Belo Horizonte ; Nos últimos meses, a China tem sido obrigada a conviver com um velho fantasma. A volta da temível sífilis, que foi praticamente erradicada há mais de 50 anos, com a descoberta da penicilina, atualmente é a doença sexualmente transmissível mais comum em Xangai. A cada uma hora, nasce um bebê com a doença naquele país. O mal de Chagas, moléstia endêmica de países latino-americanos, avança e atinge a Europa e os Estados Unidos.
A tuberculose não tem mais fronteiras ; avança sobretudo em países do chamado Terceiro Mundo ; e a dengue, que ficou 60 anos sem fazer vítimas no Brasil, hoje bate recorde de contaminação em território nacional. Segundo o Ministério da Saúde, houve um aumento de 109,43% no número de casos de dengue em relação ao ano passado, com o registro de 108,4 mil pessoas que contraíram a doença no país. Em 2009, o número de infectados foi de 51.873.
Sucessivos surtos da dengue no Brasil e em outros países mostram o poder devastador da doença a cada ano. ;O reaparecimento de uma doença extinta em um país pode atingir todo um continente em poucas semanas. As áreas que mais sofrem são coincidentes com a pobreza e a miséria, isto é, América Latina, África e Sudeste Asiático`, alerta Manoel Otávio da Costa Rocha, professor titular do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro titular da Academia Mineira de Medicina e professor orientador do Programa de Pós-Graduação de Infecção e Medicina Tropical da UFMG.
Doenças infecciosas, que já foram grandes inimigas da humanidade séculos atrás e sumiram do mapa por algumas dezenas de anos, estão de volta e se alastram, levantando uma questão: se há informação, tecnologia de ponta e experiências adquiridas no passado, por que elas atormentam novamente o planeta? Os males são classificados pelo meio científico como emergentes e reemergentes.
Futuro ameaçado
Em seu artigo Ética, saúde e pobreza ; as doenças emergentes do século 21, Dirceu Greco, professor titular do Departamento de Clínica Médica e coordenador dos Serviços de Doenças Infecciosas do Hospital das Clínicas da UFMG define as emergentes como aquelas de descoberta recente ou cuja incidência tende a aumentar no futuro, como ocorreu com o vírus HIV. Quando a doença surgiu, na década de 80, era diferente de tudo o que se tinha visto. A Aids é, por si só, um fator determinante para a volta de algumas doenças, como destacam os pesquisadores Greco e Costa Rocha. ;O HIV atinge todo o sistema imunológico do contaminado, que fica suscetível às ativações de doenças como herpes, tuberculose e outras infecções;, comenta Manoel.
As doenças reemergentes são as conhecidas há muitos anos, mas que, de repente, têm a incidência aumentada. ;Essa reintrodução coincide com o modelo de desenvolvimento econômico das sociedades atuais, baseado na exploração do trabalho, com competição, solidão, tensão social e ação predatória sobre o meio ambiente, como o desmatamento de florestas`, destaca Manoel da Costa Rocha. Ele acrescenta ainda a fome, as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego e as condições de vida das populações pobres que vivem em meios urbano ou rural, como fatores fundamentais para esse retorno.
Exemplo disso, segundo ele, é a leishmaniose, que foi considerada um mal rural e, com o passar dos anos, tornou-se problema nos grandes centros urbanos. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), chegam a 2 milhões os casos registrados no mundo a cada ano.
No Brasil, o Ministério da Saúde alerta que são 25 mil novos registros anuais. Causada pelo protozoário Leishmania chagasi, ela é transmitida por vetores da espécie Lutzomia longigalpis e L.cruzi, mosquitos que vivem em ambientes escuros, úmidos e entre os acúmulos de lixo orgânico. ;O vírus da leishmaniose está no pé das serras e, quando se abrem estradas e derrubam florestas, se propaga. Cidades que se expandem, como Belo Horizonte e Brasília, são exemplos claros, pois áreas que antes não eram habitadas começam a ser urbanizadas;, explica.
Além de infecções
A leishmaniose é apenas um dos problemas graves de saúde pública do século 21. No artigo científico Doenças Emergentes e Reemegentes, publicado em 2009 na Revista Médica de Minas Gerais, o professor Manoel e o pesquisador Enio Roberto Pietra destacam para os próximos 90 anos a volta de ao menos sete males: doença de Chagas, malária, febre amarela, hantavírus, dengue, hepatites virais e tuberculose. Segundo o estudo, até o século passado, as principais questões de saúde relacionavam-se às infecções, responsáveis por 50% das mortes.
;As doenças epidêmicas eram introduzidas na Europa ou levadas às colônias, desde o século 15, em consequência das viagens transoceânicas e das trocas comerciais. Durante o século 20, os males provocaram transformações nos indicadores demográficos, sociais, econômicos e de saúde, com repercussão expressiva nas condições da vida humana. São de especial destaque as diarreias, cujo declínio determinou queda significativa da mortalidade geral. Formou-se a crença de que doenças infecciosas poderiam ser facilmente erradicadas. Essa crença baseou-se no fato de que a varíola havia sido erradicada e outras seis doenças estavam em via de extinção, entre elas, a poliomielite e a hanseníase. Essa impressão foi, entretanto, inteiramente equivocada;, escreveram os pesquisadores.
Muitos problemas desde aquela época não apresentam solução, como a expansão da malária na Amazônia, com 500 mil casos novos por ano; e a permanência da esquistossomose, da hanseníase e da tuberculose. Cólera e dengue também preocupam as autoridade de saúde pública. Com isso, o professor Manoel alerta: ;Com a presença do mosquito da dengue, há novo risco: o de se propagar a febre amarela urbana, que tem como principal diferença da forma silvestre o vetor e o reservatório;. O mal de Chagas agora está assustando a Europa e os Estados Unidos.