Augusto Odone nasceu em 1933, nos Estados Unidos. Adolfo Guidi veio ao mundo em 1957, no Brasil. Nem um nem outro estudou medicina. Em 1984, aos 5 anos, Lorenzo, filho de Augusto, foi diagnosticado com adenoleucodistrofia, uma doença genética rara que inibe a produção de ácidos graxos no organismo. Em 1997, aos 8 anos, Vitor, filho de Adolfo, soube que tinha gangliosidose GN1 tipo 2, uma deficiência genética que impede a produção de enzimas essenciais ao funcionamento do corpo humano. Não havia tratamento para nenhum dos dois meninos. Os dois pais têm outra coisa em comum. Em vez de se conformarem com o diagnóstico dos filhos, eles decidiram lutar. Sem qualquer conhecimento prévio na área de saúde, os dois mergulharam por conta própria em bibliotecas e desenvolveram praticamente sozinhos fórmulas que, contrariando as previsões médicas, conseguiram barrar o avanço das doenças dos filhos.
O caminho percorrido pelos pais foi longo e penoso. ;Eu não tinha o mínimo conhecimento do que era a gangliosidose, mas simplesmente não podia ficar parado em casa vendo a doença avançar sem poder fazer nada;, conta Adolfo. Diante da falta de tratamento, Adolfo deixou o trabalho de engenheiro e passou a ler tudo que conseguia encontrar na biblioteca da Universidade Federal do Paraná sobre o problema do filho. ;Não existia quase nada. Todos os dias, me perguntava se aquela busca toda me levaria a algum lugar;, conta o pai.
Após 8 meses de busca, Adolfo finalmente viu uma esperança de tratamento para o filho. Um livro falava da doença de Tye-Sachs, outra gangliosidose rara, semelhante à que assolava Vitor. Segundo a literatura médica, a solução para limitar o avanço do problema era oferecer ao organismo a enzima que ele não podia produzir. ;Diante disso, me debrucei ainda mais sobre os livros e estudei tudo que foi possível sobre enzimas até chegar à fórmula final;, conta Adolfo.
A história, que poderia ter um final feliz, estava, porém, longe de terminar. ;O problema a partir daí foi conseguir a enzima. Ela era muito utilizada até a década de 1950 na produção de sorvete, mas, com a invenção de produtos sintéticos, caiu em desuso;, conta o pai. Na busca pela substância, ele escreveu para dezenas de laboratórios ao redor do mundo. ;Procurei a imprensa, fiz campanhas. Não dava, depois de tanta luta para desenvolver a fórmula, para não conseguir botá-la em prática por não ter a enzima.;
Por alguma razão, um laboratório de produtos de limpeza do interior do Paraná recebeu um vidro da substância com a matéria-prima enviada pela matriz, na Europa. ;Nunca ninguém soube explicar por que esse material veio parar aqui, mas ele foi a salvação para o meu filho;, afirma o engenheiro. ;Depois que ele começou a fazer a substituição, os sintomas estabilizaram e, ao contrário dos oito meses que meus médicos deram de vida para o Vitor, ele continua bem;, revela Adolfo. Lá se vão 13 anos.
Cinematográfico
A história de Augusto, pai de Lorenzo, teve um fim semelhante. Depois de anos de pesquisa, conseguiu desenvolver um óleo que limitava o avanço dos sintomas do filho ; o menino, contudo, morreu no ano passado, aos 30 anos. A descoberta foi batizada de Óleo de Lorenzo ; e imortalizada no filme com o mesmo nome, estrelado por Nick Nolte (como Augusto) e Susan Sarandon (como Michaela, a mãe do menino).
Enquanto o americano foi reconhecido com um doutorado honorário pela Universidade de Stirling, no Reino Unido, nenhum médico se interessou por pesquisar de maneira mais profunda o tratamento desenvolvido pelo pai brasileiro. Adolfo, afastado do mercado de trabalho para desenvolver o tratamento para o filho, não conseguiu encontrar um emprego. Com ajuda de amigos, construiu uma oficina mecânica na garagem de casa, de onde tira o sustento da família.
Para profissionais da saúde, embora essas terapias alternativas nem sempre tenham a sua eficácia comprovada, elas são de profunda importância para o aumento da sobrevida e da qualidade de vida destes pacientes especiais. ;Conheço vários casos de crianças que tinham um ou dois dias de vida, e já completam quatro meses. Não desistir, persistir até o fim, pode trazer resultados surpeendentes;, afirma a psicóloga do Hospital Anchieta Clarice Braga Machado.
