Belo Horizonte ; A identificação de 20 mil conjuntos de genes do verme Necator americanus, por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), representa o mais novo passo no combate à ancilostomíase, doença popularmente conhecida como ;amarelão;. O sequenciamento genético de um dos principais causadores da doença abre caminho para o desenvolvimento de novos remédios. O mal se tornou muito famoso no país devido ao personagem Jeca Tatu, caipira avesso a sapatos e a hábitos de higiene criado por Monteiro Lobato. Das páginas da ficção para a vida real, a estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que haja 740 milhões de pessoas contaminadas pelos parasitas. Um dos trunfos do estudo, feito em conjunto com a Universidade de Melbourne, na Austrália, e com a Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, foi a descoberta de 18 proteínas diferentes daquelas sintetizadas por humanos e outras espécies.
Nas mãos dos cientistas, as substâncias servem de pista para a criação de medicamentos que inibam a ação do parasita sem agredir o organismo do homem. A pesquisa se concentrou em investigar o material genético do nematelminto Necator americanus, tipo mais comum no Brasil. Com lâminas afiadas, o verme ; que, na idade adulta, mede no máximo 2cm ; entra no organismo por meio da pele e se instala no intestino do hospedeiro, alimentando-se de sangue. Em casos mais graves, o consumo diário chega a 250ml, levando a pessoa a quadros de anemia e à aparência amarelada responsável pelo nome popular do mal.
A coordenadora do estudo, Élida Mara Leite Rabelo, professora associada do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas é enfática: ;Para combater, é preciso conhecer. Ao saber a função de cada gene do parasita, posso compreender melhor como ele consegue sobreviver no organismo humano e pensar em mecanismos para interromper seu ciclo;. As aplicações do estudo, entretanto, não param por aí. Ela explica que, com a identificação de 18 proteínas produzidas especificamente pelo verme, também é possível pesquisar drogas contra o nematelminto. ;Um dos problemas é a alta reincidência da doença, que pode levar ao desenvolvimento de resistência do verme ao medicamento. Por isso, a necessidade de descobrirmos novas drogas. As únicas usadas atualmente são o mebendazol e o albendazol;, ressalta.
Antes da pesquisa, somente cerca de 800 sequências de genes do Necator americanus haviam sido identificadas. O salto para o reconhecimento de 20 mil novos fragmentos ocorreu com o uso de tecnologia de ponta, mais especificamente o aparelho de sequenciamento paralelo em massa, capaz de decodificar um número maior de sequências de uma só vez. As sequências de códigos genéticos são depositadas no banco de dados do Centro Nacional de Informação Biotecnológica (NCBI, na sigla inglês) e ficam disponíveis para cientistas do mundo inteiro. Por meio dessa grande biblioteca pública de DNA, é possível cruzar o material genético do verme com o de outros organismos. Foi assim que o grupo de pesquisadores, incluindo a professora da UFMG, conseguiu levantar 18 proteínas exclusivas do principal responsável pelo amarelão no país.
Etapas complexas
Muito é feito antes de o material genético ser lido pelo aparelho de sequenciamento. O trabalho, executado em escala milimétrica, começa ao retirar-se do nematelminto o ácido ribonucleico (RNA) do tipo mensageiro. Trata-se de material genético bem específico, responsável por levar informações do gene, entre elas a receita para a síntese de proteínas, até o citoplasma da célula, onde as substâncias serão fabricadas. ;O RNA mensageiro é uma cópia resumida do DNA;, explica Élida Rabelo.
Com o auxílio da enzima transcriptase reversa, as moléculas de RNA, com uma só fita, são transformadas em DNA complementar (cDNA), de duas fitas. Também chamada de transcriptoma, essa nova estrutura é encaixada a um plasmídeo, mólecula de origem bacteriana que, nesse caso, funcionará como vetor para a reprodução do material genético do Necator americanus. A fusão de material genético do verme com o plasmídeo é inserida em bactérias, que se reproduzem até a formação de grandes colônias. Uma vez replicados em larga escala, a próxima etapa é retirar os plasmídeos contendo genes do verme de dentro das bactérias. O resultado desse processo é a chave de leitura para o aparelho de sequenciamento paralelo identificar o código genético do parasita.