Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Artrite reumatoide compromete as funções dos membros e gera isolamento

Dor na planta dos pés, dormência e rigidez nas mãos foram os primeiros sintomas da artrite reumatoide sentidos pela bancária aposentada Cleone Vasconcellos. A doença se manifestou quando ela tinha 24 anos. O diagnóstico não tardou e medicamentos foram indicados, mas, ao contrário do que ela imaginou na época, o problema avançou rapidamente. ;Quando fui diagnosticada, não sabia nada sobre a mazela. Pensei que tomaria remédios e ficaria curada, voltaria a ter uma vida normal. Com o tempo, soube que não seria bem assim;, lamenta. Até meados da década de 1990, as drogas eram paliativas, combatiam somente a dor e não impediam o avanço dos sintomas. ;Fiquei abalada e chorei muito. Jogava vôlei, estava no auge da juventude, era uma pessoa ativa e fui, aos poucos, perdendo a força nos braços. Esse tipo de limitação traz danos emocionais, porque incapacita para muitas coisas. É preciso aprender a lidar com a nova realidade e isso é bem complicado;, revela. A artrite reumatoide foi, aos poucos, afetando outras partes do corpo de Cleone. A aposentadoria precoce foi inevitável, assim como as cirurgias para colocação de próteses nos joelhos e no quadril. ;Hoje, com 56 anos, a dor está controlada e eu busco ter qualidade de vida, ainda que com limitações que não me permitem ousar muito;, acrescenta. A artrite reumatoide é uma desordem autoimune, que leva à destruição das articulações e a deformidades nas juntas. Embora o tratamento tenha evoluído drasticamente nos últimos 15 anos, com terapias que bloqueiam a evolução do mal, a causa da doença continua desconhecida e o problema ainda traz impactos emocionais, prejudicando a produtividade e a vida social dos pacientes. Um estudo conduzido pela Mayo Clinic, nos Estados Unidos, revelou que, depois de quatro décadas em queda, a incidência da artrite reumatoide entre as americanas cresceu 2,5% por ano entre 1995 e 2007. Com os homens, porém, ocorreu justamente o oposto. Houve uma redução de 0,5% no mesmo período. Pesquisadores envolvidos no estudo, publicado recentemente na revista Arthritis & Rheumatism, ainda buscam respostas para o aumento no número de casos. Estima-se que, no Brasil, a artrite reumatoide atinja pelo menos 1,8 milhão de pessoas. A maioria delas, mulheres em idade economicamente ativa. Em junho passado, dados de uma pesquisa divulgada no Congresso Anual da Liga Europeia contra o Reumatismo, em Roma, mostraram que a doença realmente pode isolar suas vítimas. O trabalho conduzido pelo reumatologista Paul Emery, pesquisador e professor de reumatologia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, revelou que, embora medicadas, 72% das mulheres diagnosticadas com a doença sofrem com dor. As entrevistas foram feitas por meio de formulários enviados pela internet em sete países, incluindo França, Espanha, Alemanha, Itália, Estados Unidos e Canadá. ;A sensação dolorosa e a perda de função dos membros afetados ainda são os maiores problemas enfrentados pelas pacientes. Confirmamos que o mal-estar físico compromete tanto os aspectos emocionais que a vida social fica desestabilizada;, explica Emery. Segundo o especialista, as mulheres com artrite reumatoide relatam sofrer com distanciamento e isolamento, tanto que 40% das entrevistadas solteiras disseram ser mais difícil encontrar um parceiro e 22% das separadas afirmaram que, de alguma forma, a doença influenciou a decisão de dar fim ao casamento. O médico acrescenta que 68% das pacientes que responderam os questionários escondem a dor das pessoas mais próximas. Gatilhos O reumatologista Gustavo de Paiva Costa explica que a artrite reumatoide, como todo mal autoimune, agride o próprio organismo. Nessa doença, a sinóvia ; um tecido protetor que cobre todas as articulações ; é o alvo do ataque. ;A sinóvia inflama, causa dor e destrói as estruturas que ligam músculos, tendões e ossos. As articulações de mãos, joelhos e punhos são as mais acometidas, mas, eventualmente, outras partes do corpo também são afetadas;, diz. O médico reumatologista Gustavo de Paiva Costa fala sobre o diagnóstico e o tratamento da artrite reumatóide, que atinge as articulações. Ouça Os reumatologistas que atuam no Distrito Federal estimam que existam cerca de 20 mil pessoas com artrite reumatoide na região da capital do país. Não há estudos que comprovem se o problema está ou não afetando mais indivíduos ao longo das últimas décadas. De acordo com o médico Rodrigo Aires, presidente da Sociedade de Reumatologia de Brasília, nos últimos 10 anos, os medicamentos biológicos trouxeram grande avanço no tratamento. ;Essas drogas atuam nas substâncias que regulam o sistema imunológico e são importantes no processo de inflamação e destruição das articulações, impedindo os desarranjos articulares e o avanço da doença, o que não ocorria no passado;, explica. Os medicamentos biológicos ainda não estavam disponíveis na época em que Cleone foi diagnosticada. Para seguir em frente e não se abater ela buscou auxiliar quem não tem recursos para tratar o problema e atualmente faz parte da diretoria da Associação Brasiliense de Pacientes Reumáticos (Abrapar). ;As deformidades vieram, passei por cirurgias para colocar próteses nos joelhos e no quadril. Apesar de tudo, tenho sorte. Conto com o apoio do meu marido e posso comprar os medicamentos. Além disso, busco terapias que não me deixam travar de vez. No Brasil, nem todos têm acesso a tanto;, reclama. A estudante de psicologia Laís dos Santos Vargas, 21 anos, também tratou de ir à luta para vencer os desafios trazidos pela AR. ;Fui diagnosticada aos 3 anos. As articulações enrijeceram rapidamente, mas consegui tratar e levar uma vida relativamente normal. Aos 10 anos, porém, caí e quebrei o fêmur. Os 90 dias de gesso foram responsáveis pela perda da força e do equilíbrio, e não consegui mais andar;, revela. No entanto, a cadeira de rodas não afastou Laís do convívio social. Hoje, ela é digitadora no Colégio Marista, onde também procura conscientizar alunos e professores sobre a doença. ;Demorei a aceitar, me isolei por um tempo. Ainda sinto dores, mas sei que é preciso compartilhar minha limitação para superar os desafios e lidar com a doença de forma digna;, avalia.