Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Franqueza, mas sem exageros

Especialistas orientam os pais a responder direta e naturalmente às perguntas sobre sexo disparadas frequentemente por crianças, por mais delicadas que pareçam. Essencial é não mentir, mas também evitar o excesso de detalhes

A professora Ana Paula Lustosa, 36 anos, assistia à televisão quando sua filha Anna Gabriela, 7, virou-se e perguntou: ;Mamãe, você faz sexo?; Ana Paula ficou catatônica. A professora respirou fundo, olhou para a filha ; que a encarava fixamente, com os olhos brilhando ; e respondeu: ;Sim, minha filha, a mamãe faz sexo;. Em seguida, a menina perguntou: ;Como, mamãe?; Além do susto e da reação envergonhada, o que mais passou pela cabeça de Ana Paula foi a perplexidade relativa a como uma menina naquela idade se mostrava tão curiosa sobre sexo. Curiosidades como a da pequena Anna Gabriela deixam qualquer adulto, por mais moderno que seja, constrangido. Agora, imagine para os pais, que precisam lidar diretamente com a situação. A maioria não sabe como responder, como se comportar, ou, ainda, se devem responder sobre algo tão ;delicado;. Os especialistas, porém, são categóricos: os pais não devem deixar de responder. Ouça trecho da entrevista com a psicóloga Ângela Branco Devem, contudo, agir da forma mais natural e verdadeira possível, sem ir além da curiosidade da criança. ;Falar sempre a verdade, com naturalidade e objetividade, é o caminho correto. O que não pode é falar de menos ; nem demais;, esclarece a psicóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Ângela Branco. Segundo os especialistas, é a partir dos 2 e 3 anos que costumam surgir as primeiras perguntas sobre sexualidade. No entanto, um dos primeiro interesses demonstrados pelas crianças é sobre a diferença entre os gêneros. De acordo com Branco, a criança vai aprendendo a chamar o menino de menino e a menina de menina e quer entender o porquê. ;Os pais vão ter que ir respondendo na mesma proporção dessa curiosidade;, afirma. O que a psicóloga quer dizer é que os pais não devem falar além do que a criança quer saber, como, por exemplo, dar uma aula sobre sexo. ;Isso é totalmente inapropriado, até porque a criança não tem condições de entender com muita clareza o tema.; Ângela reforça que os pais têm que ajustar suas respostas, e as próprias conversas sobre o assunto, de acordo com o nível e, principalmente, com o tipo de curiosidade que a criança tem. ;O que não pode é negar informação, seja por uma questão de tabu ou por achar que está muito cedo para falar sobre sexualidade;, garante. Percepção A psicóloga explica que, se os pais sonegam a informação, a criança percebe que há alguma coisa errada, e isso pode criar um problema sem necessidade. ;Criança não é boba. Ela vai notar que os pais não tratam aquilo com naturalidade, vai continuar com a curiosidade e vai atrás dos colegas ou da internet;, diz Branco. ;Além disso, pode gerar uma curiosidade excessiva;, completa. Mesmo assustada, a mãe de Anna Gabriela respondeu com naturalidade à pergunta da filha. ;Expliquei a ela que o sexo é uma forma de fazer bebês e que deveria ser feito com alguém que a gente ama e tem confiança. Depois disso, ela virou-se e continuou vendo televisão como se nada tivesse acontecido;, relata Ana Paula. O mesmo tipo de comportamento claro e natural deve ser adotado quando os pais flagram os filhos tocando nas genitálias ou mesmo se masturbando. ;Sem sustos, é completamente natural;, sustenta a psicopedagoga Márcia Gomes Fernandes. Isso porque desde bebês as pessoas se tocam, como uma forma de reconhecimento e de prazer. ;Os bebês, por exemplo, têm prazer quando sugam o seio da mãe. O mesmo acontece quando as crianças se masturbam, seja se tocando ou se esfregando. É algo prazeroso e que não deve ser recriminado ou proibido.; Os especialistas também afirmam que informar corretamente à criança sobre sexualidade é protegê-la de possíveis abusos. Segundo Márcia, quando a criança sabe o que é sexo, ela mesma se protege de abusos que possam ocorrer. ;Sanando a curiosidade do filho em relação à sexualidade, os pais devem dizer que criança não faz sexo; criança brinca. Aproveitando para dizer também que o adulto não pode tocá-la;, defende. Adolescência Em geral, as questões sobre a sexualidade começam a ficar mais frequentes quando a criança se aproxima da puberdade. Nesse momento, as perguntas vão ficando mais específicas e as respostas dos pais também. ;Aí sim, seja o pai ou a mãe ; aquele que tiver mais tranquilidade para falar do assunto ; deve ter um diálogo maior, colocando sempre juntos a sexualidade com a afetividade e cuidados para se ter um sexo saudável e sem risco de gravidez;, esclarece Ângela Branco. De acordo com Ângela, é importante conversar com o adolescente sobre a relação entre sexualidade e afetividade. Ao mesmo tempo, os pais devem deixar claro que o sexo não é nenhuma obrigação só porque o filho virou adolescente e acha que precisa arrumar um parceiro sexual de imediato, para não ficar atrás dos colegas. ;Esse diálogo leva à criança a ter a confiança em dizer sim ou não;, afirma Ângela. A funcionária pública Ana Cláudia da Castro, 33 anos, tem uma ótima relação com o filho Caio , 9, mas não sabe como conversar com ele sobre questões da sexualidade. ;O Caio nunca me perguntou nada sobre sexo. No entanto, me preocupa o fato de ele estar saindo com uma turma em que já rolam paqueras, namoros, e ele não conversa sobre isso comigo;, diz. Ana Cláudia sente que precisa estar mais presente nessas questões, mas não sabe como se comunicar com o filho. ;Não quero invadir a vida dele, apenas orientá-lo de forma correta. Quero passar a ele que o respeito ; a ele e ao outro ; deve estar cima de tudo.; Ana Paula Lustosa, mãe da pequena Anna Gabriela, a dona das perguntas ;delicadas;, lida de forma diferente com a filha mais velha Ana Luíza, 11 anos. Com ela, Ana Paula sonda para saber até onde a filha sabe sobre sexo. ;Puxo assunto sobre namoro, sobre as mudanças do corpo e me mostro aberta. Além disso, estou atenta ao seu comportamento, ao que ela escuta, lê e se comunica na internet;, diz a professora.