Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Cientistas verificam os efeitos da carência da vitamina B1 em humanos

Ao investigar mecanismo cerebral, cietistas da UFMG descobrem que falta da vitamina B1 em ratos causa sérios danos ao sistema nervoso dos filhotes

Belo Horizonte ; A ideia era entender o mecanismo do cérebro. Mas pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram surpreendidos pela face instigante da ciência: ela pode destruir hipóteses, revelar mais que o imaginado ou abrir caminho para outros estudos. Quando investigavam lesões no cérebro, um fenômeno chamou a atenção. Para causar as disfunções no órgão e, assim, avaliá-las, o grupo provocava a carência de vitamina B1 em ratos. Em animais gestantes, a deficiência causou sérios danos ao desenvolvimento do sistema nervoso de filhotes. E a partir dessa constatação, os cientistas começaram a investigar se o mesmo fenômeno ocorre quando a grávida e a cria são seres humanos.

Responder a questão é desafio agora de trabalhos interdisciplinares feitos por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG, que promove neste fim de semana o 4; Simpósio de Neurociências (informações em www.ufmg.br/4simposioneurociencias). ;A carência da vitamina B1, chamada também de tiamina, pode estar relacionada a problemas de saúde pública do Brasil. Sabemos que há regiões muito pobres em que a alimentação das grávidas não é feita corretamente. Mas descobrimos que não há estudos no país que relacionem a gestação e a deficiência de B1. Caso sejam comprovados os danos, políticas públicas podem ser criadas a partir desse estudo;, explica a professora e bioquímica Ângela Maria Ribeiro, coordenadora do programa e do Laboratório de Neurociência Comportamental e Molecular (Lanec), da UFMG.

Sob orientação de Ângela, o doutorando Fernando Machado Vilhena Dias está dando os primeiros passos a caminho das respostas com o projeto Prevalência de transtornos psiquiátricos e suas correlações com parâmetros bioquímicos em grávidas do município de Conceição do Mato Dentro. No mês que vem, ele começa a acompanhar a gravidez de mulheres atendidas pelo sistema público na zona rural da cidade, na região central de Minas Gerais, a 167km de Belo Horizonte, com cerca de 20 mil habitantes. ;Por meio de exames, mediremos a quantidade de tiamina no sangue dessas gestantes. Simultaneamente, estudaremos as consequências da ausência e da presença dessa vitamina no organismo delas e dos filhos;, relata o doutorando. O resultado do trabalho deve ser apresentado daqui a dois anos.

Segundo Fernando, a tiamina é uma vitamina que participa como enzima de diversos processos metabólicos, sendo também uma das integrantes da membrana de células do sistema nervoso central. Como a gravidez é um período de maior demanda de nutrientes, se não há reposição correta dos elementos, a deficiência pode comprometer as atividades do organismo. Estudos do Lanec têm mostrado que a carência de B1 atrapalha o funcionamento do cérebro, causando alterações neuroquímicas, morfológicas e comportamentais, como disfunções sensoriais, depressão, deficit no aprendizado e na memória espacial e alterações no comportamento exploratório.

O doutorando diz que há um estudo norte-americano sobre transtornos psiquiátricos na gestação. A pesquisa estima que há uma prevalência de depressão de 7,4% no primeiro trimestre da gravidez; 12,8%, no segundo; e 12%, no terceiro. Já um levantamento inglês aponta que a mortalidade fetal em mães com transtornos mentais ocorre 1,1 vez a mais em gestantes com esquizofrenia e duas vezes mais com as que têm o diagnóstico de doenças afetivas. ;Isso nos leva a crer que a carência de vitamina B1, que causou danos ao sistema nervoso de ratos, também pode ter relação com problemas em seres humanos. A cidade de Conceição do Mato Dentro foi escolhida por atender a uma população carente, que no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ocupa a 665; posição entre os 853 municípios mineiros;, diz.

O Lanec também investigou os danos causados pela carência de vitamina B1, nos ratos, durante a lactação. ;Para a nossa surpresa, as consequências eram ainda mais sérias. Por isso, paralelamente ao projeto do Fernando, a equipe do laboratório vai avaliar se a quantidade disponível de vitamina B1 no leite de mães de Dom Joaquim, na região Central de Minas, se reflete no desenvolvimento motor dos bebês. Coletaremos também amostras do leite em maternidades de Belo Horizonte para podermos fazer a comparação;, informa Ângela Ribeiro.

Teste
Este ano, a bióloga Danielle Marra Azevedo defenderá sua tese de doutorado, na qual analisou parâmetros cognitivos e neuroquímicos de ratos jovens e adultos amamentados por mães com dieta restrita de tiamina, durante o período de lactação. Com uso de técnicas da psicologia experimental, os animais foram submetidos a testes de memória e de aprendizado espacial. Enquanto o grupo jovem apresentou dificuldades acima da média para fazer essas atividades, o adulto teve desempenho normal.

Já a dissertação de mestrado da fisioterapeuta Talita Ferreira Vieira, defendida em 2009, teve foco em alterações na atividade motora desses ratos. Foram feitos experimentos com proles de mães que passaram pela dieta restrita de B1 no período perinatal (que vai dos últimos meses de gestação até os primeiros dias de vida do bebê). Quando atingiram a fase adulta, os animais foram submetidos a testes comportamentais para análises de equilíbrio. O estudo revelou que a coordenação motora e a massa corporal desses animais ficaram bastante comprometidas.