Belo Horizonte ; Passados 30 dias do fim da 15; Conferência das Partes (COP-15), a convenção das Nações Unidas sobre mudanças climáticas realizada no mês passado, na Dinamarca, não foi estabelecido ainda um cronograma de trabalho para a continuidade dos debates neste ano. A COP-16 está marcada para novembro, no México, e a expectativa é de que amanhã, durante seu primeiro discurso pós-Copenhague, Yvo de Boer, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), informe os próximos passos a serem seguidos pelos grupos de trabalho.
O planejamento é geralmente criado com um ano de antecedência, o que não ocorreu para o encontro em Copenhague. ;Em Bali, em 2007, tudo foi desenhado: como seria cada etapa de discussões, quantas reuniões seriam feitas. Em dezembro, o que houve foi que saímos de Copenhague com esse acordo inconsistente, sem nenhum plano de trabalho;, critica a diretora de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Branca Americano. Ela, no entanto, não está totalmente descrente sobre a possibilidade de avanços. ;(O acordo) foi uma saída política, a discussão não acabou. Vamos precisar de mais um ano para resolver questões. A preocupação é não jogarmos para o alto o que já foi feito até aqui. Como ficamos escaldados com Copenhague, acho que ninguém vai deixar uma grande quantidade de questões abertas até o México;, espera.
O sentimento do chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Carlos Nobre, é de frustração pela dificuldade de ver a negociação avançar. ;O resultado foi pífio e insuficiente. Todos achavam que, com a presença dos líderes e primeiros-ministros, fosse ocorrer um milagre, mas não houve compromisso, tudo ficará para o futuro.;
Para Nobre, houve demasiada pressão política e diplomática. E, mesmo com a possibilidade de criação de um fundo de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, por 20 anos, pode não haver tempo suficiente para a mudança rumo a uma economia de baixo carbono. ;Os países industrializados precisam fazer uma conversão muito rápida de sua matriz energética, e estamos falando de uma necessidade de US$ 4 trilhões para de fato ocorrerem os ajustes necessários. É preciso haver uma quebra de paradigma, mas não consigo vê-la ocorrendo amanhã;, acrescenta. Por outro lado, ele pondera: ;Como cientista, posso dizer que um aspecto importante foi que, pela primeira vez, entrou no texto da conferência o reconhecimento de qual limite é perigoso para o planeta. Isso foi positivo;.
Uma das dificuldades, na opinião do especialista, é a posição da China. Segundo ele, é um desafio convencer o país asiático a reduzir suas emissões por meio de projetos conjuntos, que possibilitariam a aquisição de controle tecnológico e, ao mesmo tempo, seu desenvolvimento. ;A China está construindo várias usinas eólicas e, em cinco anos, deve ultrapassar Alemanha e Estados Unidos nessa área. São os chineses que têm o maior aproveitamento de energia solar no planeta. Não que eles não estejam fazendo nada para mudar sua matriz energética ou dando as costas para o problema do clima, mas precisam de energia para alimentar seu crescimento de 8% a 10% ao ano. É questão de escala buscar energia mais barata. Noventa e três por cento de sua energia elétrica ainda têm como fonte o combustível fóssil (carvão);, pontua.
Para aqueles que esperam que as mudanças climáticas voltem a ocupar o centro da discussão da política internacional, a expectativa é de que, além do pronunciamento de De Boer amanhã, ministros do chamado Grupo Basics (Brasil, África do Sul, China e Índia), que se reúnem em Nova Déli (Índia) nos dias 24 e 25, definam algum tipo de ação conjunta para 2010. Afinal, trata-se de países em desenvolvimento com grande potencial de crescimento econômico e, consequentemente, de aumento nos níveis de emissões de gases causadores do efeito estufa.
;Acredito que, nesse encontro, os ministros desenhem uma estratégia comum para o apêndice 2 do acordo de Copenhague, que fala sobre as ações nacionais de mitigação (Namas) que cada um deve apresentar até o dia 31. Aqui no Brasil, há um grupo discutindo o que será levado para Déli, mesmo sem instruções da UNFCCC;, diz Branca Americano.
Legislação
Outra tarefa que vai demandar trabalho do governo brasileiro é começar a cumprir o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As metas traçadas até 2020 pela lei são de reduzir as emissões de gases poluentes entre 36,1% e 38,9%. ;Já estamos promovendo discussões internas de como montar o processo de consultas e propostas a serem discutidas entre ministérios, setores produtivos e os estados. O detalhamento das ações será disposto por decretos e é nisso que vamos trabalhar agora;, informa a diretora de Mudanças Climáticas do MMA.
Além da nova legislação, o segundo inventário das emissões de gases no Brasil será concluído este ano. No fim de 2009, uma síntese do material foi divulgada, mas sua finalização vai permitir projeções e desenhos de ações públicas compatíveis com a política do clima, o que é fundamental para que o plano tenha efeito prático. ;O interessante é que a lei projeta planos setoriais e discrimina como os diversos setores devem caminhar para a consolidação de uma economia de baixo carbono;, diz Branca.
Segundo Carlos Nobre, outro fato que pode gerar efeitos positivos é a união entre nações do Hemisfério Sul ; Brasil, Índia, África do Sul, Argentina e Chile ; para o desenvolvimento de cenários climáticos futuros. ;Cada país reunirá esforços de sua comunidade científica, como centros de tecnologia e universidades, para fazermos modelos matemáticos do sistema climático;, antecipa o pesquisador.
O Inpe, referência em monitoramento de florestas, está preparado para compartilhar sua tecnologia, treinar e capacitar agentes de outros países. ;Uma das ideias é trabalhar com os países do sudeste asiático. O Brasil tem tido um posicionamento solidário, principalmente com países mais pobres. Além disso, quem usar nossa tecnologia vai utilizar o satélite sinobrasileiro, o que estreita ainda mais o contato entre China, Brasil e outras nações. Podemos avançar também no ensino de tecnologia de biocombustíveis, área em que temos experiência de mais de 20 anos;, acrescenta Nobre.
Indefinição
O acordo da COP-15, em Copenhague, foi considerado político e não vinculante, pois não houve consenso no âmbito da convenção. Veja os compromissos-chave presentes no documento
Traçar objetivos de manter o aumento da temperatura do planeta em até 2;C
Comprometimento dos países desenvolvidos em estabelecer metas de redução da emissão (sem, no entanto, estabelecer os percentuais) e das nações em desenvolvimento de elencar suas ações de combate dos efeitos das mudanças climáticas
Criação de um fundo de curto prazo com US$ 30 bilhões, até 2012, e a partir de 2020, um fundo de longo prazo, com US$ 100 bilhões anuais
Elaboração de mecanismos de suporte para transferência de tecnologias e de proteção das florestas