Aparecido Jefferson Silva, 31 anos, trabalhava como vendedor até 31 de janeiro de 2007, quando um acidente automobilístico mudou sua vida. ;Devido a um capotamento, sofri uma lesão incompleta na vértebra T8 e perdi parte dos movimentos dos membros inferiores. Desde então, venho tentando recuperá-los;, contou ao Correio, por telefone, de Japurá (PR). ;Já me desloquei até Brasília e fiquei 60 dias em reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek;, acrescentou. Sua obstinação levou-o a se inscrever em um grupo de pesquisas com células-tronco na Universidade de São Paulo (USP). Aposentado pelo INSS, ele sonha em ter uma rotina normal. ;Sei que vou sair dessa, graças a Deus e à medicina, que hoje está começando os tratamentos com células-tronco;, disse.
Mônica Carlos de Araújo Bonfim, 48 anos, também sofreu um desastre em 1980 e teve lesões nas vértebras C6 e C7. Ficou paraplégica e, com a fisioterapia, recuperou os movimentos dos braços. Moradora de Recife, ela experimenta um misto de alegria e frustração. Alegria por saber que a medicina evolui rapidamente e pode oferecer novos tratamentos aos lesionados. Frustração por ter praticamente a certeza de que não será beneficiada pelos avanços. ;Eu tenho acompanhado todas as pesquisas pelo site de relacionamentos Orkut, mas não tenho esperança. Creio que a medicina será promissora para pessoas que sofreram lesão mais recente, de dois anos para cá. Mas não no meu caso;, admite a professora, aposentada depois do acidente.
No Centro de Neurobiologia Kirby do Hospital da Criança ; na Universidade de Harvard ;, o chinês Zhigang He descobriu uma forma de devolver a esperança a pessoas como Aparecido e Mônica. Em um estudo revolucionário, o cientista conseguiu regenerar as conexões nervosas em ratos que tiveram a medula espinhal lesionada. O segredo está na enzima fosfatase, homóloga à tensina (PTEN), uma proteína responsável pelo controle da sinalização molecular chamada mTOR, um regulador-chave do crescimento celular. ;Nós conseguimos regenerar as conexões nervosas por meio da remoção da PTEN, que funciona como um freio para a recuperação dos axônios(1), dentro dos neurônios;, explicou Zhigang, em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail. De acordo com ele, a PTEN atua impedindo o crescimento celular. ;Ao eliminar a PTEN, percebemos que os neurônios de adultos poderiam reconquistar a habilidade regenerativa;, acrescentou.
Questionado sobre o nível de sucesso obtido até o momento, Zhigang explicou que sua equipe observou uma ;regeneração anatômica robusta; em axônios lesionados do trato corticoespinhal. ;Com o auxílio dos colegas Binhai Zheng, da Universidade da Califórnia-San Diego, e Oswald Steward, da Universidade da Califórnia-Irvine, presenciamos essa recuperação em diferentes modelos de ferimentos;, disse. Zhigang e seu colaboradores concluíram que a atividade da PTEN é baixa durante os primeiros estágios do desenvolvimento, permitindo a proliferação das células. No entanto, ao fim do crescimento, a PTEN é ativada. ;Ela inibe a mTOR e impede qualquer habilidade de regeneração;, disse o chinês.
;Sem precedentes;
O estudo de Zhigang obteve os primeiros resultados positivos em 2008, quando percebeu que o bloqueio da enzima possibilitou o restabelecimento de conexões do olho para o cérebro, após danos ao nervo ótico de ratos. Os resultados da pesquisa atual e mais abrangente foram publicados no site da revista científica Nature Neuroscience. ;Conseguimos demonstrar a viabilidade da promoção da regeneração do trato corticoespinhal. Ainda estamos testando a recuperação funcional desses axônios em regeneração. Acreditamos que esse é um importante passo rumo ao desenvolvimento de tratamentos para pacientes com lesão na medula espinhal;, prevê.
Preferindo não arriscar uma data concreta para essa técnica se tornar uma realidade nos hospitais do mundo inteiro, Zhigang opta por descrevê-la como um ;avanço encorajador;. ;Nós acreditamos que a extensão da regeneração do trato corticoespinhal é sem precedentes. De qualquer forma, não sabemos quanto tempo demorará até se transformar em aplicação clínica;, admitiu. De acordo com o principal autor da pesquisa, ainda há muitas pendências para se resolver. ;O mais importante é determinar em que medida a regeneração do axônio pode ajudar a recuperação funcional;, observou. Por enquanto, uma preocupação dos cientistas é o fato de que a PETN funciona como supressor natural de tumores. Há o temor de que, eliminando ou desativando a enzima, o organismo fique vulnerável ao câncer. ;Nós precisamos desenvolver uma estratégia para evitar o risco tumorgênico;, concluiu Zhigang.
1 - Condutores de impulsos
Os axônios são prolongamentos que atuam como condutores dos impulsos nervosos. Fazem parte do neurônio e levam os sinais elétricos até músculos ou outros neurônios. A fibra nervosa é composta de um axônio com célula de Schwann e com bainha de mielina.