Há alguns dias, a amiga do trabalho chegou com uma dor na barriga e Ivete sentenciou logo que poderia ser uma apendicite e que ela deveria ir correndo para o hospital. Se alguém comentar sobre um remédio novo, ela já quer logo saber onde comprar. Receitas de chá são as favoritas. ;Tomo de amora para os meus hormônios e ontem me passaram uma receita para acabar com a tosse ; margarina com mel ; que estou louca para experimentar;, conta.
Pesquisar sobre doenças na internet? É com ela mesmo, que ri das próprias neuras. ;Eu sei que é errado, mas quando faço exame de sangue e pego o resultado, olho tudo no Google;, confessa. Quando tinha 15 anos, ela sofreu um acidente de carro e machucou o joelho. Há pouco tempo, ela voltou ao ortopedista para ver se estava tudo bem e ele passou algumas sessões de fisoterapia. ;Ele falou que era uma coisa muito delicada, que eu preciso cuidar. E que, talvez, no futuro, eu tivesse que usar uma prótese. No dia seguinte, já estava procurando um modelo na internet, claro! Todo mundo me achou louca, mas já estou me informando sobre o assunto, ué;, justifica Ivete.
Para quem padece desse tipo de preocupação exacerbada, basta o corpo apresentar um sinal qualquer, minimamente diferente, para a mente começar a pensar no pior. Para os especialistas, a atual enxurrada de informações sobre doenças, remédios e tratamentos pode ser uma das causas dessa situação. O problema é quando a paranoia e a obsessão entram em cena. Aí sim, é hora levar a sério os verdadeiros sintomas de uma hipocondria.
No caso de Ivete, o pior momento ocorreu alguns anos atrás. O cachorro da família amanheceu com a barriga inchada e começou a passar mal. No fim da noite, morreu. ;Acordei no outro dia com os mesmos sintomas, juro! Fiquei com a barriga inchada e achei que ia morrer também. Me despedi dos meus filhos e tudo. Só depois que passou da meia-noite é que consegui melhorar. Ai, minha filha tem tanta coisa, é que não dá nem tempo de contar pra você;, brinca a funcionária pública.
Negação
Os hipocondríacos nunca admitem que se preocupam demais. Eles não conseguem reconhecer que exageram nas suas preocupações e em tratamentos sem orientação médica. Bem diferente dos apenas ansiosos ou preocupados com o contágio de alguma doença, que muitas vezes admitem seus exageros e aceitam as orientações médicas. ;A população que sofre de hipocondria não apresenta bons resultados às tentativas de tratamento, porque, geralmente, não se fixam a uma orientação, mudando constantemente de abordagens e permanecendo num mundo de doenças imaginárias;, afirma Luiz Vicente Figueira de Mello, psiquiatra supervisor do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Preocupar-se com a saúde é normal. Sinais ou sintomas podem ser um alerta do corpo para chamar a nossa atenção. Quando isso acontecer, não há dúvidas: é importante procurar ajuda médica para decifrá-los. ;Mas se sinais ou sintomas passam a ser, mesmo após esclarecidos pelos médicos ou por nós mesmos, exagerados, persistentes; que nos desviam de nossos afazeres repetitivamente; e quando não acreditamos na orientação profissional, isso pode ser considerado uma preocupação patológica;, alerta Mello .
Mas como saber se essa inquietação é na verdade um caso de hipocondria? Para começar, ela é constante e vem acompanhada de uma forte paranoia. ;É saudável ser cuidadoso, mas não pode haver exagero. As possibilidades de doenças existem, mas por que pensar nos mais graves? O hipocondríaco beira o pânico com muita frequência e fica obsessivo. A vida fica começa a ficar limitada, da mesma forma que com as pessoas que sofrem com transtorno obsessivo compulsivo,;, afirma Mônica Mulatinho, médica hebeatra e especialista em terapia psicossocial da Cia do Adolescente & Família.
O temor da advogada Luiza Viana, 27 anos, é com as doenças que não têm cura. Basta ver uma propaganda nova do governo sobre uma delas para bater aquela desconfiança. ;Não sou de tomar medicamento, mas sou de fazer muitos exames;, confessa. ;Já cheguei a ficar estressada e deprimida achando que estava doente com alguma coisa. Acho que a gente começa a prestar mais atenção em alguns sinais e fica criando dentro da mente uma situação, e a tese só aumenta. Mas se a gente pensar nos fatos, as chances são mínimas;, completa a advogada.
Por causa do trabalho em uma organização não governamental ambiental, Luiza viaja muito e, quando existe uma incidência de alguma doença, ela se preocupa. ;Tenho preocupação, principalmente com a hepatite. Eu faço exames, repito várias vezes, me preocupo bastante;, admite. Fazer alguma avaliação médica também causa mal estar para a advogada. ;Já tive uma dor forte no estômago e fiquei desesperada, achando que era uma úlcera, e foi justamente na hora do exame que fiquei mais nervosa;, conta.
Ter medo de um sintoma ou da possibilidade de uma doença faz parte do ser humano. Em vários momentos históricos da humanidade, principalmente em casos de epidemias, como a da gripe espanhola, houve o aumento de fobias e de preocupações obsessivas ou hipocondríacas. Para o especialista, o temor cresce na sociedade atual porque se tem mais acesso a dados médicos e opções de tratamento. ;Atualmente, há uma maior veiculação de informações e em velocidade excepcional, o que coloca as pessoas suscetíveis em maior fragilidade. No entanto, só aquelas que realmente apresentam algum substrato ou predisposição irão desenvolvê-la como um transtorno emocional;, afirma Luiz Vicente.
Milagres
Uma outra caraterística dos hipocondríacos é encontrar os chamados ;remédios milagrosos;. Eles gostam de experimentar todos os tipos de chás e simpatias para curar ou evitar determinada doença. ;Existe uma tara por qualquer tipo de remédios. Qualquer coisa que o vizinho ou a comadre sugiram, ele experimenta. Um paciente assim desenvolve soluções que só funcionam para ele e ainda adora dar receita para os outros;, comenta Mônica.
Quem adora ver as últimas novidades da farmácia ou toma qualquer remédio como Ivete precisa tomar cuidado. Mas a automedicação, por si só, não sustenta a existência da hipocondria. De acordo com o psiquiatra da USP, o Brasil tem uma cultura muito forte de automedicação, que vem da época na qual antepassados usavam ervas medicinais coletadas na natureza e também é induzida pela indústria farmacêutica. ;Às vezes, nos sentimos mais amparados com um analgésico à mão. Mas quando o uso de uma medicação, sem indicação médica, se torna necessário para aliviar preocupações constantes com prováveis doenças imaginárias e aterradoras, devemos pensar em hipocondria ou na fobia de adoecer;, comenta Luiz Vicente.