Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Cientistas descobrem que superbactérias são resistentes, porém suicidas

Ao contrário do que se imaginava, esses micro-organismos unicelulares ganham resistência contra medicamentos não por mutações genéticas, mas por uma espécie de %u201Csuicídio altruísta%u201D. As mais fortes se sacrificam para proteger as mais fracas

Inimigas letais dos seres humanos, as bactérias são de um altruísmo invejável entre si. Levando a sério o termo trabalho em grupo, esses micro-organismos são capazes de se autodestruir em prol da sobrevivência de uma colônia. A descoberta, feita por pesquisadores do Howard Hughes Medical Institute (HHMI), na Inglaterra, surpreendeu os cientistas e pode ajudar a desenvolver novas drogas que combatam uma das características mais desafiadoras desses seres unicelulares: a resistência que criam contra os medicamentos.

A pesquisa, que foi publicada pela revista especializada Nature, mostra que, quando o grupo está ameaçado, as bactérias mais fortes se sacrificam em prol das outras, ao contrário do que se imaginava previamente. Até agora, os cientistas pensavam que a resistência aos antibióticos acontecia quando uma bactéria sofria mutações genéticas, tornando-se indiferente à ação do remédio. Como esses micro-organismos se dividem(1) para criar novos exemplares, achava-se que a superbactéria disseminava a mutação para suas descendentes.

O novo estudo, porém, provou que as bactérias trabalham de uma forma diferente. Quando defrontadas com um ataque violento de antibióticos, a mais resistente Escherichia coli(2) produz ; ao custo da própria energia ; uma proteína que desencadeia um mecanismo de proteção às vizinhas mais fracas. Nos últimos anos, o crescimento alarmante das superbugs, como são chamadas as cepas hiper-resistentes, têm despertado a preocupação de hospitais, que temem uma onda de contaminações. Uma das mais temidas é o estafilococo áureo resistente à meticilina (MRSA, sigla em inglês), que provocou um surto de infecções nos Estados Unidos, em 2005, matando 19 mil pessoas.

Para estudar a resistência das bactérias, o pesquisador James J. Collins e seus colegas da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, cultivaram um micro-organismo em um biorreator ; equipamento que permite controlar o ambiente ao qual os bugs estão expostos. Ainda acreditando que o que fazia os patógenos se tornarem super-resistentes eram as supostas mutações, eles adicionaram no biorreator doses do antibiótico norfloxacina. A ideia era medir, periodicamente, a concentração inibitória mínima (CIM), método que permite verificar o nível de crescimento de uma colônia. Quanto maior o CIM, mais resistente é o micro-organismo.

;Foi quando ficamos completamente paralisados;, conta Collins. Para a surpresa dos cientistas, o CIM de algumas amostras era muito mais baixo do que o da população como um todo. Além disso, a quantidade desses patógenos na colônia era muito pequena ; representavam menos de 1% do total. A equipe, então, analisou as proteínas produzidas pelas bactérias com alto CIM em contato com o antibiótico. Eles descobriram que a triptofanase era abundante. Essa enzima tem como função quebrar o aminoácido tripnofano em pequenos pedaços, sendo que um dos produtos da degradação é o indol, um composto orgânico que fortalece as bactérias vizinhas, à custa de muito gasto energético da superbactéria que o produz.

O indol atua de duas maneiras. Uma delas é estimular as células a expulsar o antibiótico de dentro delas, como se estivessem expelindo um veneno. Como se não bastasse, ele protege as bactérias contra os radicais livres, que levam à oxidação. Há alguns anos, a equipe de Collins já havia descoberto que os antibióticos funcionavam justamente bombardeando as bactérias com radicais livres. ;Agora, nós vimos que o indol bloqueia esse efeito;, diz.

Todo esse mecanismo custa a energia e a vida da superbactéria. Ao comparar o crescimento dos micro-organismos, os cientistas notaram que a produção do indol ;suga as forças; da bactéria generosa. ;Ela não cresce tanto quanto podia, porque passa a produzir indol para todas as outras;, explica o pesquisador. De acordo com ele, esse comportamento ;altruísta;(3) ; que ocorre em diversas espécies do mundo animal, incluindo os humanos ; representa um já conhecido paradoxo para os biólogos evolucionistas: se a evolução favorece o mais forte, porque um indivíduo iria sacrificar sua própria força pelo restante do grupo?

Herança
A descoberta de Collin reforça a teoria da seleção de parentesco, formulada na década de 1969 pelo cientista britânico W.D. Hamilton. De acordo com ele, os organismos precisam se comportar de maneira altruísta com aqueles que compartilham seus genes. Mesmo que esse indivíduo ;especial; não sobreviva, ele está passando suas características às futuras gerações, que vão desempenhar o papel evolutivo. No caso da pesquisa de Collins, as bactérias estudadas pertenciam a uma mesma colônia. Então, ao produzir o indol, os bugs mutantes estavam protegendo sua própria herança genética.

Apesar de as descobertas flutuarem pelo ramo da biologia evolutiva, Collins acredita que as principais implicações do estudo referem-se à saúde pública. De acordo com ele, novas pesquisas sobre antibióticos devem se focar no padrão de produção do idol, de forma a bloquear a habilidade da superbactéria de compartilhar com as outras sua resistência. ;Acredito que nosso trabalho demonstra a necessidade premente de se investir no desenvolvimento de novos medicamentos;, diz. ;A chance de termos novos e perigosos superbugs emergindo são bastante grandes, e estou preocupado que nosso arsenal de antibióticos não dê conta deles. Ainda temos tempo de oferecer uma resposta, mas, para isso, precisamos nos empenhar para expandir as pesquisas e a fabricação de novas drogas;, afirma o cientista.

1 -Reprodução veloz
As bactérias podem se reproduzir com grande rapidez, dando origem a um número muito grande de descendentes em apenas algumas horas.

A maioria delas reproduz-se assexuadamente, por cissiparidade, também chamada de divisão simples ou bipartição. Nesse caso, cada bactéria divide-se em duas outras geneticamente iguais, supondo-se que não ocorram mutações ; alterações em seu material genético.

2 - Potencialmente letal
A E.coli é uma bactéria que pode provocar uma série de doenças, como intoxicação alimentar, infecções do trato urinário, apendicite, meningite e sepse. Essa última tem índice de mortalidade alto, porque o patógeno invade o organismo pela corrente sanguínea, podendo atacar diversos órgãos.

3 - Para os ;amigos;, tudo
Se as bactérias podem ser muito ;generosas; com suas parceiras de colônia, elas também revelam um lado ;cruel; quando se trata de populações vizinhas. Quando encontram um outro grupo, os micro-organismos podem devorá-los, um comportamento conhecido como canibalismo bacteriano. Elas sugam os nutrientes dos subjugados quando suas fontes de energia estão limitadas. Devorar os colegas é uma forma de se autossustentar.