;Crescei e multiplicai-vos.; A mensagem está estampada no primeiro livro da Bíblia, no rosto de um pai ao ver o filho pela primeira vez, nas mãos da gestante que acaricia a barriga. Para 15% dos casais de todo o mundo, porém, a multiplicação é uma operação impossível. São homens e mulheres inférteis, incapazes, seja por doença, idade ou problemas fisiológicos, de gerar.
Desde 1978, com o nascimento do primeiro ;bebê de proveta;, uma nova perspectiva veio à tona. Com a fertilização in vitro, muitas pessoas condenadas a morrer sem descendentes biológicos conseguiram dar à luz. A técnica de reprodução assistida, porém, não é garantia de sucesso, ao contrário das falsas expectativas com as quais os casais chegam ao consultório. ;Muitos não têm ideia da complexidade do tratamento. Às vezes, não têm a menor condição de engravidar e acham que, se tomarem um remédio, a situação vai ser resolvida;, atesta o especialista em reprodução assistida Vinicius Medina, do Instituto Verhum, em Brasília. Há 10 anos, ele lida com homens e mulheres que depositam na medicina a última esperança de terem um filho.
Apenas a metade dos que tentam, porém, consegue. Não é pouco ; representa mais do que o dobro das chances de um casal saudável gerar uma criança em uma tentativa natural. Para quem sabe, porém, que aquela é a única saída, a estatística pode ser cruel. A experiência da fertilização in vitro muitas vezes acaba em frustração, como mostrou uma pesquisa realizada pela Organização de Consumidores e Usuários da Espanha, publicada neste mês na revista especializada OCU-Salud.
O estudo foi realizado com 1.060 mulheres e 135 homens entre 25 e 44 anos que se submeteram a um tratamento de reprodução assistida. Para 50%, o custo psicológico ; sem falar no econômico, que chegou a 6 mil euros ; foi alto demais. Estresse, falta de informação e de compreensão foram alguns dos fatores citados pelos entrevistados. ;O sucesso depende do grau de comprometimento do sistema reprodutivo masculino e feminino. O processo de não poder engravidar leva homens e mulheres a serem extremamente depressivos e ansiosos;, afirma a ginecologista Rosaly Rulli Costa, coordenadora do Programa de Reprodução Assistida da Secretaria de Saúde do DF, um dos maiores centros da especialidade no Brasil e considerado referência mundial.
Segundo a médica, é preciso muito acolhimento para consolar esses pais. ;Quando não conseguem, mesmo com as técnicas, tenho de dar toda a atenção possível a eles. Quero que saiam tristes, mas com a certeza absoluta de que foi feito tudo o que poderia;, diz. ;É algo extremamente doloroso para nós, médicos, também;, confessa. No Hras, a ginecologista chefia a única equipe que oferece a reprodução assistida gratuitamente à população de Brasília. Em média, 6 mil casais são atendidos ao ano, e 3,2 mil aguardam na fila. ;Eles esperam ansiosamente. Quando são chamados, é como se ganhassem na loteria;, conta Rosaly.
Chances
Ganhar na loteria, porém, não significa levar o prêmio. Alguns fatores são fundamentais para garantir o sucesso do tratamento. ;Em primeiro lugar, a idade do paciente. Nosso relógio biológico é impiedoso. Aos 40 anos, acende a luz vermelha;, alerta Rosaly Rulli. Além disso, a qualidade do espermatozoide e do óvulo é muito importante. De acordo com o médico Vinicius Medina, independentemente da idade, a quantidade de folículos (estruturas que contêm as células que vão se transformar em gametas) por ovário também é fundamental. Uma contagem acima de 11 representa uma boa perspectiva. Quanto menos folículos, menor a probabilidade da gestação.
Em uma equipe de reprodução assistida não há apenas médicos e biólogos. A presença de um psicólogo é essencial, tanto para ajudar no processo decisório do casal, quanto para alertar que a ciência não faz mágica. ;Um dos objetivos da consulta psicológica é buscar uma postura realista;, diz o terapeuta familiar Flávio Lobo, que atende casais em tratamento para engravidar. ;Tem gente que é pega de surpresa quando descobre a infertilidade. Essas pessoas ficam muito impactadas e vão ter de lidar com esse luto antes de poder tomar qualquer decisão;, alerta. ;Estudos relatam que as pessoas recebem a notícia como a morte de um parente próximo. É o luto de um projeto de vida;, diz.
