debate, que é atuar como negociador, e servir de ponte entre os diversos grupos, procurando apresentar soluções engenhosas para resolver impasses.
Se na sua opinião as negociações não se concluirão esse ano, na COP-16, qual será o papel do encontro de Cancún?
Nós temos que evitar é que a COP-16 seja uma mera reunião de rotina. Temos que dar substância. Mesmo que não se conclua completamente o pacote de negociações, alguma coisa precisa sair definida de Cancún, até mesmo para trazer de volta a confiança a esse processo de negociação, que ficou muito abalado com a frustração de Copenhague. Talvez os pontos que já estão mais próximos de um acordo deveriam avançar ou ser concluídos este ano, como, por exemplo, os financiamentos de curto prazo. Do contrário, a reunião do ano que vem, na África do Sul, terá que resolver tudo.
O senhor citou diversas vezes que as negociações econômicas estão mais avançadas do que as climáticas propriamente ditas. É mais fácil negociar fatores financeiros do que ambientais?
Pode até parecer meio absurdo achar isso, afinal, o mundo ainda está se recuperando de duas crises financeiras bem sérias. Mas não dá para negar que o financiamento de curto prazo é a questão que mais avançou em Copenhague, ao ponto de estar bastante explicitado no acordo. Agora seria o momento de disponibilizar esse dinheiro. É claro que mesmo a questão financeira não está totalmente resolvida, até porque não está tão bem definido como será o financiamento a longo prazo. Como ele vai ser feito e de onde virão os recursos são questões um pouco mais complicadas.
Um dos entraves das negociações da COP-15, foi a postura americana. O senhor acredita que, com a crise mais controlada, os EUA devem assumir compromissos mais ambiciosos?
A recuperação econômica ainda não é sustentável. Há uma luz no fim do túnel, mas há analistas que ainda acreditam que pode haver uma nova queda. De qualquer forma, a melhora com relação a 2009 facilita um pouco as coisas. Mas não acho que as metas de redução das emissões de CO2 pelos EUA devem mudar muito. Infelizmente, nesse ponto não vejo muitas possibilidades de avanço. A razão principal é que o Congresso americano suspendeu a tramitação de seu projeto de lei sobre mudanças no clima e sobre energia. Então, os outros países desenvolvidos ficam esperando o que os EUA vão decidir, para então se posicionarem, e essa decisão americana não deve sair antes de Cancún.
Os EUA são decisivos na postura dos demais países desenvolvidos?
Nesse ponto, as considerações ambientais perdem um pouco de predominância para a questão econômica. Os países desenvolvidos têm medo de que, adotando medidas de redução, percam competitividade em suas exportações, em relação aos Estados Unidos, então eles tendem a adotar posturas semelhantes à americana. Espero que os números apresentados em Copenhague sejam melhorados, mas nessa área realmente acho que as grandes questões vão ficar para a África do Sul.
E como fica a China?
Bem, a China apresentou na COP-15 um programa bastante ambicioso de controle de emissões baseado no peso das emissões de carbono por unidade de PIP ; para poder visualizar isso, é como se atualmente para cada ponto percentual que a economia for crescer, ela emita determinada quantidade de carbono. O que eles pretendem é diminuir essa proporção, ou seja, por meio de tecnologias verdes, continuar crescendo, mas emitindo menos CO2. É uma postura diferenciada, mas muito válida.
A convenção do ano passado foi bastante tensa, com a mudança da presidência nos últimos dias e pouco tempo para as principais decisões. O senhor acredita que a COP-16 será mais tranquila?
O próprio caráter da reunião desse ano deve facilitar um pouco as coisas. Em Copenhague, havia 120 chefes de estado. Dificilmente chegaremos a esse patamar em Cancún. O fim da reunião de Copenhague foi muito tumultuado, no fundo, mas lá os líderes tiveram que decidir tudo em apenas um dia e meio. Tivemos problemas de organização, mas essas questões já foram aprendidas pelos novos anfitriões mexicanos.
Para concluir, que expectativas o Brasil leva para a COP-16?
O Brasil continua desejando um resultado ambicioso e equitativo, que seja justo para todas as partes. Também esperamos que esse resultado seja traduzido em documentos vinculantes, que obriguem os países a respeitá-los. Embora achemos que esse pacote mais global não seja concluído antes da COP-17, em 2011, não diminuímos nosso horizonte de expectativas.