Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Pessoas envolvidas em romance costumam ter dois amigos a menos

Especialistas alertam que os apaixonados devem ficar atentos para não desrespeitarem a própria individualidade

Você diminuiria o seu número de amigos em nome de um novo amor? A pergunta pode soar cruel, mas ter de abrir mão de pessoas próximas para viver um relacionamento romântico é praticamente inevitável. Isso é o que concluiu uma pesquisa da Universidade de Oxford, no Reino Unido, publicada no periódico especializado Journal Personal Relationships. Segundo o levantamento, pessoas comprometidas têm, em média, dois amigos íntimos a menos que os solteiros.

A inusitada matemática é resultado, segundo os cientistas, da combinação de dois fatores: a falta de tempo para os amigos provocada pelo compromisso amoroso e a dificuldade que o ser humano tem de manter relações próximas com muitos indivíduos ; segundo a pesquisa, esse número nunca é maior que cinco. Como as pessoas comprometidas já têm um parceiro, sobraria espaço para apenas quatro amigos íntimos. Mas, ao se dedicar ao parceiro, a maioria dos apaixonados só conseguem manter três fiéis companheiros a quem podem recorrer em momentos de crise e desabafar.

O estudo (1) avaliou as relações afetivas de 540 pessoas ; 428 mulheres e 112 homens ;, das quais 368 mantinham relacionamentos amorosos. Uma surpresa indicada pela análise é que os resultados foram parecidos para os dois sexos. Tanto homens como mulheres perdem amigos de forma igual ao iniciarem uma nova relação. ;Foi uma surpresa para nós, não esperávamos esse placar;, revelou o diretor do Instituto de Antropologia Cognitiva e Revolucionária da Universidade de Oxford, Robin Dunbar, ao jornal britânico The Guardian.

Apesar de concordar com o estudo britânico, a estudante Roberta Bontempo Lima, 22 anos, casada há cerca de três meses, acredita que as amizades mais importantes podem ser mantidas. ;Acho inevitável se afastar um pouco, ter menos tempo para sair. Mas acredito que isso não justifica o fim de uma amizade;, opina. Para ela, mesmo sem uma convivência tão próxima, os laços são mantidos. ;Independentemente de sair junto ou ir aos mesmos lugares, o sentimento persiste, a consideração é a mesma, e é isso que importa;, afirma.

Ela diz, no entanto, que já sofreu cobranças de outras pessoas desde que iniciou o relacionamento que depois de 11 meses resultou no casamento. ;Sempre tem aquelas pessoas que reclamam, que dizem que eu sumi, que nunca mais apareci. Mas acho que amizade é isso mesmo. As pessoas têm de entender e respeitar o fato de que não estamos mais disponíveis o tempo todo;, analisa. ;Comigo mesma, quando estava solteira, percebia que algumas amigas se afastavam, mas acho que é completamente normal.;

Para a filósofa do Instituto Nova Acrópole Melissa Andrade, a situação descrita por Roberta é muito comum. ;Vivemos um período de relacionamentos muito superficiais. Assim como a vida é dinâmica, os relacionamentos também são, por isso é normal se afastar de algumas pessoas;, conta. ;No entanto, a amizade que realmente importa não está relacionada à convivência. São os casos daqueles amigos que permanecem anos e anos distantes e, quando se encontram, parece que nunca se separaram;, explica.

Perigo
A filósofa alerta, porém, que a canalização da atenção para um só tipo de relacionamento não é algo recomendável. ;Não faz sentido nenhum abrir mão de uma coisa pela outra. Apesar de ser bem comum as pessoas direcionarem suas energias para um namoro e deixarem de lado os amigos, não é saudável para o relacionamento que isso aconteça;, opina Melissa. ;O ideal é trabalhar para ter relacionamentos mais profundos, que são livres dessa necessidade de presença constante, o que facilita a conciliação com outras formas de relação;, aponta.

Recém-saído de um relacionamento, o bombeiro Waldemar Assunção Maros, 31 anos, acredita que a diminuição no círculo de amizades é fruto de uma mudança no estilo de vida dos casais. ;Quando se está em um relacionamento, em geral se prefere programas mais calmos, como ficar em casa ou ir ao cinema. O afastamento dos amigos que vão para baladas e programas mais agitados é quase inevitável;, observa. Ele acredita, entretanto, que nem todas as amizades são prejudicadas de maneira semelhante. ;Por mais que o casal tenha de gastar mais tempo um com o outro e se afaste, sempre existe um pequeno núcleo que permanece.;

Assim como Waldemar, quem sai de um relacionamento em que o círculo de amigos é reduzido pode ter problemas. ;Quando isso acontece, o indivíduo corre o risco de perder a individualidade. Aí, quando o relacionamento acaba, é muito comum ele se sentir perdido, fora do seu próprio eixo;, descreve a psicóloga Ternise Castelar. ;Existem dois lados: o da pessoa que passa a gravitar ao redor da outra e anula sua própria vida e o da que adota uma postura egocêntrica e impede que o companheiro viva outras experiências;, completa.

Discordando de muitos comprometidos, o assistente executivo Israel Saturnino, 22 anos, casado há dois, acredita que amigos e relacionamentos podem sim andar juntos. ;Isso depende do tipo de amigos que você tem. Se boa parte de seus amigos também estiver comprometida, fica mais fácil;, explica. ;É como mudar de cidade. Parte dos amigos fica para trás e um novo círculo se forma. O importante é o casal conversar e avaliar o que fará bem ou não para a vida conjugal, afinal, há amizades que ajudam o casal a passar pelos momentos difíceis;, ressalta.

Ele pondera que, dependendo do estilo de vida que se leva, as mudanças podem ser muitas, chegando a dividir a vida em pré e pós-conjugal. ;O casamento é algo em que se assume vários compromissos, por isso acabamos deixando alguns hábitos do passado. Isso acontece, por exemplo, com aqueles amigos de farra. É impossível manter a harmonia a dois, no casamento, e continuar saindo para esse tipo de programa;, acredita.

Para Ternise Castelar, o ideal é que o relacionamento mantenha o equilíbrio. ;Estar com alguém deve significar um encontro, quando uma individualidade se encontra com outra individualidade, formando uma espécie de terceira pessoa, o casal;, sugere. ;No entanto, esse encontro jamais deve acontecer anulando ou sufocando o mundo de cada um. A pessoa deve se situar no mundo, encontrar-se, para não passar a viver a vida do outro e se esquecer da sua própria;, conclui.

1 - Redes sociais

A pesquisa britânica também comparou o comportamento de homens e mulheres em relação às amizades virtuais. Utilizando como referência a quantidade de amigos que os entrevistados tinham no Facebook, a pesquisa concluiu que, em geral, as mulheres preferem manter contato virtual apenas com as pessoas que são próximas. Já os homens têm mais amigos, mantendo em suas redes sociais pessoas distantes.