Pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) desenvolveram um aparelho auditivo digital de baixo custo a partir de componentes padronizados. Trata-se de um modelo ;genérico; de aparelho auditivo retroauricular (usado atrás da orelha), batizado de Manaus, que apresenta, entre os diferenciais, autonomia de 440 horas com uma bateria e quatro programas de adaptação, além de baixo custo operacional (aquisição e manutenção). Outra vantagem é ser um produto nacional em um mercado dominado por empresas internacionais.
Podem ser criados vários produtos a partir da plataforma eletrônica genérica
;O Manaus apresenta um custo de produção artesanal de US$140,13, considerado baixo quando comparado aos disponíveis no mercado;, conta o engenheiro eletrônico Sílvio Penteado, do Laboratório de Investigações Acústicas (LIA) da FMUSP e autor de uma tese de doutorado sobre o tema. ;Numa produção seriada esse preço poderia chegar a US$100,00;, completa. De acordo com Penteado, o projeto envolve uma plataforma eletrônica genérica, a qual permite o desenvolvimento de próteses auditivas de vários tipos.
A pesquisa de Penteado foi defendida em agosto de 2009, sob a orientação do professor Ricardo Ferreira Bento, do Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP, coordenador geral do projeto. A pesquisa teve a co-orientação do professor Nilton Nunes Toledo, da Escola Politécnica da USP.
Penteado conta que a Portaria 587 do Ministério da Saúde classifica os aparelhos auditivos como tecnologia A (básica), tecnologia B (intermediária) e tecnologia C (avançada), de acordo com seus recursos eletroacústicos. Segundo o engenheiro, os aparelhos auditivos disponíveis no mercado são comercializados no varejo com preços que podem chegar a até R$12.000,00 (tecnologia C). Já para o Sistema Único de Saúde (SUS), os valores são de R$525,00 (tecnologia A), R$700,00 (tecnologia B) e R$1.100,00 (tecnologia C). ;Esses valores foram definidos pela Nota Técnica Informativa n;004, do Ministério da Saúde, datada de 01 de fevereiro de 2007. Antes disso, os aparelhos eram adquiridos exatamente pelo dobro do preço;, informa Penteado.
;Os aparelhos de tecnologia A são os modelos analógicos e representam 50% das prescrições do SUS. O tipo B é o intermédiário e têm 35% das prescrições. Já o tipo C é o de tecnologia um pouco mais avançada e responde por 15% das prescrições;, explica o pesquisador. ;O nosso projeto foi idealizado e desenvolvido para atender a Portaria 587 do Ministério da Saúde. O modelo que desenvolvemos atende às especificações das tecnologias A e B. Isso representa 85% da demanda de aparelhos auditivos do SUS;, completa.
De acordo com o pesquisador, o Manaus poderá ser usado por pessoas com perdas auditivas classificadas como discretas, moderadas, e moderadas severas. ;O aparelho já está em processo de patente e apresenta um ganho auditivo de 62 decibéis (dB);, conta.
No Brasil, de cada 10 aparelhos auditivos vendidos, 6 são adquiridos pelo SUS. Em 2008, o País importou cerca de 242 mil próteses auditivas. Penteado explica que o custo de manutenção das próteses auditivas importadas é muito alto para os pacientes do SUS. ;Se a prótese apresenta algum defeito após o prazo de garantia, que é de cerca de um ano, o usuário acaba desprezando aquele aparelho e solicita um novo para o SUS. Um dos objetivos do projeto é oferecer também uma manutenção de baixo custo;, destaca.
Além do Manaus, os pesquisadores também desenvolveram outros aparelho, a partir de componentes padronizados: o Florianópolis (tecnologia C), e o Rio de Janeiro e o Sabará (tecnologia B), sendo que estes dois últimos são intracanais (ficam na parte interna da orelha). ;É possível fazer uma família de produtos a partir do mesmo conceito de plataforma eletrônica genérica; garante. Os componentes do aparelho são microfone, processador digital de sinais e receptor, desenvolvidos pelos pesquisadores, e que funcionam com uma programação específica que define o comportamento da prótese.
Software
Penteado explica que para os fonoaudiólogos ; os profissionais responsáveis por adaptar os aparelhos auditivos para as necessidades dos pacientes ; foi desenvolvido um software simples, autoexplicativo e que não necessita de recursos avançados de informática. ;Alguns softwares são tão complexos que exigem que o fonoaudiólogo seja treinado para usar o recurso adequadamente, além de exigirem um computador mais avançado;, diz. Outra vantagem é que software foi desenvolvido com quatro programas de conforto, e o usuário pode selecioná-los de acordo com o ambiente em que estiver ;Os aparelhos convencionais apresentam apenas dois ou três programas.;
Os testes com o Manaus foram realizados pela pesquisadora Isabela de Souza Jardim, com 60 pessoas portadoras de deficiência auditiva. O Manaus foi comparado a outros aparelhos disponíveis no mercado, classificados nas categorias A e B. ;Os resultados foram considerados satisfatórios de acordo com protocolos internacionais;, destaca Penteado. Este trabalho faz parte do doutorado de Isabela, defendido no dia 3 de agosto na FMUSP, também sob a orientação do coordenador geral do projeto, o professor Ricardo Ferreira Bento.
Segundo Penteado, o conceito de equipamentos genéricos pode ser usado para outros produtos médicos como marcapasso, desfibrilador, bombas de infusão e equipamentos de diagnóstico, como audiômetros. ;É um projeto que está inserido na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde do Ministério da Saúde que recomenda o desenvolvimento de tecnologias de reabilitação de baixo custo;, aponta. De acordo com os pesquisadores, no último dia 6 de dezembro houve uma reunião com representantes do Ministério da Saúde, e a receptividade foi muito boa. ;A idéia é propormos um modelo semelhante ao dos remédios genéricos para as próteses;, finaliza o professor Ricardo Bento.