Uma pesquisa apresentada no ano passado no Congresso Europeu da Liga contra Reumatismo, em Copenhague, na Dinamarca, encontrou um elo entre o acréscimo das dores, a progressão da doença e o frio. O estudo acompanhou 736 pacientes reumáticos durante 12 meses e concluiu que, quando os primeiros sintomas de artrite reumatoide ocorrem no inverno, a severidade do mal é maior nos seis meses seguintes do que quando a doença se inicia no verão. A piora não se relaciona apenas com as dores, mas também com comprometimento das articulações, o que foi verificado por meio de raios X.
O médico Ga;l Mouterde, do Departamento de Imunorreumatologia do Hospital Lapeyronie, em Montepellier, na França, liderou o estudo e afirma que há explicações plausíveis para a relação entre a piora dos sintomas e a estação do ano. ;Acreditamos que isso acontece como resultado tanto da deficiência de vitamina D (no inverno, as pessoas tomam menos sol) quanto de questões ambientais, como as viroses do frio, que influenciam na citrulinação das proteínas;, disse Mouterde, referindo-se a um processo citológico que induz a fabricação, no organismo, de anticorpos chamados anti-CCP (peptídeo citrulinado cíclico), encontrados em abundância nos pacientes reumáticos.
;Desconheço se (no inverno) existe um aumento em relação ao diagnóstico de doenças reumáticas, porém, observamos nitidamente um aumento no número de queixas de dores articulares nesta época do ano;, afirma a reumatologista do Hospital Anchieta Gina Haase Lobo. ;Devemos considerar também o fato de ocorrer um aumento de infecções virais e bacterianas de trato respiratório alto, com consequente aumento de dores articulares e musculares na vigência e após os quadros infecciosos;, lembra.
O ortopedista Alexandre Podgaeti, membro da Sociedade Brasileira de Coluna, também observa um crescimento nas queixas dos pacientes reumáticos. ;Existem muitas hipóteses para esta piora e entre elas temos os receptores de dor e de temperatura, que ficam mais sensíveis no frio;, diz. Ele também cita as contraturas musculares e as alterações circulatórias como possíveis causas do aumento das dores. ;Os vasos se contraem mais no frio, o que diminui a temperatura e a oxigenação dos tecidos;, diz.
Segundo o anestesiologista Geraldo Carvalhaes, diretor da Clínica de Dor, de Belo Horizonte, no frio, as pessoas se encolhem mais, o que prejudica as articulações, e, além disso, deixam de se movimentar. ;Os idosos, principalmente, ficam mais quietos, quando deviam se expor ao sol por pelo menos 30 minutos por dia e se exercitar;, afirma. Ele conta que tai chi chuan, ioga e hidroterapia ; em especial, na piscina quente ; são atividades físicas que podem ajudar a combater as dores de pacientes reumáticos. ;O exercício faz com que o organismo libere endorfina, que, por si só, já proporciona alívio, como um analgésico. É uma morfina natural;, define o médico, especialista em dores crônicas.
Cardiopatias
A professora aposentada Arilda Maria Marcondes de Souza, 62 anos, convive há muitos anos com a artrite reumatoide. Como a doença foi diagnosticada e tratada no estágio inicial, ela praticamente não tem sequelas ; apenas uma pequena deformidade em um dos dedos. Arilda, que participa da Associação Nacional de Grupos de Pacientes Reumáticos (Anapar), toma medicamentos específicos para o controle da doença e, quando tem crises, recorre aos anti-inflamatórios. Para ajudar no tratamento, ela faz hidroterapia e caminhadas.
Em Brasília, a professora não costuma se incomodar com o inverno. ;O frio é mais no início da manhã e da noite, durante o dia faz calor;, lembra. Mas, quando viaja para o exterior ou para Sorocaba (SP), onde mora a família, nesta estação, sente dores mais fortes nas articulações. ;É algo tolerável, mas a percepção da dor é maior. A rigidez matinal também piora. Quando me levanto, tenho mais dificuldade para me movimentar;, diz. Usar aquecedores não só não contribuem para melhorar os sintomas, como pioram o estado de saúde de Arlinda. ;Não tolero aquecimento artificial. Minhas mãos ficam inchadas;, conta.
Um grupo de pacientes reumáticos, em especial, deve se proteger em dobro do frio no inverno. São os portadores de doenças que apresentam o fenômeno de Raynaud. Essa síndrome compromete a circulação do sangue nas extremidades, como mãos, pés, nariz e orelhas, quando as temperaturas caem. Entre os males nos quais o fenômeno de Raynaud está presente, incluem-se lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia e doença mista do tecido conjunto. ;Ocorre uma piora do arroxeamento nas extremidades e, em casos de reduções mais drásticas na temperatura, pode ocorrer necrose em polpas digitais. Deve-se aquecer bem todo o corpo, usar luvas e meias para aquecer os pés;, recomenda a reumatologista Gina Haase Lobo.
Também é preciso ficar atento com a febre reumática, doença reumatológica que atinge principalmente crianças e jovens. No inverno, como há mais ocorrências de infecções na garganta, a bactéria estreptococo pode cair na corrente sanguínea, provocando cardiopatias. ;O quadro é de infecção, com falta de ar. Quando o médico examina, encontra um sopro no coração;, explica o anestesiologista Geraldo Carvalhaes. Nesse caso, o tratamento é feito à base de antibióticos e penicilina, que visam à eliminação da bactéria.
"Observamos nitidamente um aumento no número de queixas de dores articulares nesta época do ano"
Gina Haase Lobo, reumatologista
Gina Haase Lobo, reumatologista
Artrite, o terror das mulheres
Quase três quartos das mulheres com artrite reumatoide sofrem dores diariamente, de acordo com um estudo apresentado na semana passada durante o Congresso Europeu da Liga Contra Reumatismo, que ocorreu em Roma, na Itália. Os dados, coletados em sete países (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Estados Unidos e Canadá), também sugerem que a doença incomoda tanto as pacientes que chega a impactar negativamente em aspectos sociais e emocionais.
As entrevistadas ; 1.958 mulheres com idades entre 25 e 65 anos ; disseram que se sentem isoladas e deslocadas na vida social, sendo que 40% afirmaram que é mais difícil para as portadoras da doença encontrar um parceiro. As 22% divorciadas ou separadas que participaram do estudo disseram que a artrite reumatoide foi uma causa importante na decisão de se afastarem dos parceiros, e 68% confessaram que escondem a dor das pessoas próximas. A pesquisa também indicou que 67% das pacientes estão constantemente procurando novos tratamentos para lidar com a dor.
;Os dados confirmam que a dor é uma questão de suma importância para mulheres com artrite reumatoide, afetando, fundamentalmente, suas emoções. O estudo lança luz sobre a complexidade de se lidar com a atrite reumatoide e com as dores associadas, mais do que simplesmente controlar os sintomas básicos;, afirmou o professor Paul Emery, presidente do congresso.
;A adoção de um padrão de tratamento para reduzir a dor, evitar a queda da produtividade no trabalho e lidar com o impacto social da doença é muito importante para essa população;, prosseguiu Emery. A pesquisa também explorou os impactos negativos da artirte reumatoide no mercado de trabalho. Setenta e um por cento das participantes que estavam trabalhando na época em que responderam o questionário disseram que produziam menos por causa da doença. (PO)