As dores no corpo e a sensação de mal-estar acompanham a bibliotecária aposentada Vera Carrico, 58 anos, há duas décadas. Ela é vítima de fibromialgia, uma doença reumatológica de causa desconhecida e cujo diagnóstico geralmente é tardio, já que nenhum exame é capaz de detectar o problema. Vera já tomou antidepressivos, anti-inflamatórios, fez acupuntura e chegou a tomar uma injeção de corticoide na cabeça. Mas é da água morna, conta, que vem o alívio das dores. ;Faço hidroginástica todos os dias da semana; isso é sagrado. Se for outro tipo de exercício, desencadeia a crise;, diz. Embora seja uma das recomendações feitas aos pacientes, a prática de atividades físicas pode ser bastante desconfortável, já que a principal característica da fibromialgia são as intensas dores musculares. ;Apesar de os exercícios se mostrarem benéficos, os sintomas da fibromialgia geralmente criam obstáculos que dissuadem as pessoas. Daí a importância de encontrar novas formas de promover um aumento na atividade física dos pacientes, de forma que eles consigam aguentar o esforço;, disse ao Correio o pesquisador Kevin R. Fontaine, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e principal autor de um estudo publicado recentemente no periódico científico Arthritis research & therapy. No trabalho, Fontaine mostrou que é possível melhorar a qualidade de vida do paciente com ajustes no cotidiano, como trocar o elevador pela escada ou dedicar um tempo do dia à prática da jardinagem. A pesquisa constatou que houve menos relatos de dores entre os voluntários que aderiram à chamada LPA, sigla em inglês para Lifestyle physical activity (atividade física no estilo de vida), comparando-se ao grupo de pacientes que não foram submetidos ao esquema. O pesquisador partiu de uma recomendação feita em 1996 pela Sociedade Americana de Cirurgia, que aconselha a prática de meia hora diária de atividades de intensidade moderada, de cinco a sete dias por semana, dividida em diversas sessões. A pessoa pode, por exemplo, incluir alguns minutos de caminhada, descendo do metrô uma estação antes do destino, deixar o carro na garagem e ir à padaria de bicicleta, lavar a roupa no tanque, em vez de usar a lavadora etc. ;Apesar de não estar claro ainda se uma sessão de 30 minutos contínua de exercícios é superior às pequenas sessões durante o dia, essas últimas mostram-se mais fáceis de serem praticadas por quem tem fibromialgia;, explica Fontaine. Se, para uma pessoa sadia, segurar pesos de 1kg ou fazer abdominais podem parecer tarefas simples, as vítimas da doença têm dificuldades com esforços ainda menores. Vera Carrico aposentou-se três anos antes do previsto porque já não suportava executar serviços como carimbar um papel. ;Minha chefe implicava comigo, achava que era má vontade, preguiça, e eu não aguentava mais a pressão;, conta. Ela diz que, no caso dela, a fibromialgia ataca a região do pescoço e das nádegas, além de provocar uma eterna sensação de mal-estar semelhante à de uma febre alta. Depois de sofrer um acidente grave, Vera foi encaminhada ao Hospital Sarah Kubitschek, onde recebeu o diagnóstico. Até lá, porém, já havia procurado diversos especialistas, sem nunca saber do que sofria. Ela até mesmo retirou dois dentes, pois um odontólogo sugeriu que o problema estava na gengiva. ;Eu pensava que era câncer, e muita gente acha que você é doida, porque nenhum exame prova nada e, se você olha para a pessoa, ela está fisicamente normal;, diz. Outros sintomas Além das dores musculares, a fibromialgia provoca fadiga, distúrbios do sono, enxaqueca, problemas de memória e concentração, mudanças de humor e irritação. Embora, em um estudo anterior, Kevin R. Fontaine tenha constatado que a prática do LPA aumentou 70% a quantidade de atividades físicas dos pacientes, ainda não havia comprovação científica dos efeitos benéficos no combate aos sintomas da doença. Por isso, ele resolveu retomar a pesquisa e medir até que ponto as alterações no estilo de vida poderiam trazer alívio aos pacientes. Noventa e dois adultos, sendo apenas quatro homens, já que a incidência da fibromialgia é maior em mulheres, participaram do estudo. A média de idade dos voluntários era de 47,7 anos e nenhum deles havia praticado atividades físicas nos seis meses anteriores. Foram excluídas da pesquisa pessoas com doenças crônicas, como câncer, e aquelas que estavam em fase de mudança de medicamento ou começando algum tipo de tratamento para combater a depressão e a ansiedade. Dessa forma, Fontaine garantiu que os possíveis resultados positivos obtidos seriam consequência exclusivamente da LPA. Os participantes foram divididos em dois grupos ; um deles apenas de controle. Os que aderiram à LPA tiveram de incluir, gradualmente, 30 minutos de atividades diárias, divididas em pequenas sessões, entre cinco e sete dias por semana. ;No primeiro encontro, ensinamos aos pacientes como praticar a LPA com intensidade moderada, ou seja, você vai respirar com mais dificuldade, mas não ao ponto de não conseguir conversar. Depois, prescrevemos 15 minutos de atividades, sendo que, a cada semana, eles deveriam acrescentar mais cinco minutos;, explica Fontaine. Ao fim de 12 semanas, eles acumularam mais de meia hora diária de exercícios. Ao longo do estudo, os participantes tiveram de monitorar detalhadamente suas atividades, além de anotar o que estavam sentindo e quais exercícios os faziam se sentir melhor. Três meses depois, apareceram os resultados, considerados bastante satisfatórios. O grupo da LPA aumentou 54% o número de passos diários, não apenas devido a caminhadas, mas por causa de outras atividades, como plantar flores, limpar o armário e nadar. Os passos a mais foram significativos para o bem-estar dos portadores de fibromialgia. No início do estudo, Fontaine utilizou diversas escalas de percepção de dor, fadiga, depressão e pontos dolorosos para medir o grau de incômodo dos participantes. Depois, tornou a aplicar os questionários. Enquanto no grupo das pessoas que não se submeteram à LPA não houve alterações significativas, os voluntários que se exercitaram durante o período relataram avanços em relação à capacidade de executar ações e à diminuição da percepção de dor. ;Mesmo se a pessoa anda até sua caixa de correio, isso é melhor do que não fazer nada. Se elas fizerem um pouco mais do que isso, então podem conseguir gerenciar a dor;, constata o pesquisador. ;Ainda no seu pior dia, tente chegar ao fim da noite e dizer para si mesmo: ;Eu fiz algo;;, conclui. ; Palavra de especialista Insista, que vale a pena A recomendação que nós, reumatologistas, damos, e que está no consenso brasileiro sobre o tratamento de fibromialgia, é que a atividade física mais importante é a aeróbica. É ela que vai diminuir o limiar da dor. Nas primeiras semanas, normalmente, o paciente ainda sente dor. A partir da 10; semana, contudo, o normal é já ter uma melhora mais visível. Num segundo plano, recomendamos o fortalecimento muscular, com musculação e alongamento, como pilates e ioga, que ajudam a melhorar o autocontrole e faz uma diferença significativa. Alguns ficam desestimulados no começo, porque sentem um pouco de dor, mas a gente sempre orienta a tomar algum analgésico comum, mas insistir, porque, no fim, vai valer a pena.Gina Lobo, reumatologista Ouça podcast com a reumatologista Gina Lobo, do Hospital Anchieta