Ela lembra, no entanto, que é importante ter noção da realidade. ;Os pais têm que viver o afeto pela criança enquanto ela está ali. Esses tratamentos podem ajudar a prolongar e melhorar a vida da criança, mas não resolvem o problema;, afirma. Para ela, esse tipo de atitude é importante não apenas para as crianças, mas para os mais. ;Isso os ajuda a lidar melhor com as limitações que seus filhos terão;, completa Clarice.
A especialista em medicina paliativa Maria Goretti afirma que, quando a família recebe a notícia de que os filhos têm algum problema grave, o diálogo entre a equipe médica e a família é essencial. ;Os médicos fazem o que é possível, mas infelizmente a própria medicina tem os seus limites, e é importante a família ter em mente até onde podemos ir;, conta a médica.
Otimismo
Se para os pais de Lorenzo e Vitor foi um choque saber do problema de seus filhos, quando Kátia Gontijo foi informada que seu filho Matheus, então com 6 meses, tinha Síndrome de Down, a resposta foi um resumo de como ela o trataria dali em diante: ;E daí? Ele continua sendo meu filho;. Para ela, a chave para o sucesso no tratamento do pequeno, hoje com 6 anos, foi exatamente essa postura otimista. ;Eu acho que ficar se vitimizando é péssimo. Aquele velho discurso de que criar uma criança especial é difícil só traz reflexos negativos, a criança se sente rejeitada;, conta a mãe. Quando perguntada sobre tal dificuldade, ela traz a resposta na ponta da língua. ;Não é mais difícil, é mais desafiador;, resume.
Com a notícia da alteração nos cromossomos do filho veio a lista de dificuldades inevitáveis que ele iria enfrentar. ;Essas crianças sofrem de hipotomia, ou seja, flacidez muscular. Além disso, eles têm tendência à obesidade;, conta a mãe. Inevitáveis ou não, a mãe não aceitou que aqueles problemas atingissem seu filho. ;Quando ele tinha 1 ano, fui fazer um curso de massagem e levei o Matheus comigo. No intervalo, uma das participantes do curso foi brincar com ele e começou a fazer exercícios e massagens de ioga nele;, relembra Kátia.
;Quando conversamos, ela me disse que esse era um tratamento muito comum nos Estados Unidos. A partir daí, fui atrás das técnicas. Viajei para a Austrália e para os EUA para aprimorar meus conhecimentos nessa terapia;, conta a mãe. ;Os resultados são incríveis. Ele nunca teve problemas que as crianças com Down normalmente têm, como pneumonia e imunidade baixa;, completa. Já a ioga ajuda no fortalecimento dos músculos. ;Eu já cheguei a ser parada por médicos na rua, porque, quando viam o meu filho brincando, percebiam que ele tinha força muscular normal para uma criança na idade dele;, afirma.
Depois do sucesso com os seus filhos, Adolfo, Augusto e Kátia ampliaram as terapias que desenvolveram para outras crianças. A substituição enzimática proposta por Adolfo hoje é utilizada por crianças de todo o país que procuram o paranaense. ;Os médicos continuam não acreditando nos efeitos dela, mas se não faz nenhum mal, por que não tentar?;, alega. Kátia hoje tem um estúdio de ioga que atende a outras crianças e adultos com problemas degenerativos e paralisias e Síndrome de Down. ;Muitos pais são impacientes e esperam uma solução de um dia para o outro, mas, se substituírem a expectativa por esperança, a chance de sucesso é muito maior;, conta a mãe.
Já o Óleo de Lorenzo ajuda crianças de todo o mundo, como o pequeno Kelvi, 7 anos, morador de Santo Antônio do Descoberto. ;Ele tem o mesmo problema do Lorenzo, e médicos do Hospital de Base recomendaram o uso do óleo;, conta Edilson, pai do garoto. ;Ele usou por um ano e foi muito útil, mas, infelizmente, quando descobrimos a doença ela já estava muito avançada;, completa Edilson. Por complicações no fígado, o garoto teve que suspender seu uso.
Apesar disso, a família acredita que o efeito da substância desenvolvida por Augusto Odone foi essencial para a qualidade de vida do garoto. ;Se ele tivesse começado a tomar mais cedo, teria sido mais eficaz, mas, mesmo assim, hoje a doença praticamente se estabilizou, e ele consegue controlá-la apenas com outros medicamentos;, completa Edilson.