Alguns casais entram em crise, mas, segundo o terapeuta, é mais comum que aumentem a cumplicidade e o vínculo. Ainda assim, a ansiedade é grande. Mesmo com informação, poucos se dão conta de que a transferência do embrião para o útero não é garantia de gravidez. ;Depois da transferência, a mulher tende a pensar que o bebê já está dentro dela. Se o embrião não chegar a se implantar no útero, ela reage como se estivesse recebendo a notícia de um aborto. E o sofrimento é muito grande;, alerta Flávio Lobo. Ele lembra que as pessoas precisam descobrir outras maneiras de se sentirem completas, mesmo diante da infertilidade. ;O filho é um projeto importante na vida, mas não é a única forma de o indivíduo se realizar.;
Conheça a portaria do Ministério da Saúde que institui a Política Nacional de Atenção em Reprodução Humana Assistida no âmbito do Sistema Único de Saúde
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e
Considerando a necessidade de estruturar no Sistema Único de Saúde - SUS uma rede de serviços regionalizada e hierarquizada que permita atenção integral em reprodução humana assistida e melhoria do acesso a esse atendimento especializado;
Considerando que a assistência em planejamento familiar deve incluir a oferta de todos os métodos e técnicas para a concepção e a anticoncepção, cientificamente aceitos, de acordo com a Lei n; 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regula o ; 7; do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar;
Considerando que, segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS e sociedades científicas, aproximadamente, 8% a 15% dos casais têm algum problema de infertilidade durante sua vida fértil, sendo que a infertilidade se define como a ausência de gravidez após 12 (doze) meses de relações sexuais regulares, sem uso de contracepção;
Considerando que as técnicas de reprodução humana assistida contribuem para a diminuição da transmissão vertical e/ou horizontal de doenças infecto-contagiosas, genéticas, entre outras;
Considerando a necessidade de estabelecer mecanismos de regulação, fiscalização, controle e avaliação da assistência prestada aos usuários; e
Considerando a necessidade de estabelecer os critérios mínimos para o credenciamento e a habilitação dos serviços de referência de Média e Alta Complexidade em reprodução humana assistida na rede SUS,
R E S O L V E:
Art. 1; Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde ; SUS, a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.
Art. 2; Determinar que a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida seja implantada de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Estado de Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde, permitindo:
I - organizar uma linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e reabilitação) que perpasse todos os níveis de atenção, promovendo, dessa forma, a atenção por intermédio de equipe multiprofissional, com atuação interdisciplinar;
II - identificar os determinantes e condicionantes dos principais problemas de infertilidade em casais em sua vida fértil, e desenvolver ações transetoriais de responsabilidade pública, sem excluir as responsabilidades de toda a sociedade;
III - definir critérios técnicos mínimos para o funcionamento, o monitoramento e a avaliação dos serviços que realizam os procedimentos e técnicas de reprodução humana assistida, necessários à viabilização da concepção, tanto para casais com infertilidade, como para aqueles que se beneficiem desses recursos para o controle da transmissão vertical e/ou horizontal de doenças;
IV - fomentar, coordenar e executar projetos estratégicos que visem ao estudo do custo-efetividade, eficácia e qualidade, bem como a incorporação tecnológica na área da reprodução humana assistida no Brasil;
V - promover intercâmbio com outros subsistemas de informações setoriais, implementando e aperfeiçoando permanentemente a produção de dados e garantindo a democratização das informações; e
VI - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais de saúde envolvidos com a implantação e a implementação da Política de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, em conformidade com os princípios da integralidade e da Política Nacional de Humanização - PNH.
Art. 3; Definir que a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, de que trata o artigo 1; desta Portaria, seja constituída a partir dos seguintes componentes fundamentais:
I - Atenção Básica: é a porta de entrada para a identificação do casal infértil e na qual devem ser realizados a anamnese, o exame clínico-ginecológico e um elenco de exames complementares de diagnósticos básicos, afastando-se patologias, fatores concomitantes e qualquer situação que interfira numa futura gestação e que ponham em risco a vida da mulher ou do feto;
II ; Média Complexidade: os serviços de referência de Média Complexidade estarão habilitados a atender aos casos encaminhados pela Atenção Básica, realizando acompanhamento psicossocial e os demais procedimentos do elenco deste nível de atenção, e aos quais é facultativa e desejável, a realização de todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos relativos à reprodução humana assistida, à exceção dos relacionados à fertilização in vitro; e
III - Alta Complexidade: os serviços de referência de Alta Complexidade estarão habilitados a atender aos casos encaminhados pela Média Complexidade, estando capacitados para realizar todos os procedimentos de Média Complexidade, bem como a fertilização in vitro e a inseminação artificial.
; 1; A rede de atenção de Média e Alta Complexidade será composta por:
a) serviços de referência de Média e Alta Complexidade em reprodução humana assistida; e
b) serviços de Assistência Especializada - SAE que são de referência em DST/HIV/Aids.
; 2; Os componentes descritos no caput deste artigo devem ser organizados segundo o Plano Diretor de Regionalização - PDR de cada unidade federada e segundo os princípios e diretrizes de universalidade, eqüidade, regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde.
Art. 4; A regulamentação suplementar e complementar do disposto nesta Portaria ficará a cargo dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, com o objetivo de regular a atenção em reprodução humana assistida.
; 1; A regulação, a fiscalização, o controle e a avaliação das ações de atenção em reprodução humana assistida serão de competência das três esferas de governo.
; 2; Os componentes do caput deste artigo deverão ser regulados por protocolos de conduta, de referência e de contra-referência em todos os níveis de atenção que permitam o aprimoramento da atenção, da regulação, do controle e da avaliação.
Art. 5; A capacitação e a educação permanente das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção envolvendo os profissionais de nível superior e os de nível técnico, deverão ser realizadas de acordo com as diretrizes do SUS e alicerçadas nos pólos de educação permanente em saúde.
Art.6; Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde - SAS, isoladamente ou em conjunto com outras Secretarias do Ministério da Saúde, que adote todas as providências necessárias à plena estruturação da Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, ora instituída.
Art. 7; Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.