O tempo em que um computador doméstico está ocioso (1) pode ser precioso para a descoberta dos mistérios do universo. Foi o que provou um artigo publicado ontem na revista especializada Science. Três astrônomos amadores encontraram um pulsar escondido em uma série de dados armazenados no Observatório de Arecibo, o maior radiotelescópio do mundo, graças ao projeto Einstei@Home, no qual 250 mil voluntários de 192 países, incluindo o Brasil, doam o tempo em que seus computadores estão sem utilidade para o processamento de dados científicos.
A primeira grande descoberta espacial do programa foi feita pelo casal Chris e Helen Colvin, dos Estados Unidos, e pelo alemão Daniel Gebhardt. O computador deles, com outros 500 mil ao redor do mundo (em média, cada voluntário contribui com dois equipamentos), analisam os dados do Einstein@Home. Os participantes fazem o download do software, que processa informações vindas de ondas gravitacionais, enquanto outros aplicativos não estão sendo usados. O Einstein@Home não afeta a performance nem a memória do computador.
Os pulsares, fruto da explosão de uma supernova, são estrelas de nêutrons que emitem raios X em ondas tão rápidas que podem dar a volta pela Terra 716 vezes por segundo. Eles foram descobertos em 1967 pelos astrônomos Jocelyn Bell e Antony Hewish e têm sido usados pelos cientistas para verificar com precisão a Teoria Geral da Relatividade(2), proposta por Albert Einstein.
O nascimento do pulsar deriva da morte de uma estrela com massa cinco vezes maior que a do Sol terráqueo. Ao explodir, a estrela dá origem à supernova, ou seja, uma série de corpos celestes brilhantes. O que era o centro da estrela se comprime tanto que os prótons e os elétrons se combinam, tornando-se nêutrons. Normalmente, ocorre o que os cientistas chamam de sistema binário: o pulsar fica acompanhado de uma estrela, que orbita junto dele, no mesmo campo magnético. O primeiro pulsar binário foi identificado em 1974, graças ao Observatório de Arecibo, em Porto Rico. Os astrônomos Russell A. Hulse e Joseph H. Taylor, que fizeram a descoberta, receberam o Nobel de Física por isso.
Pulsar solitário
O novo pulsar, chamado de PSR J2007 2722, é uma estrela de nêutrons que gira 41 vezes por segundo. Ele está localizado na Via Láctea, a aproximadamente 17 mil anos-luz da Terra, na constelação Vulpecula, coincidentemente, a mesma onde foi encontrado o primeiro pulsar. Diferentemente da maioria dos outros, que giram rápida e constantemente, o PSR J2007 2722, às vezes, fica mais lento. Além disso, ele está sozinho no espaço, sem nenhuma estrela orbitando em sua companhia. Os astrônomos consideraram esse fato muito interessante, embora ainda não seja possível dizer se isso acontece pelo fato de esse ser um pulsar muito jovem ou se o corpo celeste possui um campo magnético mais leve do que o normal.
O projeto Einstein@Home, do Centro de Gravidade e Cosmologia da Universidade de Wisconsin e do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (também conhecido como Instituto Albert Einstein), procura por ondas gravitacionais em dados do Observatório Ligo, dos Estados Unidos, desde 2005. Em março do ano passado, os cientistas envolvidos no programa começaram também a pesquisar sinais de rádio emitidos pelos pulsares no Observatório de Arecibo, em Porto Rico. ;Não importa o que mais descobrirmos sobre esse pulsar. Por si só, ele já é extremamente interessante para o entendimento dos aspectos físicos básicos das estrelas de nêutrons e de como elas se formam;, afirmou James M. Cordes, astrônomo e chefe do Consórcio Alfa Pulsar, um dos autores do estudo. Ontem, ele participou de uma webconferência mundial de imprensa.
;Essa descoberta requereu um sistema complexo, que inclui o telescópio de Arecibo e as pesquisas do Instituto Albert Einstein, além do esforço de voluntários do mundo todo;, lembrou Cordes. ;A real importância do nosso artigo não é tanto o pulsar que encontramos, mas, mais do que isso, a maneira como o encontramos;, disse ao Correio o físico Bruce Allen, diretor do Instituto Albert Einstein.
Os voluntários que participam do projeto ficaram entusiasmados com a descoberta. ;Eu rodo o programa desde janeiro e nunca imaginei que tão cedo receberia uma notícia como essa. Estou muito feliz de ter achado o projeto Eistein@Home;, contou ao Correio o americano Josh Lyman, que descobriu o software graças a um amigo que já participava do programa. ;Estou muito orgulhoso de saber que pessoas comuns como eu estão contribuindo para a ciência. E pensar que é tão fácil, basta você se cadastrar no site, fazer o download e esperar por mais uma descoberta do universo;, comemorou Bernard Hewson, voluntário desde março deste ano.
1 - Colaboração dos leigos
O Einstein@Home é um dos campos de pesquisa do programa Berkeley Open Infrastructure for Network Computing (Boinc), criado por pesquisadores da Universidade da Califórnia. Por meio dele, qualquer pessoa pode doar a parte ociosa do processador de seu computador, e contribuir para diversas pesquisas cientificas. Ao instalar o programa, que é de interface amigável e ocupa pouco mais de 50MB na memória do computador, o usuário pode decidir a quais projetos deseja ceder a capacidade de seu processador. As áreas são as mais diversas possíveis, e vão desde biologia molecular a física quântica ou astrofísica.
2 - Tempo e gravidade
Proposta por Einstein em 1916, a Teoria Geral da Relatividade afirma que o tempo e a gravidade são interdependentes, de forma que o tempo flui de forma mais lenta quando o objeto medido é submetido a intensa gravidade. A teoria gravitacional também propõe que a gravidade se propaga através das ondas. Essas ondas, entretanto, são tão tênues que só podem ser detectadas em sistemas em que há intensa interação gravitacional entre seus componentes, tais como os pulsares binários.
Três perguntas para - Bruce Allen, Físico
Por que esse pulsar é considerado raro?
O pulsar gira cerca de 40 vezes por segundo, e esse giro vai desacelerando até ficar realmente lento. Quase todos os pulsares conhecidos com essas propriedades podem ser encontrados em sistemas binários, compostos por duas estrelas. A conclusão é que esse pulsar perdeu a estrela que fazia companhia para ele. Há apenas cerca de 10 pulsares conhecidos cujo sistema binário foi interrompido. Esse pulsar particular é uma peça no quebra-cabeças do entendimento sobre como o pulsar se forma.
O que há de mais importante na descoberta?
Até hoje, foram descobertos cerca de 2 mil pulsares. Esses objetos, por serem muito compactos, têm um campo gravitacional muito forte perto de sua superfície, quase tão extremo quanto o de um buraco negro. Então, os pulsares permitem fazer testes muito bons sobre como a gravidade funciona e sobre quando a gravidade torna-se bastante forte. Mas a real importância do nosso artigo não é tanto o pulsar que encontramos, mas, mais do que isso, a maneira como o encontramos, usando o tempo de trabalho do computador doado por centenas de milhares de pessoas. Tenho certeza de que vamos encontrar muitos outros pulsares e talvez outras coisas interessantes da mesma maneira.
O senhor acha que a descoberta vai incentivar a adesão de mais voluntários?
Esse é um momento excepcional para o Einstein@Home e para nossos voluntários. Isso prova que a participação pública pode descobrir novas coisas no nosso universo. Eu espero que isso inspire mais pessoas para se juntar a nós e ajudar a encontrar outros segredos escondidos no universo.