Resultado do ar que sai dos pulmões e do movimento dos músculos da laringe, a voz é um dos bens mais preciosos do ser humano, por permitir que ele expresse ideias, pensamentos e sentimentos das mais diversas formas. Consciente dos cuidados necessários para manter a saúde e a qualidade do som produzido pelas vibrações das pregas vocais, o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos Paulo Rogério Scalassara desenvolveu um sistema de processamento de sinais que ajuda a detectar doenças que afetam o chamado aparelho fonador, como nódulos e doenças inflamatórias.
Para criar o software, Scalassara dedicou quatro anos de estudos. Ele teve acesso a um banco de dados contendo um total de 48 vozes diferentes, pertencente ao Laboratório de Processamento de Sinais do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia da USP. De acordo com o cientista, foram analisadas as gravações de 16 vozes saudáveis e 32 de pessoas afetadas por nódulos e edemas de Reinke, mal que afeta principalmente os fumantes.
Os arquivos digitais são de pessoas emitindo o som da vogal a por cinco segundos, submetidas a análises feitas com algoritmos que ajudaram a criar modelos desses sinais. ;Foram aplicados modelos específicos, como o de decomposição wavelet, que analisa o tempo, a frequência e o formato do sinal vocal, e medidas de informação, como a entropia, que caracteriza a previsibilidade do sinal vocal ou grau de desordem inerente a ele;, diz Scalassara.
A construção desses modelos mostraram que as vozes saudáveis possuem valores menores de entropia, ou seja, são mais ordenadas que as de pessoas que sofrem com algum problema. ;A partir daí, conseguimos separar os sinais patológicos dos saudáveis. Tudo isso partindo do pressuposto de que um sinal saudável é mais regular e apresenta menos ruído. São características que atribuem a voz a uma laringe saudável;, afirma.
Scalassara explica que os modelos utilizados na pesquisa até então não haviam sido aplicados em softwares comerciais. O intuito é que, no futuro, o programa auxilie o pré-diagnóstico de pacientes com suspeita de patologias na voz. ;O objetivo é evitar que exames sérios, como a laringoscopia, sejam feitos sem necessidade. O programa pode ajudar bastante os profissionais que tratam dos problemas que acometem a voz de seus pacientes;, diz.
Próximos passos
Pesquisas que envolvem o processamento de sinais de voz vêm sendo desenvolvidas pela USP em São Carlos há algum tempo. Porém, segundo o orientador da pesquisa de Scalassara na fase de pós-doutorado, o professor Rodrigo Capobianco Guido, os estudos não são muito comuns no Brasil. ;Desta vez, estão sendo agregadas tecnologias, como as medidas de previsibilidade e transformações matemáticas recentes;, destaca.
O orientador lembra, porém, que o software não será capaz de diagnosticar sozinho nenhuma doença. Ele foi pensado apenas para auxiliar os médicos. Ainda não há previsão de quando o software estará pronto para ser comercializado.
Na nova fase da pesquisa, serão produzidos modelos de vozes afetadas por outras patologias, a partir de amostras cedidas pelo Hospital das Clínicas da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. ;A intenção é estudar como essas novas vozes vão se comportar perante o método de análise, finaliza Guido.
Áudio com o pesquisador Paulo Rogério Scalassara, da Universidade de São Paulo (USP). Ele desenvolveu um software que reconhece algumas doenças da voz