As imagens em terceira dimensão parecem ter saído de um jogo de videogame. Elas mostram um trem completo que viaja sobre uma estrada de ferro, às vezes sob condições climáticas adversas, como chuva e neblina. Pode parecer pura diversão, mas o primeiro simulador de realidade virtual para trens do Brasil serve a um propósito bastante sério. Ele foi desenvolvido pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Companhia Vale para capacitar maquinistas. O equipamento utiliza imagens de satélite que reproduzem trajetos reais, além de considerar as características do veículo, como aderência da roda ao trilho, eficiência da frenagem, consumo de combustível e procedimentos de segurança.
A iniciativa surgiu a partir da demanda da Vale que, atualmente, opera cerca de 10 mil quilômetros de ferrovias no Brasil, compreendendo as malhas das estradas de ferro Vitória-Minas Gerais, Carajás, Norte Sul e Ferrovia Centro-Atlântica. A companhia investiu R$ 2,5 milhões no simulador de realidade virtual.
De acordo com o coordenador do projeto pela USP, o engenheiro Roberto Spinola, toda a tecnologia utilizada é brasileira. ;O sistema é composto por programas numéricos que desenvolvem ou calculam o comportamento dinâmico dos diversos componentes que o trem possui, além dos obstáculos encontrados. Tudo isso é transformado em equações que são resolvidas dentro de um computador;, afirma.
O pesquisador explica que, para funcionar, o projeto necessita de três redes interligadas (veja quadro). Para comandar o trem, o usuário utiliza uma cabine com painel de comando, semelhante aos compartimentos instalados nos trens de verdade. Cada um dos computadores, conforme Spinola, desempenha uma função específica. Já a imagem é uma das novidades do sistema, pois é gerada a partir de uma base georreferenciada. ;Isso significa que pegamos uma foto do satélite, que descreve o relevo, e a imagem é gerada a partir dessa base. Com isso, a simulação ocorre a partir de um dado real;, destaca, lembrando que o treinamento também pode ser feito pela internet.
Fora de perigo
Para os especialistas, uma das grandes vantagens do simulador é o fato de não colocar a vida dos maquinistas em risco. Situações de perigo, como panes em determinados equipamentos, degradação do sistema de freios ou perda de capacidade de tração dos motores das locomotivas, também podem ser previamente detectadas. ;Os maquinistas estarão expostos a situações reais de operação;, reforça o gerente de Inovação e Desenvolvimento Rodoviário da Vale, Gustavo Mucci. Além disso, as vantagens para a empresa são grandes, pois o sistema ainda economiza combustível e reduz o desgaste das locomotivas e vagões.
Até o fim do ano, a companhia planeja treinar 540 maquinistas. O fato de ter sido desenvolvido Brasil, segundo Mucci, fez com que o sistema apresentasse custos menores, comparado aos programas usados pela empresa anteriormente, adquiridos no exterior. Nos últimos oito anos, a Vale investiu R$ 9,5 milhões em tecnologia de simuladores. A previsão é que, a partir do segundo semestre, sejam instaladas cerca de 24 cabines de treinamento.
Para o professor do programa de pós-graduação em transportes da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim Aragão, as ferrovias apresentam uma história problemática no Brasil. ;Na época do Império, houve muitos erros relacionados à política de concessão, e isso não levou à construção de uma rede inadequada;, explica o especialista, referindo-se aos interesses de grandes produtores de café que acabaram desviando as ferrovias de seu papel principal: servir o país inteiro. Segundo ele, o país passou a ter uma rede mínima com 40 anos de atraso, e, com a chegada do automóvel, o uso das estradas de ferro caíram ainda mais no esquecimento. ;As ferrovias passaram a ser mais dispendiosas;, afirma.